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Como os clubes podem usar a LGPD para gerar renda

Eu já utilizei o meu espaço aqui no Lei em Campo para falar sobre a Lei Geral de Proteção de Dados em três oportunidades: em duas delas, aqui e aqui, me ative aos pontos gerais sobre como a LGPD é aplicável ao futebol. Finalmente, neste aqui eu falei sobre os perigos de uma sanção de publicização do incidente de dados (o dano reputacional).

Hoje retomo o tema da LGPD para falar sobre algo muito mais agradável do que sanções: geração de renda. Vamos ver a LGPD sob um outro prisma: o da oportunidade. Cumprir a LGPD pode ser extremamente positivo para os clubes.

E quando eu falo dessa “dupla faceta” da LGPD, eu não estou reinventando a roda. Em geral, as normas de proteção de dados, não só a LGPD, têm a dupla função de buscar a garantia da privacidade e de outros direitos fundamentais e também fomentar o desenvolvimento econômico.

Mas, afinal, como a LGPD pode contribuir para o desenvolvimento econômico e ser muito mais do que um emaranhado de obrigações?

Arrumando a casa e encontrando o petróleo escondido

Uma adequação à LGPD exige organização: cada dado pessoal coletado precisa de uma finalidade, de uma base legal que sustente essa coleta, de uma forma adequada de armazena-lo, de uma razão específica para tal armazenamento, dentre muitos outros.

É nesse momento que surge a primeira oportunidade: a revisão dos processos obsoletos.

Para o bem ou para o mal, o ser humano é capaz de acostumar-se com tudo. E, no processo de acostumar-nos, passamos a não questionar o porquê de certas coisas. Isso é muito comum quando lidamos com sistemas produtivos “fordistas”; há uma cadeia de produção na qual as pessoas simplesmente executam tarefas, sem haver uma reflexão sobre o todo.

Com o passar do tempo, essa cadeia de produção pode ficar obsoleta. Isso pode resultar, por exemplo, numa coleta excessiva e consequentemente desnecessária de dados pessoais. “Por que fazemos isso no clube? Porque sempre foi assim”.

A fase de mapeamento de dados pessoais é uma excelente forma de refletir sobre processos antigos; o mapeamento permite identificar diversas informações extremamente relevantes no processo de adequação à LGPD, tais como a identificação da categoria dos titulares dos dados pessoais, a identificação do tipo de dados pessoais coletados, a identificação da forma e da duração da armazenagem de dados pessoais, um eventual compartilhamento de dados com terceiros para fins de cumprimento do objeto do contrato, realizar uma análise de documentos essenciais ao projeto, a identificação do fluxo dos dados pessoais, e, finalmente, elaborar um Relatório de Atividade de Processamento (ROPA – sigla em inglês para Record of Processing Activities).

Veja a quantidade de informações que que podem ser estruturadas sobre o “caminho” do dado pessoal dentro do clube.

Mas aí que vem o “pulo do gato”: é preciso ir além de conhecer os dados que o cluibe tem; deve-se convertê-los em informação útil.

Você certamente já ouviu falar que “dados são o novo petróleo”, certo? É um clichê, mas há motivos fortes para que clichês sejam assim alcunhados. Em 2017, ficou famosa a capa da revista britânica The Economist com a mensagem de que o recurso mais valioso do mundo não era mais o petróleo, mas, sim, os dados. A revista ilustrava as grandes empresas de tecnologia como as estações petrolíferas que extrairiam riqueza desse novo ativo.

Os clubes têm uma quantidade imensa de petróleo nas mãos e a LGPD pode ajuda-los a utilizar esse recurso tão precioso; trabalhar com uma base de dados regular e gerar renda com ela. Utilizar a base de dados pessoais em conformidade com a LGPD para gerar inteligência que agregue valor ao clube.

Uma das estratégias para a utilização dos dados para gerar renda é a anonimização.

O clube pode fazer uso de dados pessoais para gerar um tipo de inteligência, do qual não precise, necessariamente, de dados que identifiquem uma pessoa; é possível fazer uso dados anonimizados para conhecer melhor o perfil do torcedor, por exemplo.

É possível fazer a eliminação de dados que permitam a identificação individual do torcedor e manter dados que permitam saber mais sobre um grupo.

É a chamada privacidade diferencial: uma ciência estatística que busca saber o máximo possível sobre um determinado grupo sabendo o mínimo possível sobre um indivíduo específico.

O uso regular, legal, de uma base de dados pode permitir uma interação muito maior e muito mais efetiva com o torcedor.

Além disso, colocar ordem na casa pode trazer insights para se repensar o modelo de negócio e para lançar novos produtos e serviços. A área de inovação dos clubes certamente ficará grata!

