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A cláusula arbitral nos atuais contratos do UFC

O processo de ex-atletas do UFC contra a promoção, sobre o qual discutimos os andamentos em coluna anterior, gerou impacto ao longo dos anos nos contratos entre os atletas do plantel e o evento, supostamente em resposta ao processo antitruste.

O UFC introduziu essas mudanças em seus contratos em algum momento de 2017[1], uma data que agora divide os dois processos atuais que estão sendo enfrentados. O período da primeira ação[2] abrange de 16 de dezembro de 2010 a 30 de junho de 2017, enquanto uma segunda ação movida em 2021[3] abrange todos os lutadores que tiveram uma luta no UFC a partir de 1º de julho de 2017 em diante.

Antes disso, de 2011 a 2016, os contratos padrão do UFC permaneceram notavelmente semelhantes ao que foi divulgado no processo de Eddie Alvarez com o Bellator[4].

Agora, se os lutadores tiverem alguma discordância com o UFC sobre qualquer coisa em seus contratos, em vez de levá-los ao tribunal, eles agora são obrigados a resolver por intermédio de arbitragem, senão, vejamos[5]:

Quando as partes aqui presentes buscarem a resolução de quaisquer questões relacionadas ou decorrentes deste Contrato, do Contrato de Combate e de qualquer interação ou relacionamento entre a ZUFFA e o Lutador, ambas consentirão expressamente com a arbitragem, em vez de procedimentos judiciais, para resolver as Reivindicações Cobertas (conforme definido abaixo).

A arbitragem é o processo pelo qual um terceiro neutro toma uma decisão vinculativa relacionada a uma disputa. A Lei Federal de Arbitragem (9 U.S.C. Seções 1 e seguintes) regerá este contrato de arbitragem, bem como a lei de arbitragem estadual aplicável somente na medida em que não seja substituída pela Lei Federal de Arbitragem. Este acordo de arbitragem é em consideração ao contrato do Lutador com a ZUFFA. Tanto a ZUFFA quanto o Lutador entendem que, ao usar a arbitragem para resolver disputas, eles estão abrindo mão de qualquer direito que possam ter a um juiz ou julgamento por júri com relação a todas as reivindicações sujeitas a este acordo de arbitragem.

A menos que uma das partes solicite três árbitros, a arbitragem deverá ser feita perante um único árbitro neutro e administrada pelo Judicial Arbitration and Mediation Service (*JAMS) em Clark County, Nevada. Exceto conforme disposto neste Contrato, as Regras e Procedimentos Abrangentes de Arbitragem da JAMS em vigor a partir do início da arbitragem (“Regras da JAMS”) regerão os procedimentos de arbitragem. (tradução livre)

Além da arbitragem, a seção XXV do contrato em tela inclui uma renúncia de ação coletiva:

“Renúncia de ações coletivas, de classe e representativas. Até o limite máximo permitido pela lei aplicável, as partes concordam que nenhuma reivindicação poderá ser iniciada ou mantida com base em uma ação coletiva, ação de classe ou ação representativa, seja em tribunal ou arbitragem. Isso significa que nenhuma das partes poderá servir ou participar como representante ou membro de ação coletiva, de classe ou representativa em qualquer processo relativo a Reivindicações Cobertas, seja em tribunal ou em arbitragem.”

“Reivindicações não cobertas. As reivindicações que não são cobertas por este acordo de arbitragem são, na medida do aplicável: reivindicações que não estão sujeitas à arbitragem pré-disputa obrigatória e vinculativa de acordo com a lei federal ou estadual aplicável, incluindo reivindicações trazidas de acordo com a Lei dos Procuradores Gerais Privados da Califórnia e reivindicações atualmente pendentes no processo intitulado Le v. Zuffa, LLC, Processo nº 15-cv-01045 no Distrito de Nevada.” (tradução livre)

Destarte, um lutador que assinar esse contrato não poderá ser membro de qualquer ação coletiva, mesmo que o lutador atenda a todos os critérios para ser classificado como membro.

Se os danos forem concedidos por um júri ou acordo (os autores estão pedindo centenas de milhões de dólares em danos, potencialmente bilhões se forem triplicados), os lutadores que assinaram este acordo não terão direito a eles.

