O texto de hoje se inicia com uma ressalva: não há qualquer pretensão (e nem sequer seria possível) de se fazer uma avaliação de mérito quanto ao caso concreto do afastamento do Presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pela Comissão de Ética da entidade. Pelo contrário, o objetivo é mostrar como questões éticas podem ser apuradas internamente, integradas ao sistema de governança de uma entidade esportiva.
Feito o esclarecimento inicial, temos o recente episódio ocorrido na CBF como pano de fundo de um tema cada vez mais importante. A criação de normas éticas a serem observadas pelos integrantes e stakeholders de uma entidade (desde os empregados até os dirigentes, passando por pessoas físicas e jurídicas associadas, atletas, árbitros, membros de comissões técnicas, etc) vem ganhando força no meio esportivo.
Isso tem a ver com governança? Sim, muito! Essas normas e os instrumentos que buscam lhes conferir efetividade inserem-se justamente no sistema de governança de cada entidade. Como? Tomemos a CBF como exemplo.
Enquanto associação civil, a CBF tem seu funcionamento regido primariamente por seu estatuto social. Já tratamos da importância desse documento para as entidades esportivas constituídas sob a forma de associações (o modelo mais comum no cenário esportivo brasileiro) em outra ocasião aqui na coluna, mas vale reiterar: é nele que se estabelecem as regras básicas de funcionamento da entidade, como por exemplo a indicação dos órgãos que integram sua estrutura.
O estatuto da CBF prevê a existência de diversos órgãos no âmbito da Confederação. O art. 25 enumera aqueles que funcionam como Poderes da entidade, dentre os quais se destacam a Assembleia Geral, o Conselho Fiscal, a Presidência (não confundir com a figura do Presidente)[1], o Conselho de Administração e a Diretoria. Mais adiante, os Capítulos VII (“Dos Órgãos de Fiscalização e Conformidade” – arts. 84 a 90), VIII (“Dos Órgãos Permanentes e de Cooperação” – arts. 91 a 110) e IX (“Dos Órgãos Independentes” – arts. 111 a 134) criam outros órgãos de atribuições diversas, tais como o Conselho Técnico de Competições, a Comissão Nacional de Clubes, a Justiça Desportiva e a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD).
No Capítulo VII, que versa sobre fiscalização e conformidade, insere-se o órgão responsável por “apreciar, investigar, processar, julgar e punir infrações de natureza ética”, nos termos do art. 87: a Comissão de Ética. O mesmo artigo também estabelece sua composição e determina que o órgão é regido pelo Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro.
Antes de abordar o referido Código, vale observar o art. 88 do estatuto. Dele consta o extenso rol de pessoas físicas e jurídicas sujeitas a sanções pela Comissão de Ética: “entidades de administração e de prática de futebol, dirigentes, atletas, árbitros e assistentes, integrantes de comissões técnicas, intermediários de atletas ou de partidas de futebol, treinadores ou quaisquer outros profissionais, técnicos, médicos e outros profissionais de saúde ou quaisquer outras pessoas naturais que exerçam quaisquer cargos ou funções, diretivos ou não, ou jurídicas que atuem no futebol brasileiro, junto à CBF, Federações, Ligas, Clubes, assim como em relação a todos aqueles obrigados a cumprir este Estatuto”.
Mas, afinal, o que se entende por conduta ética no âmbito da entidade? A resposta encontra-se precisamente no Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro, instrumento cuja aprovação compete à Assembleia Geral da CBF, conforme art. 88 do estatuto. São diversas as normas contidas nesse documento pelas quais se apontam preceitos éticos a serem seguidos e condutas indevidas passíveis de sanção. A título de ilustração, o art. 5º, item (iv) prevê que está sujeito a sanção aquele que “praticar assédio de qualquer natureza, inclusive moral ou sexual”. Noutro exemplo de natureza bastante diferente, o art. 18 proíbe o oferecimento de “vantagem econômica com vistas a manipular o resultado de jogos ou de competições”.
Além disso, o Código descreve a forma básica de funcionamento da Comissão de Ética, delegando a regulamento específico seu detalhamento (vide art. 48). E também prevê as sanções aplicáveis, estabelecendo regras gerais para sua aplicação. Nesse ponto, vale destacar o que determina o art. 22, parágrafo único: “A aplicação de sanções aos dirigentes eleitos ficará sujeita à confirmação das Assembleias Gerais Administrativas das respectivas entidades, exigindo-se aprovação de 3/4 (três quartos) da totalidade de seus membros”.
Enfim, todo esse conjunto normativo demonstra como uma entidade esportiva pode buscar assegurar a observância de parâmetros éticos mínimos através de mecanismos internos, isto é, sem depender de iniciativas perante o Ministério Público ou o Poder Judiciário para apurar e julgar possíveis sanções. Não significa que se trate de um sistema perfeito; aliás, é absolutamente comum que normas de qualquer natureza demandem aprimoramento contínuo ao longo do tempo. Mas, certamente, é um caminho saudável a ser trilhado visando a preservação da ética no ambiente esportivo.
……….
[1] Nos termos do art. 58, a Presidência é um órgão colegiado formado por 9 (nove) integrantes: o Presidente e os 8 (oito) Vice-Presidentes eleitos pela Assembleia Geral.