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Apesar de avanços, gravidez ainda é tratada como um tabu dentro do esporte

A decisão de engravidar para uma mulher que vive do esporte não é fácil. O tema ainda é um tabu muito grande dentro da área, uma vez que atletas de alto rendimento lidam com a performance o tempo todo. Apesar de iniciativas recentes por parte de entidades esportivas que protegem à licença maternidade, muitos lugares ainda desrespeitam o simples direito de uma atleta manifestar o desejo de ter um filho.

“No ano passado, a FIFA incluiu em seu RSTP uma proteção especial às jogadoras em período de maternidade e isso é muito importante. Não basta imaginar as regras nacionais e internacionais de proteção à maternidade e pensar na sua aplicação automática aos contratos entre clubes e atletas. Muitos clubes, inclusive no basquete, têm o costume de incluir cláusulas que impedem a atleta de engravidar durante a vigência do contrato, prevendo a rescisão imediata e a aplicação de uma multa no montante dos salários que ela já recebeu. Esse é um fato muito comum, por isso é muito importante que as entidades nacionais e internacionais realmente enfrentem o tema e incluam isso na sua regulamentação, não deixando apenas para a legislação comum resolver o assunto”, afirma Filipe Souza, advogado especialista em direito desportivo.

“A proteção da licença maternidade vem ganhando forma também dentro do mundo do esporte, como com as determinações da FIFA e da Confederação Brasileira de Handebol. Cada dia que passa à mulher esportista é garantida possibilidade de engravidar sem que isso seja um transtorno para a carreira profissional e esportiva”, avalia Higor Maffei Bellini, advogado especialista em direito desportivo.

O Lei em Campo falou sobre as novas regras da FIFA que protegem jogadoras durante o período da maternidade.

Um dos principais nomes dos saltos ornamentais do Brasil, Juliana Veloso chegou a ter seu plano de saúde cancelado após resolver ser mãe. No entanto, o mais comum, é que atletas tenham seus vínculos encerrados assim que os clubes são comunicados da intenção de uma esportista em engravidar.

A jogadora da seleção brasileira de vôlei, Tandara Caixeta, foi a primeira atleta brasileira a ingressar na Justiça para brigar pelo reconhecimento dos direitos ligados a gravidez. Em 2015, quando estava grávida, passou a receber apenas o valor previsto em carteira pelo seu empregador, o Praia Clube. O acordo de “direito de imagem”, que correspondia a 99% dos rendimentos, acabou não sendo renovado.

Após a vitória na Justiça, em julho do ano passado, Tandara afirmou que seu caso “representa as mulheres atletas para mostrar que gravidez não é doença”.

“É um marco de muita representatividade feminina. Acho que, com essa vitória, represento as mulheres atletas para mostrar que gravidez não é doença e que a gente pode voltar muito melhor depois da gestação. Aconteceu comigo e também temos outros exemplos dentro do esporte de que a gente pode, sim, voltar melhor do que antes. No meu caso, foi acidental (a gravidez). O que eu queria era apenas um respaldo até minha filha nascer para que eu pudesse exercer o meu melhor para o time depois, mas infelizmente isso não foi realizado. Fui mãe de primeira viagem, não foi de propósito e só queria um respaldo. Me senti muito insegura. Tenho minha consciência tranquila de que eu fiz o que tinha de ser feito. Fico muito feliz em ser reconhecida na Justiça porque prova que eu não estava errada”, disse a jogadora na época.

A lista de mulheres que perderam verbas de patrocínio nos últimos anos por estarem ou manifestarem o desejo de engravidar é grande e conta inclusive com atletas olímpicas como: a espanhola Blanca Manchón, da Vela, a francesa Mélina Robert-Michon, do lançamento de disco, e as americanas, Alysia Montaño e Kara Goucher, do atletismo. Todos esses casos se tornaram públicos em 2019, antes da patrocinadora mudar a política em relação               a contrato das gestantes, que passaram a ter seus salários garantidos.

A Nike, uma das maiores patrocinadoras de material esportivo, teve que mudar seu entendimento com as atletas que engravidam enquanto estão sob contrato. A empresa reconheceu, que historicamente, algumas atletas do sexo feminino tiveram pagamentos reduzidos por conta do não cumprimento de suas obrigações contratuais de desempenho. Dessa forma, decidiu eliminar por 12 meses as reduções na remuneração relacionada ao desempenho das esportivas que decidirem engravidar.

É válido ressaltar que a legislação brasileira proíbe, através da Lei 9.029/95, qualquer ato discriminatório contra a mulher, que é gestante ou que pretende engravidar, no âmbito na relação de emprego. Não é permitido questionamentos sobre o teste de gravidez ou se a mulher pretende engravidar.

A CLT prevê, em seu artigo 391, que “não constitui justo motivo para a rescisão do contrato de trabalho da mulher o fato de haver contraído matrimônio ou de encontrar-se em estado de gravidez”. E o parágrafo único do mesmo artigo assegura que “não serão permitidos em regulamentos de qualquer natureza contratos coletivos ou individuais de trabalho, restrições ao direito da mulher ao seu emprego, por motivo de casamento ou de gravidez”.

“No Brasil, pelo fato das atletas serem empregadas segundo os requisitos da CLT, mesmo que as categorias sejam consideradas amadoras, elas não podem ser submetidas a nada que as impeçam de serem mães durante a vigência do contrato com determinada equipe”, completa Higor.

Na Itália, a jogadora de vôlei Lara Lugli, de 41 anos, teve seu contrato rescindido pelo Volley Pordenone, em 2019, após anunciar sua gravidez. O vínculo foi quebrado de forma automática e, cerca de um mês depois, a jogadora acabou sofrendo um aborto espontâneo.

A partir daí a briga foi parar na Justiça. Além da rescisão, o clube processou Lara por perdas e danos consequentes de sua gravidez e por ela não ter avisado que “tinha intenção de ser mãe”. A principal justificativa do Pordenone foi de que Lara deveria ter manifestado o desejo de engravidar e que, ao omitir a informação, a jogadora “violou a boa-fé contratual”.

Recentemente, o Lei em Campo contou como a CBHb (Confederação Brasileira de Handebol) decidiu dar um grande exemplo aos outros esportes ao anunciar um conjunto de ações que buscam o fortalecimento da igualdade de gênero e a valorização da mulher dentro do handebol. O principal objetivo da entidade foi de motivar e garantir a proteção para atletas, árbitras, treinadoras, integrantes das comissões técnicas, gestoras e todas outras que praticam o esporte no Brasil.

Entre as principais medidas estão a ampliação da licença maternidade de 120 para 180 dias, a criação do Comitê de Políticas para as mulheres no handebol e o não prejuízo financeiro para atletas que vinham sendo convocadas pela seleção nove meses antes de engravidar. A partir da publicação, caso a atleta seja chamada durante o período anterior à gestação, ela não apenas receberá a diária que teria direito se estivesse com a seleção, como também receberá um bônus de 50% do valor.

No fundo, o que se espera é que a gravidez seja encarada como uma situação natural, não trazendo consequências para a carreira esportiva. Para isso, é de extrema importância que sejam garantidos direitos mínimos às atletas antes, durante e após a gestação. Nesse sentido, ainda que poucas, as mudanças anunciadas recentemente pelas diferentes entidades esportivas deixam esperanças quanto aos próximos passos que serão tomados nessa importante discussão.

Crédito imagem: Reprodução

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