Ademais, embora o atleta de MMA não seja reconhecido como empregado para efeitos da legislação trabalhista norte americana[6] (sendo tratado como contratado independente), tal cláusula arbitral, caso seja mantida (muito embora haja previsão na decisão recente no primeiro processo de que os contratos podem ter as cláusulas revistas), teria impacto mesmo em futuros contratos trabalhistas[7], se os atletas assim fossem considerados.

Isso ocorreria muito pelo fato de que, no caso Epic Systems Corp. v. Lewis U.S., 138 S.Ct. 1612 (2018), ao entender válidas cláusulas em contratos individuais com previsão de resolução de disputas ocorrendo somente por meio de arbitragem individual, por cinco votos contra quatro, a Suprema Corte decidiu que o direito de participar em procedimentos coletivos não constituiria uma forma de “outra ajuda ou proteção mútua” (other mutual aid or protection) objeto de especial proteção na Seção 7 do NLRA – entendimento que importa no reconhecimento da possibilidade de renúncia prévia ao direito de participação em ações judiciais coletivas ou em arbitragens coletivas (por tal motivo, essas cláusulas são frequentemente referidas como class waiver arbitration agreements ou simplesmente class waivers)[8].

A decisão desse caso Epic Systems passou a ser considerada um verdadeiro obstáculo para o acesso à justiça e a efetivação de direitos trabalhistas, já que grandes empresas nos EUA já vinham usando reiteradamente tais cláusulas em seus contratos de trabalho.

Isso torna improvável que essas novas adições aos contratos do UFC possam ser contestadas sem uma nova legislação.

Porém, é no mínimo curioso que o UFC lance mão de clausulas restritivas mais atinentes à questões trabalhistas para lidar com atletas com natureza supostamente de “contratados independentes” (autônomos).

Ao que parece, o UFC está se antecipando à uma possível reclassificação desse tipo de atleta: a de empregado.

Crédito imagem: UFC/Divulgação

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[1] https://bloodyelbow.com/2023/02/10/major-changes-to-ufc-contracts-add-more-restrictions-waiver-to-prevent-class-action-lawsuits/

[2] Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.)

[3] Kajan Johnson, et al. v. Zuffa, LLC, et al., No. 2:21-cv-01189 (D. Nev.)

[4]   SNOWDEN, Jonathan. The Business of Fighting: A Look Inside the UFC‘s Top-Secret Fighter Contract. In: Bleacher Report, 14 maio 2013. Disponível em: https://bleacherreport.com/articles/1516575-the-business-of-fighting-a-look-inside-the-ufcs-top-secret-fighter-contract. Acesso em: 6 set. 2023.

[5] https://www.youtube.com/redirect?event=video_description&redir_token=QUFFLUhqbkZIR2lYQTdUdlVpNUJIeVRsYmNvQzdqYng4Z3xBQ3Jtc0trWWxqQjBFLUJUSG5jMkhzcXJRazkxUUxYdVFCY2d6M3VERm9tdXdoY1UyUHBQT20wQWZmZElBTDVDS1JEdlZqWS1nWlFNT0tMNWtGQnJkUHpDRGJLYndibXVtQ1dleUFhVzdCNUxsMTFOcmZhVl8wSQ&q=https%3A%2F%2Fcdn.vox-cdn.com%2Fuploads%2Fchorus_asset%2Ffile%2F24281497%2FTAILA_JAINE_DOS_SANTOS_UFC_DOCUMENTS.pdf&v=6Lz-_iz-O5U

[6] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 109.

[7] Também prevista no Brasil em contratos trabalhistas a partir da Reforma Trabalhista (lei 13.467/2017), que inseriu na Consolidação das Leis Trabalhistas o artigo 507-A, que em seu corpo textual expõe o seguinte:

“Art. 507-A. Nos contratos individuais de trabalho cuja remuneração seja superior a duas vezes o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser pactuada cláusula compromissória de arbitragem, desde que por iniciativa do empregado ou mediante a sua concordância expressa, nos termos previstos na lei 9.307, de 23 de setembro de 1996.”

[8] FERNANDES, João Leal Renda. O Mito EUA: Um País sem Direitos Trabalhistas. 2ª. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023. p. 201

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