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CBJD precisa mudar! Como a regra atual afeta clubes menores

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD) prevê a aplicação do artigo 206 para punir atrasos na realização de partidas, estabelecendo uma penalidade que varia de R$100 a R$1.000 por minuto de atraso.

No entanto, mesmo o valor mínimo de R$100 por minuto pode se tornar extremamente desproporcional para clubes com menor estrutura, enquanto para clubes da elite do futebol brasileiro, a penalidade é facilmente absorvível.

Em razão disso, alguns Tribunais de Justiça Desportiva (TJDs) passaram a fundamentar suas decisões no artigo 191 do CBJD, embora este não tenha sido criado especificamente para punir atrasos de partidas.

O artigo 191 estabelece punições para infrações ao regulamento da competição, e como o horário de início das partidas está previsto nesses regulamentos, houve uma interpretação de que o descumprimento desse horário poderia ser punido com base nesse dispositivo.

Isso gerou controvérsias nos TJDs sobre qual artigo deveria ser aplicado: o 191, que permite maior flexibilidade na fixação da multa, ou o 206, que fixa um valor por minuto de atraso.

A Súmula Vinculante 01/2014 do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) esclareceu essa controvérsia ao estabelecer critérios distintos para a aplicação dos artigos 191 e 206 do CBJD:

Quando a equipe ingressar com atraso no campo de jogo, descumprindo o Regulamento Geral das Competições, mas sem ocasionar atraso no início da partida, deve ser aplicada a sanção prevista no artigo 191, inciso I, do CBJD.

Quando a equipe ocasionar o atraso no início ou reinício da partida, independentemente de ter obedecido ou não ao Regulamento Geral das Competições, aplicar-se-á a infração do artigo 206 do CBJD.

A Súmula Vinculante 01/2014 teve o mérito de uniformizar a aplicação do CBJD, conferindo maior segurança jurídica e coibindo interpretações divergentes nos TJDs.

No entanto, a aplicação do artigo 206, ainda que considerada a multa mínima, pode resultar em penalidades desproporcionais para clubes menores, especialmente aqueles que disputam competições com menor expressão financeira.

Diante desse cenário, entendo que a melhor solução não é substituir o artigo 206 pelo artigo 191 para evitar a minutagem, mas sim aplicar o artigo 206 com base no princípio da proporcionalidade.

Isso permitiria penalizar o clube de acordo com sua condição econômica, levando em consideração fatores como o campeonato que disputa, a média de torcedores por partida, o faturamento anual e outros elementos relevantes.

Dessa forma, clubes menores, que enfrentam dificuldades financeiras, não seriam punidos de maneira desproporcional, enquanto clubes com maior poder econômico arcarão com penalidades condizentes com sua realidade.

Casos concretos ilustram essa necessidade de proporcionalidade. No Tribunal de Justiça Desportiva do Espírito Santo (TJD/ES), já julguei situações de atraso decorrentes da não presença da ambulância no estádio — um requisito regulamentar para o início da partida — ou do atraso da própria equipe devido a trânsito intenso ou outros imprevistos.

Em um caso específico, houve um atraso de 37 minutos devido à ausência da ambulância, e mesmo aplicando o valor mínimo da multa (R$100 por minuto), o total seria de R$3.700, um valor extremamente alto para clubes do futebol capixaba.

Além disso, esse valor supera penalidades aplicadas pelo próprio TJD/ES em casos mais graves, o que demonstra a necessidade de proporcionalidade. O Tribunal entende que a punição deve ter um caráter pedagógico, penalizando a infração, mas sem inviabilizar financeiramente a instituição desportiva.

Nesse sentido, apliquei uma multa de R$ 400,00 com base no princípio da proporcionalidade, considerando, entre outros critérios, a média salarial dos jogadores da equipe e a quantidade de torcedores presentes na partida, que não ultrapassava 500 pessoas.

Essa problemática faz parte de uma questão maior: a necessidade de revisão do CBJD. O CBJD foi promulgado em 2003 para organizar e regulamentar a Justiça Desportiva no Brasil, definindo infrações e sanções no esporte.

Em 2009, houve uma reforma significativa conduzida pela Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos (CEJD) do Ministério do Esporte, em parceria com o Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD) e a participação da comunidade esportiva por meio de consultas públicas. O objetivo dessa reforma foi modernizar o código e adaptá-lo às necessidades do esporte brasileiro, alinhando-o a normas internacionais, como as da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional (COI).

Entretanto, com o avanço do esporte no Brasil e seu impacto econômico e cultural, novas demandas surgiram, tornando evidente a necessidade de outra atualização. Questões como a defasagem dos valores das multas, a linguagem genérica de alguns artigos, a falta de critérios claros para punições e a disparidade entre penalidades aplicadas a árbitros e jogadores demonstram como o CBJD não acompanha mais a realidade atual do esporte.

Além disso, há lacunas no CBJD para lidar com desafios como a manipulação de resultados e o impacto das novas tecnologias no esporte, incluindo o VAR e a influência das mídias sociais. O código precisa ser mais flexível e atualizado para atender às diferentes modalidades esportivas e à evolução do futebol profissional e amador no país.

Já abordei essa necessidade de revisão do CBJD em minha coluna, ressaltando que sua estrutura normativa está desatualizada para as necessidades atuais do esporte no Brasil. A vinculação rígida da multa ao tempo de atraso, por exemplo, sem considerar as condições dos clubes e as razões do descumprimento, gera desigualdades e injustiças.

Portanto, defendo uma reforma legislativa que mantenha a base do artigo 206, mas permitindo aos Tribunais aplicar a multa de forma proporcional, considerando a realidade dos clubes e os fatores que levaram ao atraso.

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