Os estaduais caminham para o final, e o Brasileirão se aproxima.
Desde 2003 o Campeonato Brasileiro de futebol é disputado no sistema de pontos corridos, ou seja, é declarado campeão o clube que, após disputar duas partidas com cada equipe (uma em casa e outra fora), somar mais pontos. Esse modelo é usado com muito sucesso na Europa.
Até 2003 o regulamento do Brasileirão previa uma fase de mata-mata (ou playoffs) na qual os times decidiam a classificação e título em confrontos diretos. Normalmente, em dois jogos: um no campo de cada clube. Essa forma de disputa é adotada com extremo sucesso nos Estados Unidos.
Os defensores dos pontos corridos argumentam que é a forma de disputa mais justa, pois coroará o clube mais organizado, com melhor planejamento e que mantenha a regularidade. Os amantes do mata-mata entendem que se trata da forma mais emocionante de disputa e que é vencida pela equipe mais apta a enfrentar a pressão e situações adversas.
De fato, na Europa, onde se joga o melhor futebol do mundo, o modelo de pontos corridos é usado há décadas, e com bastante sucesso. Entretanto, esse êxito se deve a algumas peculiaridades do continente europeu.
Primeiramente, trata-se de países com área pequena. Das nações com as principais ligas, a França é a que tem menor território, com 547 mil km², inferior ao de Minas Gerais, que tem 587 mil km². Torna-se fácil para o torcedor acompanhar sua equipe nos mais diversos cantos do país, razão pela qual os campos estão sempre cheios.
Além disso, é fácil e barato circular na Europa. As estradas são boas, há trens e passagens aéreas baratíssimas nas empresas low cost. É possível, por exemplo, ir de Paris a Nice por 30 euros (pouco mais de R$ 100).
Isso sem falar na segurança e na qualidade dos estádios.
Mesmo diante de tudo isso, a maior competição da Europa é a Liga dos Campeões, cuja fórmula de disputa é por pontos corridos.
O Brasil é um país de dimensões continentais. Normalmente, 80% dos clubes do Brasileirão situam-se no eixo Sul-Sudeste, o que torna caro, custoso e cansativo para uma equipe do Norte ou do Nordeste fazer o “pingue-pongue”. Talvez esse seja um dos motivos pelos quais grandes equipes com torcidas fantásticas como Bahia, Vitória, Náutico, Sport, Santa Cruz, Remo e Paysandu não consigam se firmar no cenário nacional.
Além disso, a alma latina do brasileiro clama pela emoção, pela disputa acirrada e pelos heróis. Quem não se lembra de Alex Alves da Portuguesa, em 1997, de Alex Mineiro do Atlético-PR, em 2001, de Robinho em 2002 ou, mais recentemente, do goleiro Victor (na Libertadores) em 2013?
Infelizmente, o campeonato por pontos corridos traz a cada rodada dois, três jogos com algum interesse e sete jogos sem atrativos. Normalmente, uma equipe dispara na frente, e a competição se torna uma briga por vaga na Libertadores, ou seja, pelo sexto (!) lugar.
Antes de 2003, os clubes brigavam ponto a ponto para ficar entre os oito primeiros colocados e depois começavam uma “nova competição” nos mata-matas. O campeão era a melhor equipe do país, ou seja, aquela que vencia segundo as regras de competição e que se preparava física e emocionalmente para a fase dos playoffs.
Os Estados Unidos, que têm dimensões continentais como o Brasil, têm as ligas esportivas mais valiosas do mundo, e todas elas são disputadas no sistema de mata-mata.
O modelo brasileiro cultural e geográfico é muito mais próximo do americano do que do europeu.
A média de público do Brasileirão de pontos corridos e de mata-mata tem sido muito próxima, mas indiscutivelmente a emoção caiu, e o produto Campeonato Brasileiro se tornou menos atrativo.
Tudo isso se torna mais claro quando nos deparamos com jogos sensacionais na reta final da Copa do Brasil.
O grande ponto negativo do mata-mata, que seria o fim de temporada prematuro para as equipes não classificadas, pode ser resolvido, por exemplo, com um playoff paralelo decidindo vagas nas competições sul-americanas, como se deu, por exemplo, no Brasileirão de 1999.
O debate é bastante complexo, e há medidas que podem ser interessantes, como a criação de “conferências”, como ocorre nos EUA, mas, independentemente da conclusão individual, clamo pela volta dos grandes jogos, da expectativa de uma grande final e do surgimento dos mitos nos jogos decisivos.