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Destrinchando o caso Byron Castillo

Como não poderia deixar de ser, em ano de Copa do Mundo, um dos principais eventos desportivos do planeta, os olhos dos espectadores e amantes do esporte se voltam para o que ocorre naquele mês de pura magia. Cada momento, por mais simples que seja, ganha dimensões maiores, inclusive os bastidores, que, até então, não tinham a atenção merecida de grande parcela da população.

Nesse contexto, nos últimos meses, o futebol sul-americano definiu as suas vagas na Copa do Mundo do Catar desse ano através das Eliminatórias. Quatro seleções se classificaram, nessa ordem, diretamente para o Mundial: Brasil, Argentina, Uruguai e Equador. Além disso, o Peru, que terminou na quinta colocação, obteve a chance de se qualificar por meio da repescagem, vindo a perder diante da Austrália. Contudo, o que era para se concretizar dentro de campo, acabou ganhando contornos surpreendentes fora das quatro linhas.

Com efeito, emergiu, através da imprensa, um escândalo que poderia dar azo à uma mudança radical na composição mencionada no parágrafo anterior. O lateral direito Byron Castillo, que jogou o total de oito partidas pela seleção do Equador nas Eliminatórias, teria se aproveitado de documentos falsos, pois sua nacionalidade seria colombiana, para atuar pela equipe.

Informado sobre o tema, em meados de abril, a Federação Chilena, que havia terminado a competição em 7º lugar, se valendo de um dever presente no artigo 19 do Código Disciplinar da FIFA, denunciou a possível conduta infratora da Federação Equatoriana e de seu jogador, consciente de que, se a acusação fosse infundada, estaria sujeita às sanções aplicáveis.

Para embasar a denúncia, os chilenos compilaram diversos documentos[1] e alegações que pudessem sustentar sua tese de que o jogador estaria utilizando uma certidão de nascimento falsa. Os chilenos suscitaram os artigos 21 e 22 da mesma normativa. O primeiro dispõe sobre a falsificação de documentos, pelo qual o atleta poderia ser punido com uma multa e uma sanção de, no mínimo, 6 partidas ou um período determinado que não dure menos de 12 meses. Paralelamente a isso, poderia haver a responsabilização da própria Federação Equatoriana.

Outrossim, o artigo 22 trata de escalação irregular de um jogador que não está apto para ser convocado pela seleção, o que traria uma sanção de multa no valor mínimo de 6.000 francos suíços, juntamente com a aplicação de uma derrota por W.O, sem prejuízo de uma punição ao próprio futebolista. Em outras palavras, se entenderia como se partida tivesse terminado em 3 a 0 para a equipe adversária, em caso de o resultado de campo não ser superior a esse. Os órgãos da FIFA também poderiam impor sanções mais graves, como a exclusão da Federação da competição.

Por último, mas não menos importante, indicou-se uma possível violação ao artigo 11 do Código Disciplinar, que trata sobre uma conduta ofensiva e violações aos princípios do jogo limpo, lealdade e integridade, como, por exemplo, obrigação de eximir de praticar ações que desprestigiem o futebol ou a FIFA.

Diante da presença de indícios mínimos da infração devido as alegações trazidas à baila pelos chilenos, a Comissão Disciplinar da FIFA resolveu abrir o procedimento, convidando as Federações Peruanas, quinto colocado, e a Equatoriana a apresentarem suas defesas. Entretanto, o lateral não havia atuado contra a Seleção Peruana, bem como contra a seleção Colombiana, sexta colocada. Dessa forma, o Chile se beneficiaria, ultrapassando as três seleções e se classificando em caso da perda de pontos já elucidada anteriormente.

Igualmente, não podemos olvidar que o processo correu em sigilo, bem como todas as decisões emanadas da entidade máxima do futebol. Sendo assim, dificilmente se terá acesso a toda a fundamentação utilizada pelas partes e por todos os julgadores.

No entanto, em comunicado oficial, a Federação Equatoriana aduziu que o jogador era cidadão equatoriano a todos os efeitos legais, tanto na esfera civil como na desportiva, estando devidamente registrado na autoridade nacional competente e com toda a documentação necessária válida.[2]

Ainda sobre o conceito de nacionalidade desportiva, já abordado aqui em outra oportunidade[3], ele se encontra no Regulamento de Aplicação dos Estatutos, que ajuda a entender um pouco mais sobre a dinâmica, pois estabelece critérios de elegibilidade do jogador referentes à nacionalização, tema bem discutido e necessário ante o atual cenário de um mundo globalizado.

