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A NFL em 2022 do lado de fora dos gramados

A temporada 2022 da NFL começou nesta semana, com a promessa de ser mais um ciclo de sucesso na trajetória da liga.

Mas, além das narrativas esportivas propriamente ditas, quais são, sob a ótica do Direito, as pautas mais relevantes a serem acompanhadas nos próximos meses?

A primeira delas, inevitável, é a suspensão de Deshaun Watson, novo quarterback do Cleveland Browns, que ficará 11 jogos sem poder atuar e terá de pagar uma multa de US$ 5 milhões em razão deacusações de assédio sexual movidas por dezenas de mulheres.

Essa pena foi definida após a NFL e a NationalFootball League Players Association (NFLPA)chegarem a um acordo para encerrar um litígio que poderia se estender por muito tempo, algo que seria péssimo para a imagem da liga.

O caso Deshaun Watson traz à tona o papel de juiz, júri e executor da pena que Roger Goodell, na condição de Comissário da NFL, desempenhou, nem sempre de maneira elogiável, nas últimas décadas.

De fato, na história recente da liga, Goodell se envolveu em mais polêmicas do que seria desejável, como na condução da investigação e na aplicação de punições a Ray Rice, flagrado por câmeras de segurança agredindo sua então noiva, e no desastrado episódio que ficou conhecido como Deflategate, quando Tom Brady e integrantes do New England Patriots foram acusados de manipular indevidamente a pressão de bolas de futebol americano utilizadas em uma partida de final de conferência em janeiro de 2015.

O papel de juiz, júri e executor não é uma exclusividade do Comissário da NFL, sendo historicamente associado a Comissários também de outras ligas esportivas norte-americanas, casos daMLB e da NBA. Porém, recaem sobre Goodell as maiores críticas em relação ao desempenho de funções disciplinares destinadas a preservar a integridade do jogo.

A propósito, para quem se interessa pelo tema, uma boa leitura é o livro Big Game: The NFL in Dangerous Times, do jornalista Mark Leibovich, que trata de várias das controversas decisões do atual Comissário da NFL.

Nesse cenário, havia razões para que o vigente acordo trabalhista entre a NFL e a NFLPA, finalizadoem março de 2020, determinasse alterações importantes nos procedimentos disciplinares adotados pela liga.

A mais emblemática delas foi a criação do cargo deOficial Disciplinar, contratado e remunerado em conjunto pela NFL e pela NFLPA. Essa figura passou a ser a responsável pela decisão inicial de punir ou não um jogador, e, em caso positivo, por determinar a extensão da respectiva pena.

De toda forma, depois das etapas de notificação e defesa do atleta e uma vez proferida a decisão do Oficial Disciplinar, o Comissário pode revisar e reverter uma pena que tenha sido aplicada. A única ressalva é que um jogador que tenha sido “absolvido” não pode mais ser sancionado.

Embora, na prática, Goodell continue a ter a palavra final na NFL em matérias disciplinares, tais modificações foram, de um modo geral, recebidas positivamente pela mídia especializada.

Além de Deshaun Watson, outro atleta de destaqueda NFL, o running back Alvin Kamara, do New Orleans Saints, começa a atual temporada enfrentando questões legais. Mesmo que uma eventual suspensão de Kamara ainda este ano seja pouco provável, trata-se de mais um exemplo das dificuldades que jovens jogadores, que se tornam milionários logo no início de suas carreiras profissionais, enfrentam ao lidar com o imenso contraste entre suas vidas como estrelas do esporte e suas origens comumente marcadas por instáveis e violentos entornos familiares e sociais.  

Evidentemente, o pano de fundo dessa situação envolve a questão das desigualdades e tensões raciais nos Estados Unidos, o que nos leva a um outro tema “quente” da temporada 2022 da NFL: os possíveis desdobramentos da ação movida por Brian Flores, ex-treinador do Miami Dolphins, em função de supostas práticas discriminatórias em processos de contratação ao redor da liga.

No processo judicial, que a liga tenta remeter para um órgão arbitral, há alegações sobre a existência de um racismo sistêmico na NFL, assunto especialmente sensível em uma competição que, possuindo cerca de 75% de jogadores negros, conta, no momento, com apenas um treinador negro (Mike Tomlin, do Pittsburgh Steelers).

Em 2003, a NFL aprovou uma regra que obriga as franquias a entrevistarem candidatos de minorias étnicas para cargos de direção. Trata-se da RooneyRule, batizada em homenagem ao já falecido Dan Rooney, ex-proprietário, curiosamente, do próprio Pittsburgh Steelers, e ex-presidente do Comitê de Diversidade da liga.

Essa ação afirmativa, adotada também pela Federação Inglesa de Futebol a partir de 2018, ébaseada, justamente, na premissa de que esportes que têm tantos negros como protagonistas dentro dos campos não podem dar menos oportunidades a negros em outras posições.

A Rooney Rule foi alterada em maio de 2020 para abranger a necessidade de as equipes entrevistarem candidatos de minorias e/ou mulheres para cargos executivos seniores em comunicações, finanças, recursos humanos, jurídico, operações de futebol, vendas, marketing, patrocínio, tecnologia da informação e segurança.

Estabeleceu-se também um programa de bolsas para que ex-jogadores, candidatos de minorias e mulheres possam se qualificar para pleitear cargos diretivos técnicos (treinadores e coordenadores).

Porém, uma das mudanças propostas, de melhoria da posição no draft para as franquias que contratassem treinadores ou diretores de minorias,foi rejeitada, assim como não foi aprovada a ideia de compensações adicionais em contrapartida à contratação de candidatos de minorias para funções como treinador de quarterbacks.

A despeito do acordo extrajudicial sigiloso celebrado entre as partes, continua a pairar sobre a liga a sombra de Colin Kaepernick, atleta que, em protesto contra a violência policial direcionada aos negros nos Estados Unidos, passou a se ajoelhar durante a execução do hino nacional antes do início das partidas. Após deixar o San Francisco 49ers, Kaepernick nunca mais conseguiu emprego na NFL.

É cedo para afirmar que a ação movida por Brian Flores, hoje integrante da comissão técnica do já citado Pittsburgh Steelers, terá um impacto direto e duradouro na liga. Contudo, essa hipótese não pode ser descartada.

Na estreia desta coluna, falamos sobre as punições ao Miami Dolphins em virtude do tampering na abordagem a Tom Brady e ao treinador Sean Payton.

Em paralelo, continuam repercutindo as investigações sobre graves condutas no ambiente de trabalho do Carolina Panthers, na época em que a franquia era comandada por Jerry Richardson, e nos bastidores do Washington Commanders (cujo antigo nome, Washington Redskins, foi alterado por ser ofensivo aos povos indígenas norte-americanos).

Por fim, as controvérsias sobre concussões tampouco deixaram de existir.

Novos temas de interesse jurídico podem vir por aí.Tudo isso nos força a estar de olho não apenas nos ganhos de jardas e nos touchdowns, mas também no noticiário jurídico da NFL.

Que seja uma boa temporada, dentro e fora dos gramados!

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