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As punições da NBA a Robert Sarver e a Donald Sterling: um paralelo

Li essas histórias envolvendo Sarver. Tenho que ser honesto: a nossa liga, definitivamente, não entendeu isso da forma correta. Não preciso explicar o porquê. (…) Eu já disse isso e vou repetir: não há lugar nesta liga para esse tipo de comportamento. Eu amo esta liga e respeito profundamente nossa liderança, mas isso não está certo. Não há lugar para misoginia, sexismo e racismo em qualquer local de trabalho. (…) Não importa se você é o dono do time ou jogador. Enfim, mantemos nossa liga como um exemplo de nossos valores, e esse não é o caso”.

Foi assim que LeBron James reagiu, no Twitter, ao anúncio das punições impostas pela NBA a Robert Sarver, proprietário[1] do Phoenix Suns, do Phoenix Mercury (WNBA) e do clube de futebol Real Club Deportivo Mallorca, S.A.D.

Conforme noticiado pelo Lei em Campo, Sarver foi suspenso por um ano e multado em US$ 10 milhões pela NBA após uma investigação concluir pela veracidade das acusações de racismo, assédio sexual e discriminação de gênero feitas por mais de 70 funcionários e ex-funcionários dos Suns e do Mercury.

As condutas de Sarver no ambiente de trabalho, reveladas inicialmente em uma matéria de novembro de 2021 escrita pelo jornalista Baxter Holmes, da ESPN, foram detalhadas nos últimos dias e causaram repulsa em atletas, empregados da liga, jornalistas e fãs que acompanham de perto a NBA.

Além da National Basketball Players Association (NBPA) e de LeBron James, outro personagem bastante vocal a respeito das punições foi Chris Paul, que joga, justamente, no Phoenix Suns, franquia controlada por Sarver. Também no Twitter, o atleta declarou estar “horrorizado e decepcionado” e que as sanções ficaram aquém do que seria necessário.

Curiosamente, é a segunda vez que Chris Paul se vê no olho do furacão em relação ao comportamento deplorável de um dono de franquia: em 2014, manifestações racistas registradas em uma gravação de áudio feita pela ex-namorada de Donald Sterling, então proprietário do Los Angeles Clippers, no qual o armador atuava, causou intensa reação da sociedade norte-americana, provocando, inclusive, manifestações do Presidente do país na ocasião, Barack Obama.

Após uma investigação que culminou com o banimento perpétuo de Sterling da liga e com uma multa de US$ 2,5 milhões, o controle acionário do Clippers foi vendido a Steve Ballmer, ex-CEO da Microsoft, por US$ 2 bilhões. À época, antes de uma partida pelos playoffs contra o Golden State Warriors, os atletas da franquia de Los Angeles usaram as camisas de treino pelo avesso e, em sinal de protesto, jogaram no meio da quadra os agasalhos que utilizavam, além de atuarem com meias e munhequeiras pretas.

O caso Donald Sterling, que, em breve, deverá ser o tema de uma série de televisão, voltou à tona após o Comissário da NBA, Adam Silver, justificar, em entrevista coletiva, a extensão das penas infligidas a Robert Sarver, as quais, quando contrastadas com as punições sofridas por Sterling, foram consideradas brandas por toda a comunidade envolvida com a liga.

Visivelmente constrangido e desconfortável, Adam Silver, respeitado como um líder cuja visão de mundo costuma ser bem aceita pela maioria de seus comandados e pelo público ao qual ele se dirige, foi duramente criticado por declarar que proprietários de franquias têm certos direitos que um simples empregado não teria caso tivesse as mesmas atitudes de Sarver.

Mas por que razão as punições aplicadas desta vez foram mais leves do que as punições aplicadas a Donald Sterling?

Em texto anterior desta coluna, mencionamos o papel de juiz, júri e executor de penas comumente associado aos Comissários das ligas esportivas norte-americanas. Porém, é importante esclarecer que a atuação de um Comissário não é exatamente o livre exercício de poderes, e sim a manifestação de direitos e deveres conferidos por um mandato outorgado pelos verdadeiros comandantes de uma liga: os donos das franquias.

