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Advogado-geral do Tribunal da União Europeia emite parecer que pode contribuir para a mudança do regulamento da UEFA de incentivo à formação de jogadores

Na última quinta-feira, 9 de março, o Advogado-geral do Tribunal de Justiça da União Europeia, Maciej Szpunar, emitiu um parecer, ainda que não vinculante, sobre a política de jogadores formados na base, oriunda da UEFA e de algumas Ligas. Esse modelo está sendo questionado desde 2021 pelo clube belga Royal Amberes FC, em um caso que ficou conhecido como novo ‘Caso Bosman’.

Em 2021, diante da impossibilidade de contar com o jogador israelense Lior Rafaelov por conta da restrição imposta pelo regulamento belga, o Royal Amberes FC decidiu agir e acionou o Poder Judiciário local. O clube alegou que as disposições da Liga Belga (Jupiler Pro League), assim como da UEFA, o impedem de contratar novos jogadores e interferem diretamente na escolha técnica para as partidas, destacando que a restrição é prejudicial aos países de menor população

A entidade belga se valeu de um dos argumentos utilizados no Caso Bosman e aduziu que as normativas da UEFA e da Liga Belga violavam o artigo 45 do Tratado de Funcionamento da União Europeia, que versa sobre liberdade de circulação e permanência no território dos Estados Membros. O caso foi enviado pelo juiz belga para a apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, ainda sem prazo para uma decisão definitiva.

“No parecer, o advogado-geral admitiu o aspecto restritivo na norma, mas que o objetivo em formar jovens jogadores justifica tal medida. Todavia, se colocou contra permitir que atletas formados em outro clube do mesmo país entrem na lista de 8, pois se estaria driblando o escopo da norma, que poderia ser burlada através da política de contratação dos clubes. A decisão ficará à cargo do Tribunal de Justiça Europeia e poderá forçar a mudança no regulamento das competições UEFA e algumas ligas europeias”, conta João Carlos Perez, advogado especializado em direito desportivo e que já abordou o tema em sua coluna no Lei em Campo.

A grande preocupação do Advogado-Geral é que os clubes com poderio financeiro têm condições de se esquivar da norma, pois podem contratar jovens de outras equipes do mesmo país que possam preencher os requisitos dos Regulamentos. Desse modo, se desviaria totalmente do objetivo da norma, que pretende estimular o aproveitamento de jogadores jovens, revelados no clube ou no futebol nacional.

Ana Mizutori, advogada especializada em direito desportivo, diz que “apesar de não se tratar, ainda, de uma decisão definitiva, a manifestação do advogado-geral do TJUE se alinha com a importância do equilíbrio competitivo, sem perder de vista a efetiva intenção de criação da regra em comento, ou seja, regular formas de incentivo às categorias de base, em um aspecto macro e com razoabilidade, preservando o Fair play entre as equipes”.

O regulamento da UEFA Champions League, em seu artigo 45, determina que dos 25 jogadores permitidos por elenco, 8 devem vir das categorias de base do próprio clube 6 deles devem estar obrigatoriamente na lista de jogadores relacionados para cada jogo. Contudo, há uma certa flexibilização, já que, entre esses 8 jogadores, se permite que até 4 tenham se desenvolvido na base de outro time pertencente a mesma Federação.

Para a entidade europeia, são considerados jogadores formados pelo próprio clube ou por outra entidade da mesma Federação todos os atletas, independente de nacionalidade e idade, que foram registrados por tal equipe durante 3 temporadas inteiras (de maneira contínua ou não), entre os 15 e 21 anos.

Essa regra, implementada a partir do ano de 2006, foi criada diante da preocupação da UEFA com o aumento do poder financeiro de certas equipes, impulsionado principalmente pelo crescimento da arrecadação com os direitos de transmissão, o que poderia afetar o equilíbrio das competições. Até então, a obrigação era de 4 jogadores vindos do setor de base. No ano seguinte, aumentou para 6. Finalmente, na temporada de 2008/2009, se chegou aos moldes atuais.

O caso envolvendo o Royal Amberes FC ficou conhecido como novo ‘Caso Bosman’ – jogador belga que revolucionou a organização e regulamentação do futebol mundial.

Entenda o ‘Caso Bosman’

Em 1990, Bosman tinha 26 anos quando o contrato dele com o Liège chegou ao fim. O clube belga fez uma proposta de renovação, mas com uma redução grande de salário. O jogador não aceitou e tentou ir para o Dunkerque, da França. O negócio não evoluiu porque, mesmo sem contrato em vigor, o Liège exigiu um valor para liberar Bosman, e o clube francês não tinha como pagar.

Bosman ficou preso. Não aceitou a redução imposta pelo clube belga e não conseguiu se transferir para a equipe francesa. Além disso, ele foi suspenso pela federação belga. Para ter liberdade de trabalho, decidiu comprar uma briga judicial gigante, contra todo o sistema associativo do futebol. A luta não era apenas contra a federação belga, mas também contra UEFA e FIFA.

Advogados do atleta entraram com uma ação na Corte Europeia de Justiça, instalada em Luxemburgo, solicitando liberação, tendo como base o Tratado de Roma, que explicitava o direito do trabalhador à livre circulação na Europa. O Tribunal Europeu precisava resolver esta questão: os artigos 48, 85 e 86 do Tratado de Roma de 25 de março de 1957 deveriam ser usados para impedir que um clube de futebol exigisse e recebesse o pagamento de um montante em dinheiro pela contratação, por um novo clube empregador, de um dos seus jogadores cujo contrato tenha chegado a termo?

No dia 15 de dezembro de 1995, o Tribunal Europeu aceitou o pedido de Bosman. O Tribunal entendeu que o Tratado de Roma é aplicado ao futebol. Ou seja, a lex publica, nesse entrelaçamento com a lex sportiva, se sobrepôs.

A decisão acabou com uma regra básica das relações entre atletas e agremiações na União Europeia, uma espécie de superação sem fronteiras: terminado o contrato, o jogador estava livre para trabalhar em outro clube. Ou seja, o jogador de futebol passou a ter o direito de circular livremente pela Europa, sem ser mais “mera mercadoria”.

Fora isso, os jogadores de futebol nascidos em países da UE passaram a ter os mesmos direitos de livre circulação laboral de qualquer outro cidadão comunitário – sem “quotas” de nacionalidade ou o pagamento de qualquer verba quando um jogador chegava ao fim do contrato.

O “Caso Bosman” transformou o futebol europeu no primeiro momento, mas continua trazendo consequências para outros países. Três anos depois da decisão, no Brasil foi promulgada a Lei 9.615, a Lei Pelé, que, entre outras coisas, acabou com o “passe” dos jogadores.

Crédito imagem: Ajax

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