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Colorado x ABC: a autonomia estadual norte-americana e as regras do ONE

Em coluna anterior, falamos sobre a chegada do ONE Championship, maior torneio de esportes de combate da Ásia, aos EUA e como suas regras de MMA, divergentes do modelo norte-americano, poderiam impactar o cenário no país.

A maior diferença em relação às regras do ONE e as regras da ABC – as chamadas “regras unificadas do MMA” – válidas em todos os estados norte-americanos e aceitas na maioria dos eventos ao redor do mundo, é que o evento asiático permite aos lutadores aplicar joelhadas na cabeça de um oponente que esteja “no chão”, um golpe ilegal na regra americana.

Em 2021, o estado do Colorado aceitou o uso da regra do ONE em seu território sem alterações, o que permitiu ao evento aportar pela primeira vez nos EUA, tendo sido realizado um show em maio de 2023 no estado.

A Comissão de Esportes Combativos do Colorado permite a sanção de eventos por terceiros, desde que o órgão sancionador atenda aos requisitos da Regra 1.4[1], incluindo a análise e a aprovação das regras pelo diretor, o que foi o caso da regra do One.

Nos EUA, a presunção é de que os estados têm o poder de legislar sobre um assunto, mas o governo federal pode legislar sobre assuntos que afetam vários ou todos os estados.

Um exemplo dessa luta pelo poder é o fato de que as leis federais e estaduais podem ser contraditórias. No Colorado, por exemplo, a maconha foi legalizada. No entanto, ela ainda é ilegal de acordo com a lei federal. Os delegados federais ainda podem prender pessoas por posse no Colorado, elas podem ser julgadas em um tribunal federal e encarceradas em uma prisão federal.

No caso das aceitação do estado do Colorado quanto às regras do ONE, O presidente da ABC, Mike Mazzulli condenou a aprovação do estadual do conjunto de regras não aprovado pela ABC para o ONE Fight Night 10, evento que o ONE promovera em maio de 2023 no estado.

O principal problema de Mazzulli é o uso de joelhadas na cabeça de um oponente “no chão”, que são ilegais nas “regras unificadas” aprovadas pela ABC e usadas pelo UFC, Bellator e outras promoções americanas:

“A Associação de Comissões de Boxe está muito decepcionada com o Estado do Colorado em relação ao próximo evento do ONE Championship em 6 de maio de 2023″.

“O Colorado está retrocedendo décadas em relação à saúde e à segurança. Na verdade, se o diretor executivo do Colorado tiver qualquer documentação médica ou estudos que mostrem que ‘joelhadas na cabeça de um oponente no chão são mais seguras’, ele deve compartilhar as informações com a ABC.

Vale a pena observar que, no que diz respeito à uniformidade, as atuais “regras unificadas” do MMA estão longe de ser unificadas entre as jurisdições estaduais e tribais dos EUA, com vários estados permitindo recentemente o MMA sem luvas também.

Recentemente, a Association of Boxing Commissions and Combative Sports (Associação de Comissões de Boxe e Esportes Combativos), ou, simplesmente, ABC, pressionou o Colorado, pedindo que revisse sua decisão de permitir essas regras alternativas.

Alegando questões de saúde e segurança dos atletas, a ABC reforçou via carta para a comissão do Colorado que uma joelhada na cabeça de um atleta no chão pode ser muito mais perigosa que uma joelhada contra um oponente em pé, senão, vejamos:

1) Os oponentes caídos não podem se defender tão bem quanto um lutador em pé contra uma joelhada na cabeça;

2) É mais provável que a cabeça fique parada em uma posição deitada, enquanto um oponente em pé pode ser capaz de mover a cabeça longe do joelho, resultando em menos força no golpe;

3) Uma cabeça parada impactada por um joelho em um oponente caído provavelmente causará um resultado de golpe e contragolpe. Quando o cérebro sofre um impacto inicial (primário) em um lado do crânio, isso é conhecido como lesão por golpe. Quando o cérebro volta para o outro lado, isso é conhecido como lesão secundária de contragolpe. O resultado são danos a duas seções do cérebro. o que pode fazer com que as células cerebrais se estiquem e se torçam;

4) O joelho não tem acolchoamento e é um osso duro com mais força que um punho normal. (tradução livre)

A ABC foi formada para promover padrões uniformes de saúde e segurança nos esportes de combate, sendo esta uma organização governamental norte-americana sem fins lucrativos, tendo nascido na década de 1980 quando vários diretores executivos de várias comissões de boxe se reuniram para discutir como o boxe era tratado em suas jurisdições.

A Lei de Segurança do Boxe Profissional dos EUA[2] (Professional Boxing Safety Act of 1996) endossou a ABC como a organização líder para ajudar a promover elementos da lei.

A ABC hoje é um conglomerado de órgãos reguladores de toda a América do Norte e de outros países. Entretanto, as comissões são administradas por cada estado e podem diferir.

A entidade fornece uma estrutura para a realização de competições envolvendo esportes de combate e manutenção de registros, sendo composta por membros de comissões atléticas estaduais e tribais dos Estados Unidos e Canadá e de outros lugares.

Atualmente, o ONE Championship não tem nenhum outro evento programado para os Estados Unidos, embora a promoção tenha discutido publicamente os planos de trazer mais eventos para os EUA e tenha procurado mais jurisdições para permitir seu conjunto de regras.

A questão é que, nos EUA, é difícil atingir o equilíbrio certo entre os direitos das autoridades locais de regulamentar as atividades esportivas em suas comunidades[3] e a clara necessidade de uniformidade para um esporte cujas sequelas da prática podem perdurar por anos.

Só o tempo dirá se o ONE conseguirá manter tal permissão de uso de suas próprias regras em território norte-americano.

Crédito imagem: One Championship/Divulgação

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[1] chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.sos.state.co.us/CCR/GenerateRulePdf.do?ruleVersionId=10542&fileName=4%20CCR%20740-1

[2] https://www.dca.ca.gov/csac/stats_regs/federalact.shtml

[3] Embora o governo federal americano seja livre para regulamentar áreas que se enquadrem no escopo de seus poderes, inclusive para aplicar leis federais às atividades do próprio estado, ou para fornecer incentivos para encorajar os estados a cooperar, ele não pode forçar os estados a participar da administração dessas leis. Os programas federais que exigem que os estados promulguem legislação ou que exigem que os estados administrem e apliquem programas regulatórios federais podem ser contestados com sucesso de acordo com o princípio da autonomia do estado confirmado pela Décima Emenda.

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