Há um exemplo interessante sobre a criação de novas receitas e o uso de dados pessoais para oferecer novos produtos aos clientes, sobre o qual o Lei em Campo já falou: o Galo Ads

O Galo Ads foi lançado pelo Atlético Mineiro em agosto de 2021. Trata-se de uma plataforma que permite a veiculação de anúncios e campanhas nos canais oficiais do clube em troca de receitas. O Atlético Mineiro é o primeiro do futebol brasileiro a explorar e utilizar sua base de dados para gerar negócios.

De acordo com o Atlético Mineiro, o diferencial do Galo Ads, em comparação ao Facebook AdsGoogle Ads e Uol Ads, é a possibilidade de personalizar conteúdos “oferecendo ao torcedor exatamente aquilo que ele deseja”.

Ora, o Clube Atlético Mineiro só consegue “oferecer ao torcedor exatamente aquilo que ele deseja” porque o conhece, ou seja, porque coletou dados de seus torcedores ao longo dos anos e os converteu em uma informação útil e rentável.

É uma fonte de receita nova para o clube, que parece estar rendendo frutos. Em notícia vinculada no portal GloboEsporte.com[1], afirma-se que o Galo Ads gerou R$1.000.000,00 para os cofres do clube em menos de dois meses.

Melhorando a reputação

Uma outra forma de contar com a LGPD para alavancar o desenvolvimento econômico é entender que a adequação à lei pode melhorar (e muito!) a reputação do clube.

Um dos pilares da LGPD é a transparência. Com o avanço tecnológico fica cada vez mais difícil fazer parte da vida em sociedade sem fornecer dados pessoais. E, já que parece ser inevitável, o cidadão certamente tenderá a procurar consumir produtos e serviços de empresas que são transparentes quanto ao uso dos dados pessoais.

Uma empresa adequada à LGPD pode explorar o fato de que realiza o tratamento correto dos dados pessoais no plano de comunicação para reforçar a confiança do titular dos dados pessoais.

Mas a questão da reputação vai além da transparência para com o cidadão; ela é importante também nos negócios com outras empresas.

A LGPD prevê solidariedade entre controlador e operador. Ou seja, há a possibilidade de o titular acionar quaisquer uma das partes para obter a indenização devida.

Assim, deve-se realizar uma extensa e cuidadosa diligência ao contratar fornecedores e prestadores de serviço já que uma empresa em desconformidade com a LGPD pode causar riscos àquela em conformidade.

É por isso que a questão da reputação é importante também perante a outras empresas.

Segurança da informação

A LGPD também fomenta o desenvolvimento econômico quando exige que os clubes adotem medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

A exigência legal relacionada à segurança não se limita à prevenção de um eventual incidente de dados pessoais, mas também se refere à uma remediação de tal incidente de forma mais eficiente caso ele ocorra.

São medidas que devem ser tomadas, portanto, não somente para fins de adequação à lei, mas para fins de proteção aos ativos do clube.

O prejuízo decorrente de crimes cibernéticos no ano de 2020 chegou a 3 trilhões de dólares.

IBM realiza anualmente um estudo detalhado sobre os custos de um incidente com dados pessoais. No relatório de 2021, o mais recente deles, foram coletados dados por meio de entrevistas com pessoas de 537 organizações em 17 países diferentes e em 17 tipos de indústrias (saúde, educação, transporte, comunicação, entretenimento, entre outras) que sofreram algum tipo de incidente com dados pessoais entre maio de 2020 e março de 2021.

Para calcular o custo médio de um incidente com dados pessoais, foram coletados dados das despesas diretas e indiretas que as organizações tiveram com o incidente.

Despesas diretas incluem a contratação de especialistas para lidar com o incidente. Já as despesas indiretas incluem, principalmente, a perda de clientes, tanto aqueles que já eram clientes quanto aqueles clientes em potencial. Há também despesas com investigação interna, comunicação interna etc.

O relatório dá conta de que o custo médio de uma violação de dados pessoais é de US$ 4.24 milhões

Adequar-se à LGPD, portanto, adotando medidas de segurança da informação pode significar uma economia imensa.

Conclusão

Não é possível controlar boa parte dos acontecimentos da vida; o que é possível controlar é a forma como nós reagimos a tais acontecimentos.

A LGPD é um acontecimento que não podemos controlar. Ela foi publicada, está em vigor e é preciso cumpri-la. Mas podemos controlar como reagiremos à LGPD e, a intenção desse artigo foi demonstrar que é possível encarar a lei de uma forma positiva.

A LGPD pode significar uma excelente oportunidade para os clubes!

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Referências

Artigo adaptado do original disponível em  https://lageportilhojardim.com.br/blog/monetizacao-de-dados-lgpd/

[1] https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/galo-ads-geram-r-1-milhao-em-menos-de-dois-meses-e-atletico-mg-aposta-no-medio-e-longo-prazo.ghtml

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