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A posição dos médicos de ringue quanto aos transgêneros nos esportes de combate

Uma das questões mais polêmicas nos esportes nos últimos anos tem sido o debate sobre atletas transgêneros. Afinal, quais são os direitos dos atletas transgêneros? Quem tem permissão para competir como mulher em esportes femininos? Quem tem permissão para competir como homem contra homens cisgêneros?

No caso dos esportes olímpicos, as regovadas diretrizes do Comitê Olímpico Internacional (COI) exigiam que todas as atletas mulheres trans declarem seu gênero e não mudem essa declaração por pelo menos quatro anos, bem como tenham um nível de testosterona inferior a 10 nanomols por litro por pelo menos um ano antes da competição e durante todo o período de elegibilidade.

Atualmente, o COI atribui às federações internacionais a responsabilidade de desenvolver suas pesquisas, bem como seus regramentos, em consonância com as peculiaridades de cada modalidade.

a política atual da NCAA estipula que a participação de estudantes-atletas transgêneros em cada esporte “deve ser determinada pela política do órgão nacional de governo desse esporte”, em alinhamento com as políticas dos Comitês Olímpico e Paraolímpico dos EUA.

No caso dos esportes de combate, a pergunta que se faz é: uma mulher transgênero deveria receber licença para lutar contra uma mulher cisgênero em um combate profissional? Seria uma luta justa? É um combate seguro?

Acerca do assunto, a Association of Ringside Physicians (ARP) – entidade norte-americana que reúne médicos, profissionais de saúde afins, estudantes, membros de comissões governamentais, órgãos sancionadores, promotores, treinadores e outros envolvidos no fornecimento de saúde, segurança e bem-estar dos participantes de esportes de combate amadores e profissionais – emitiu um documento de posicionamento sobre competidores transgêneros em esportes de combate em 13 de junho de 2023.

A posição da ARP assim se resume: “a ARP não apoia atualmente a competição de atletas transgêneros contra atletas cisgêneros em esportes de combate”, concluindo o órgão que essas lutas são “uma incompatibilidade baseada em diferenças genéticas, anatômicas e fisiológicas e devem ser evitadas”.

Um dos argumentos contrários seria que, embora a testosterona possa ser usada como métrica para garantir a imparcialidade no momento da luta, muitos argumentariam que, quando um lutador homem transgênero inicia sua carreira profissional, ele já passou pela puberdade feminina, o que lhe confere a musculatura e a estrutura óssea de uma mulher. Esse combatente pode estar em desvantagem contra seu combatente homem cisgênero.

Em contrapartida, os especialistas favoráveis à inclusão dos atletas trans na luta alegam que diferenças genéticas são encontradas em atletas do mesmo sexo muitas vezes. A constituição muscular, a flexibilidade das articulações, a velocidade e a agilidade são características variáveis que dão a um atleta uma vantagem ou desvantagem sobre o adversário. Essas características genéticas inatas, juntamente com o treinamento físico intenso e a resistência física e mental, dão ao atleta uma vantagem sobre o concorrente. Seria isso que distinguiria um campeão de um vice-campeão em esportes de combate[1].

Precursora da inserção de atletas trans no MMA, Fallon Fox, que fez a cirurgia de transição de sexo, lutou na modalidade de 2012 a 2014, acumulando um recorde de 5-1 com três vitórias por nocaute ou nocaute técnico e duas por finalização.

Desafiando o status de Fox como mulher, alguns citaram estudos médicos que alegavam que as vantagens do tamanho, força, massa muscular e densidade óssea não diminuíam após uma cirurgia que alterava o sexo, portanto as lutas contra ela eram injustas e menos seguras para as oponentes femininas (COSTA, 2023, p. 57[2])

Alana McLaughlin, outra atleta que fez a transição, tem 1-0 no MMA com uma vitória por finalização em 2021 sobre Celine Provost no Combate Global.

Patricio Manuel, boxeador olímpico, fez história em 2018 ao se tornar o primeiro homem transgênero a lutar profissionalmente nos Estados Unidos.

Por ser o primeiro caso conhecido de transgênero, a comissão de boxe do estado da Califórnia relutou em permitir que ele lutasse. Manuel só foi liberado para lutar pouco depois que o Comitê Olímpico Internacional, em 2016, informou que atletas do sexo feminino para o masculino podem competir sem qualquer restrição.

O Conselho Mundial de Boxe (WBC) está planejando lançar uma nova divisão transgênero em 2023. Nesta senda, está sendo criando um conjunto de regras e estruturas específicas para o boxe transgênero.

O WBC também alegou que “não há consenso sobre se uma luta entre uma mulher transgênero contra uma mulher cisgênero (biológica) é uma luta justa entre duas competidoras iguais“:

“Métricas como o nível de testosterona inferior a 10 nanomols por litro (obtido com o uso de medicação para supressão de testosterona na mulher transgênero), isoladamente, são inadequadas para garantir a justiça no momento da luta. Pode-se argumentar que, no momento em que uma combatente transgênero inicia sua carreira profissional, ela já passou pela puberdade masculina, o que lhe confere a musculatura e a estrutura óssea de um homem. Portanto, uma combatente transgênero pode ter uma vantagem injusta sobre sua combatente cisgênero.” (tradução livre)

A questão delicada é que esportes de combate, como o boxe, o kickboxing e o MMA são únicos, pois cada soco desferido na cabeça é dado com a intenção de vencer, causando um nocaute (também conhecido como concussão).

Como resultado, esses esportes apresentam um risco extremamente alto de lesões neurológicas agudas e crônicas. Boxeadores já morreram durante uma luta ou logo depois dela devido a lesões cerebrais traumáticas (TCEs), como hematoma subdural agudo (SDH), hematoma epidural (EDH), hemorragia subaracnóidea (SAH), hematoma intracraniano e lesões nos grandes vasos do pescoço, como dissecção da artéria carótida ou vertebral.

A questão precisa ser debatida, estudada cientificamente e decidida puramente em argumentos científicos e médicos, baseados em evidências, com o objetivo principal de proteger a saúde e a segurança de todos os combatentes.

Crédito imagem: Combate Global/Instagram

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[1] SETHI, NK; KHABIE, V. T. Transgender athletes in combat sports: to fight or not to fight? ARP Journal of Combat Sports Medicine, [S. l.], ano 2021, v. 3, n. 2, p. 18, jul. 2021. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://ringsidearp.org/wp-content/uploads/2021/06/ARP-Vol3-Iss2.pdf. Acesso em: 30 jul. 2023.

[2] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 57

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