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A polêmica derrota de Cedric Doumbe na PFL

Cedric Doumbe é o kickboxer mais famoso da França no momento. Sua transição para o MMA tem sido digna de nota, com direito a nocaute em poucos segundos em Paris, em evento da PFL com a presença de jogadores famosos, tendo Kylian Mbappé como espectador, cuja reação ao nocaute viralizou rapidamente.

Mas na quinta-feira, 7 de março de 2024, Cedric teve sua primeira derrota no MMA do jeito mais estranho possível.

O atleta fazia sua sexta luta no cage contra Baysangur “Baki”Chamsoudinov. No meio do terceiro round, Cedric apontou para os pés e pareceu dizer ao árbitro Marc Goddard que queria um tempo para checar algo.

Mas, depois de serem instruídos a continuar lutando, Doumbe e Baki se recusaram a desferir golpes, fazendo com que Goddard interviesse novamente.

Doumbe mais uma vez apontou para o dedo do pé e, dessa vez, o árbitro Goddard cancelou a luta, provocando indignação no cage.

Baki acabou anotando uma vitória bizarra por nocaute técnico, enquanto na Accor Arena, com lotação esgotada, começou uma sonora vaia.

Depois que a vaia se dissipou, Doumbe mancou de volta ao seu córner para avaliar o dedão do pé, que parecia ser o culpado por sua hesitação. Em seu discurso após a luta, foi revelado que havia um pequeno pedaço de vidro alojado em seu dedo do pé esquerdo[1].

Não se sabe ao certo de onde veio o vidro. No entanto, o dano já havia sido feito e a decisão tomada, resultando em Doumbe – que já foi um agente livre de alto nível, alvo do UFC – sofrendo a primeira derrota de sua carreira no MMA profissional.

As regras de arbitragem do MMA, como as da Professional Fighters League (PFL) e outras organizações, geralmente estabelecem que qualquer objeto ou defeito no ringue ou cage que possa ferir ou interferir nos lutadores deve ser removido imediatamente, tanto quanto possível, para garantir a segurança dos lutadores.

Os árbitros são responsáveis ​​por garantir um ambiente de combate seguro e justo e estão autorizados a intervir para eliminar qualquer perigo potencial para os lutadores. Isto pode incluir a remoção de objetos estranhos ou perigosos da área de combate. Em geral, as regras visam minimizar o risco de lesões desnecessárias e garantir condições de combate justas.

O Código Esportivo Profissional do MMA francês (que é o cabível, uma vez que a luta ocorreu na França) assim dispõe sobre a intervenção do árbitro nesses casos de objetos estranhos na arena de combate:

Os poderes e deveres do árbitro

O árbitro poderá:

Parar a luta a qualquer momento:

  • se julgar esta muito desigual,
  • se um lutador se machucou e não pode continuar a luta,
  • se julgar que os lutadores não estão realmente lutando,
  • se um incidente material atrapalhar o andamento da luta.[2] (tradução e grifo nossos)

Destarte, não procedendo a alegação de lesão adquirida por conta própria (levantada pelo renomado John Mccarthy), uma vez que Doumbe se lesionou por motivos alheios à sua vontade, cabe analisar a situação sob o ponto de vista do árbitro, Marc Goddard.

Considerando que Goddard não viu o vidro no pé de Doumbe, fica difícil afirmar que ele deveria ter operado com informações que ele poderia não ter naquele momento.

Importante esclarecer que em nenhum momento de uma competição um lutador pode pedir um tempo. Isso se enquadra nas regras de “timidez”[3] que fazem parte das diretrizes do árbitro, nas quais ele deve instruir o atleta a continuar lutando.

O árbitro é o único que pode interferir na competição e deve deixar claro para o atleta que ele deve seguir suas instruções em todos os momentos. Não seguir essas instruções pode resultar em advertência, dedução de pontos ou paralisação, a critério do árbitro.

Outra questão seria em relação a chamar um médico para verificar um corte. Isso é feito exclusivamente a critério do árbitro se ele vir uma laceração visível que seria considerada fim de luta por colocar em risco a saúde do lutador. Mesmo nessa situação, o corte é examinado e não tratado.

Quanto à questão de objetos estranhos no cage, se houvesse pedaços visíveis de vidro quebrado no cage que Goddard observou, ele poderia ter pedido um intervalo, limpado o cage e retomado a luta. Mesmo nesse caso, é improvável que Doumbe conseguisse remover o vidro, a menos que o fizesse rapidamente naquele momento por conta própria.

Ademais, Goddard não estaria seguindo o protocolo se pedisse um tempo para perguntar o que estava acontecendo com Doumbe.