No dia 10/06/2022, o Comitê Disciplinar divulgou sua decisão, em que considerou não ter havido nenhuma violação ao regulamento por parte da Federação Equatoriana e do futebolista, porém sem divulgar a fundamentação. A partir daquele momento, cabia ao interessado solicitar a fundamentação da decisão, junto ao órgão julgador, em até 10 dias, sob pena de se tornar coisa julgada.

Ato contínuo, quando do recebimento da fundamentação, o interessado deverá informar, em três dias, ao Comitê de Apelação sobre sua intenção de recorrer. O prazo para apelação, de cinco dias, passa a contar após o fim do prazo para comunicação dada ao órgão recursal, segundo os ditames do artigo 56 do Código Disciplinar. Frise-se que só poderá apelar quem participou do procedimento junto à Comitê Disciplinar e que a apelação não suspende os efeitos da decisão apelada, exceto as condenações de pagamento.

Posto isso, passando por todo o procedimento, Chile e Peru recorreram da decisão de primeira instância, com a realização de audiência durante o trâmite recursal, em consonância com o Código Disciplinar. Ocorre que, todavia, na semana que antecedeu a decisão final da FIFA, foi divulgado um áudio pelo jornal inglês Daily Mail, que teria sido proferido pelo próprio Byron Castillo. Nesse momento, o jogador teria confessado que teria nascido em Tumaco, cidade da Colômbia que faz fronteira com o Equador, em 1995. Além disso, ainda teria falado que falsificou sua documentação.[4]

Desde então, os holofotes se voltaram para a decisão que seria proferida pela FIFA, a dois meses da Copa do Mundo, capaz de alterar o cronograma da competição, dos países participantes, patrocinadores das federações e a logística de milhares de torcedores que haviam adquirido ingressos, passagens e estadia. Teria esse áudio a capacidade de reverter a decisão? Quem ficaria com a vaga do Equador?

No dia 16.09, a FIFA se pronunciou sobre o tema[5], informando que desestimou os recursos, mantendo a decisão de primeira instância. Para tanto, o Comitê de Apelação considerou que o jogador deveria ser considerado como elegível, pois teria nacionalidade equatoriana permanente de acordo com o art. 5.1 do Regulamento de Aplicação dos Estatutos.

Sem embargo, sobre essa decisão ainda cabe recurso ao Tribunal Arbitral do Esporte (TAS ou CAS), de acordo com o artigo 49 do Código Disciplinar e 57 e 58 do Estatuto da FIFA. Nesse contexto, a partir da divulgação da fundamentação a pedido da parte interessada, passará a contar o prazo de 21 dias para apresentação de recurso ante ao TAS.

Sob esse viés, devemos destacar que não há qualquer prazo estabelecido pela normativa para que a FIFA conceda os fundamentos da decisão, o que pode prolongar por tempo indeterminado o litígio. Portanto, resta a dúvida se haveria tempo hábil para a reversão da decisão no CAS, que poderia perder seu objeto justamente para esse Mundial.

Por outro lado, analisando sob o princípio da estabilidade da competição e da interferência gigantesca que essa decisão poderia causar para a Copa, seria razoável e proporcional reformar a decisão anterior? Caberia ao TAS julgar a nacionalidade do ponto de vista civil do jogador, posto que a desportiva parece estar em consonância com o Regulamento FIFA?

Certamente, a véspera de um Mundial, o pragmatismo das decisões deve ser o caminho adotado pelos órgãos julgadores, que possuem o forte argumento da consonância ao regulamento desportivo e o tempo no seu lado. No entanto, a depender da reanálise dos fatos e de todos os documentos novamente pelo CAS, com a audiência de todas as testemunhas arroladas pelas partes, não se pode descartar uma decisão que possa implicar em uma sanção à seleção equatoriana e ao Byron Castillo, pós Mundial do Catar. Aguardemos as cenas dos próximos capítulos.

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[1] Fifa abre investigação de denúncia que pode tirar Equador da Copa do Mundo – 11/05/2022 – UOL Esporte – última consulta: 28.09.2022

[2] FEF 🇪🇨 no Twitter: “📌 #ComunicadoOficial https://t.co/kvfxNTHjw2” / Twitter – última consulta: 28.09.2022

[3] [3] Naturalização ou nacionalização: plano de carreira ou escolha de vida? – Lei em Campo – última consulta: 28.09.2022

[4] Caso Byron Castillo: entenda a polêmica que pode eliminar o Equador da Copa do Mundo | Exame – última consulta: 28.09.2022

[5] FIFA Appeal Committee passes decision on eligibility of player Byron David Castillo Segura – última consulta: 28.09.2022

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