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Visto de trabalho para atletas de esporte eletrônico no Brasil – Leading Case

Não é incomum se deparar com debates relacionados à profissionalização ou regulamentação da profissão de atleta de eSports. Alguns dizem, inclusive, não se tratar sequer de um atleta – termo restrito a esportistas –, mas de profissional do ramo do entretenimento, posição com a qual, respeitosamente, discordo.

A discussão teórica, entretanto, é superficial quando dissociada da prática. Examinar situações concreta decorrentes do mercado e da dinâmica social é essencial ao intérprete e operador do direito para a construção de seu raciocínio e entrega da solução necessária aos envolvidos.

Pois bem.

As equipes do CBLOL – Campeonato Brasileiro de League of Legends – contratam atletas estrangeiros, especialmente sul-coreanos. Na segunda Etapa de 2022, eram 10 (dez) em meio a 50 (cinquenta) atletas, ou seja, um quinto do cenário[1]. Na Primeira Etapa de 2023, são 11 (onze), além de 2 (dois) outros profissionais alocados em funções de staff.[2] Europeus são mais raros, mas ocorrem: Alexandre Rodrigues (Truklax), português (cujo caso é tema central do presente artigo), e Danil (Diamondprox), russo, são dois exemplos de atletas que foram contratados para jogar o CBLOL de 2021. São fatos.

Cada Etapa costuma durar cerca de 3 (três) a 4 (quatro) meses, pelo que alguns times sequer optam pela obtenção do visto de trabalho. O atleta permanece no Brasil dentro da estadia autorizada (noventa dias renováveis por mais noventa, por ano) e retorna ao seu país de origem sem necessitar de visto (e sem celebrar contrato formal de trabalho, evidentemente).

Contudo, há atletas que pela performance e valor de mercado despertam interesse das equipes em adentrar vínculos mais longos. O sul-coreano Jong Hoon Park (Croc), campeão da Segunda Etapa de 2022 do CBLOL pela Loud, por exemplo, tem longeva carreira no Brasil, tendo passagens por Rensga, em 2021, Netshoes Miners na Primeira Etapa de 2022, e LouD desde então.

É certo, porém, que a permanência de estrangeiros na condição de turista em solo brasileiro por mais de 180 (cento e oitenta) dias num ano é ilegal, sujeitando-os ao pagamento de multa.

Por outro lado, não é incorreto dizer, a depender da equipe e de sua rotina, que alguns atletas de eSports mantêm vínculo habitual (rotina diária de treinos presenciais e partidas), subordinado à estrutura organizacional e de staff, oneroso (contrato com remuneração e prazo determinado) e sem poder se fazer substituir, buscando alta performance em competições interpessoais.

Com efeito, assessorada por profissionais que seguem a corrente que defende se tratar de uma situação esportiva e laboral, a Miners, no início de 2021, vinculou o atleta Alexandre Rodrigues (Truklax) por meio de contrato especial de trabalho desportivo, nos estritos termos da Lei nº 9.615/98, a Lei Pelé, com prazo de 11 (onze) meses. Ainda que inexista formal inclusão da profissão de atleta de esporte eletrônico na atual Classificação Brasileira de Ocupações (2023), a admissão foi categorizada dentro da árvore de atleta profissional (CBO 3771-05).

Em virtude do aludido prazo de permanência no território nacional, obrigatória a obtenção de visto de trabalho ao atleta português junto às Autoridades brasileiras.

Contudo, em regra geral, a grosso modo, as normativas imigratórias brasileiras são desenhadas protetivamente, isto é, os postos de trabalho são protegidos de modo a preservar a empregabilidade do brasileiro. Portanto, para obter seu visto de trabalho o estrangeiro deve cumprir estritos requisitos, todos elencados na Resolução Normativa nº 02 de 2017, do Conselho Nacional de Imigração, os quais inviabilizariam, prima facie, a obtenção de visto a atletas de eSports, tais como:

(i) mestrado, doutorado ou grau superior compatível com a atividade que irá desempenhar; ou

(ii) conclusão de curso de pós-graduação, com no mínimo 360 (trezentos e sessenta) horas e experiência mínima de 01 (um) ano na área de especialização, compatível com a atividade que irá desempenhar; ou

(iii) nível superior e experiência de no mínimo 02 (dois) anos no exercício da profissão, contando esse prazo da conclusão do curso de graduação que o habilitou a esse exercício; ou

(iv) formação específica em ocupação de nível técnico e experiência profissional de no mínimo 03 (três) anos; ou

(v) escolaridade mínima de 12 (doze) anos e experiência profissional de no mínimo 04 (quatro) anos em ocupação que não exija nível técnico ou superior; ou

(vi) experiência de no mínimo três anos no exercício de profissão, cuja atividade artística ou cultural independa de formação escolar.

Por outro lado, a respeito do tema, minha amiga e colega Heloísa Ávila – especialista em direito migratório –, ventilou a possibilidade de buscar a obtenção do visto por meio da especial Resolução Normativa nº 21 de 2017, do Conselho Nacional de Imigração.

Dita Resolução é específica e foi criada para facilitar a obtenção de visto para atletas com contrato especial de trabalho desportivo – aquele da Lei Pelé. Portanto, atletas com vínculo empregatício. É largamente utilizada para atletas de futebol e basquetebol, por exemplo. Embora hoje não mais vigente – substituída pela Resolução Normativa nº 47 de 2022 – a aludida Resolução foi, à época, a solução precisa para o caso de Truklax.

Com efeito, sendo detentor de contrato especial de trabalho desportivo, por prazo determinado, firmado sob a égide da Lei Pelé, com carteira de trabalho assinada, Truklax preencheu todos os requisitos da então vigente Resolução Normativa nº 21 de 2017 do CNI (e reuniria os requisitos da atual Resolução nº 47 de 2022).

Assim, inevitavelmente, seu visto de trabalho, como atleta profissional de esporte eletrônico, foi deferido pela Coordenação-Geral de Imigração Laboral da, à época, Secretaria Nacional de Justiça, em 19 de fevereiro de 2021, sendo publicado no Diário Oficial da União três dias após (seção I, nº 34, página 69).[3]

Não me recordo – e estou sujeito a correções – de existir caso anterior de deferimento de visto de trabalho a atleta profissional de esporte eletrônico no Brasil. Sem medo de errar, porém, trata-se de importantíssimo precedente exarado pelas Autoridades públicas brasileiras reconhecendo os eSports dentro da sistemática da Lei Pelé (e, portanto, o atleta de eSports como esportista), ao menos sob o viés do direito do trabalho e do direito migratório.

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[1] https://ge.globo.com/esports/lol/noticia/2022/06/09/cblol-2022-dez-coreanos-disputam-o-2o-split-veja-a-lista.ghtml.

[2] https://ge.globo.com/esports/lol/noticia/2023/01/23/cblol-2023-coreano-quando-vem-nao-e-tudo-aquilo-diz-vice-da-keyd.ghtml.

[3] https://portaldeimigracao.mj.gov.br/images/AA%20DOU/2021/02-2021/DOU_37_-_25_DE_FEVEREIRO.pdf.

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