Os únicos motivos para pedir um tempo de descanso seriam uma suspeita de falta por um dos atletas ou se houvesse um corte que exigisse a avaliação do médico para interromper a luta.

Goddard instruiu Doumbe várias vezes a lutar (mais de 4 vezes) e, quando Doumbe não avançou e apontou para o pé uma segunda vez, a luta foi encerrada. O motivo pelo qual ele não deu a Doumbe mais tempo para mostrar algo fica a seu critério, provavelmente porque ele deu instruções verbais várias vezes e não viu nenhum progresso.

Em relação à uma possível apelação, assim dispõe o regulamento interno da PFL[4]:

1.10 – Processo de apelação

a) Durante a temporada regular, a PFL baseia seus pontos concedidos nas decisões da comissão. Se um lutador desejar apelar de uma decisão da comissão durante a temporada regular, ele deve fazê-lo dentro de 3 dias úteis após a luta em questão. A PFL honrará quaisquer alterações subsequentes feitas pela comissão, desde que a comissão chegue a uma decisão oficial sobre o recurso dentro de 30 dias da luta em questão. Qualquer decisão que não seja tomada dentro desses parâmetros não terá influência nos pontos, na classificação oficial ou na participação nos playoffs.

b) Todas as decisões da comissão durante os playoffs e/ou o campeonato serão definitivas ao término da luta. Qualquer recurso contra essas decisões não terá influência sobre o avanço ou a participação nos playoffs, exceto conforme determinado pela liga a seu critério.

Como vimos, a regra não define os motivos que levariam à anulação do resultado, porém, como a PFL opera dentro das Regras Unificadas do MMA, acaba se enquadrando nos mesmos critérios usados pelas comissões atléticas dos demais eventos que seguem as mesmas regras.

Em caso de resultados controversos relacionados aos combates, nos EUA, a maioria das comissões atléticas, responsáveis pela regulação dos esportes de combate em território americano, adere a um processo de apelação semelhante ao estabelecido pela Comissão Atlética de Nevada, que prevê apenas três circunstâncias sob as quais uma apelação pode ser bem sucedida.

A regra contida no Código Administrativo de Nevada (NAC), item 467.770[5] explica os motivos para a anulação de resultados:

NAC 467.770 Mudança de decisão após luta ou exibição: Fatores considerados pela Comissão. (NRS 467.030) Salvo disposição em contrário na NAC 467.579, a Comissão não alterará uma decisão proferida ao final de um concurso ou exibição, a menos que:

     1.  A Comissão determine que houve conluio que afetou o resultado do concurso ou exibição;

     2.  A compilação dos cartões de pontuação dos juízes revele um erro que mostre que a decisão foi dada ao combatente desarmado errado; ou

     3.  Como resultado de um erro na interpretação de uma disposição deste capítulo, o árbitro proferiu uma decisão incorreta. (grifo e tradução nossos)

Diante da regra, o resultado dessa luta ainda poderia ser anulado pela comissão em caso de recurso, sob o argumento de que houve um erro do árbitro na interpretação da regra (desconhecimento de que havia um objeto estranho no pé de Doumbe e a interpretação errada do árbitro de que o atleta estava agindo com “timidez”, o que levou Goddard a decretar o nocaute técnico), mesmo tendo ocorrido um conjunto bizarro de circunstâncias.

Crédito imagem: PFL

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[1] https://twitter.com/mmamania/status/1765862455727513831?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1765862455727513831%7Ctwgr%5E9f6e01b6f63f3b29dd8a09106fb92784a4aa1361%7Ctwcon%5Es1_c10&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.mmamania.com%2F2024%2F3%2F7%2F24093826%2Fcedric-doumbe-steps-on-glass-mid-fight-referee-waives-off-pfl-main-event-bizarre-scene-highlights.

[2] Code Sportif Professionel FMMAF v.800 Septembre 2021, p 16. Disponível em: https://www.fmmaf.fr/reglementation-sportive/code-sportif-professionnel/. Acesso em 9 mar. 2024.

[3] COSTA, Elthon José Gusmão da. A obrigação de entreter: a regra da timidez no MMA. Lei em Campo, 3 ago. 2022. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/a-obrigacao-de-entreter-a-regra-da-timidez-no-mma/. Acesso em: 9 mar. 2024.

[4] https://pflmma-prod.s3.amazonaws.com/settings/league_attachments/5b1d7d77cfe8189c56ad88bbb1e24a1b-1.pdf.

[5] https://www.leg.state.nv.us/nac/NAC-467.html#NAC467Sec770.

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