Ao restringir as punições a Robert Sarver aos US$ 10 milhões e à suspensão de um ano, Adam Silver está, na verdade, agindo em nome dos proprietários das outras 29 franquias, e não atuando ao seu bel-prazer. Daí o constrangimento e o desconforto: embora tenha ressaltado que o dano reputacional a Sarver, outro dos aspectos da “condenação”, não pode ser subestimado, o atual Comissário da NBA provavelmente aplicaria penas mais severas se a decisão dependesse apenas da própria vontade dele.

No caso Donald Sterling, havia uma evidência material objetivamente irrefutável, que eram as gravações em áudio comprovando as acusações. No caso Robert Sarver, até onde se sabe, há apenas depoimentos e até mesmo algumas controvérsias quanto às motivações e ao contexto das lamentáveis frases e expressões dirigidas pelo empresário aos seus funcionários. Os advogados contratados pela NBA certamente pontuaram isso ao orientar o Comissário, ele mesmo um profissional do Direito.

Quais seriam os custos financeiros e de imagem para a NBA se Sarver decidisse, por exemplo, processar a liga no Judiciário dos Estados Unidos explorando eventuais fragilidades na qualidade das provas obtidas no curso da investigação?

Sem adentrar nas minúcias do sistema judicial, podemos afirmar que, tecnicamente, um réu será considerado inocente em um Tribunal norte-americano até que se prove o contrário, de modo que, havendo uma dúvida razoável sobre a culpa do acusado, este não poderá ser condenado. Sem provas textuais, em vídeo ou em áudio (como no caso de Sterling), haveria certeza de vitória para a NBA em uma judicialização do caso? Tudo indica que não.

No mais, além de os US$ 10 milhões serem a pena pecuniária máxima aplicável pelas atuais normas da NBA, são necessários os votos de 3/4 dos proprietários das franquias para que um dono possa ser perpetuamente banido da liga. Esse quórum existiu quando do banimento de Donald Sterling, e podemos supor que não existiria agora.

Especula-se, ainda, que as sinalizações de que Robert Sarver aceitaria as penas nos termos em que foram definidas tenham sido decisivas para que a NBA optasse por elas sem esgotar as possibilidades de banimento, tudo para evitar um processo judicial.

O fato é que essa história está longe de acabar. Os protestos ao redor da liga se intensificaram após a confirmação de que o substituto nas funções de comando do Phoenix Suns será Sam Garvin, que deu apoio público a Sarver após o estopim para o início das investigações, que foi a publicação da reportagem da ESPN.

Além disso, a PayPal, que estampa sua marca no uniforme da franquia, já declarou que não renovará o contrato de patrocínio com a equipe se, após a suspensão de um ano, Robert Sarver retornar à sua posição original.

A bola, daqui em diante, estará nas mãos de outros patrocinadores e, evidentemente, dos atletas. Se quem investe dinheiro nas equipes de Sarver e se o elenco atual do Suns e potenciais agentes livres se recusarem a atuar pelo time na hipótese de ele continuar como dono, por exemplo, a pressão deverá ser grande o bastante para que a venda da franquia, ainda que indiretamente, passe a ser a única opção viável.

Enfim, estamos diante de mais um caso emblemático para reforçar que o esporte não é um mundo à parte, capaz de manter inimputável aquele que pratica uma conduta que jamais seria aceita em outros ambientes. Como afirmou LeBron James, não há lugar para misoginia, sexismo e racismo, seja onde for.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] A NBA passou a utilizar o termo Governor para se referir aos sócios controladores das franquias, pois o termo utilizado até então (Owner) foi compreendido como sendo racialmente insensível. Para fins estritamente didáticos e no contexto específico desta coluna, mantivemos a nomenclatura tradicionalmente usada (“donos” ou “proprietários”).

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