A Portuguesa obteve uma importante conquista fora das quatro linhas no último sábado (14). O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), Ricardo Anafe, aceitou parcialmente o pedido da Lusa para aderir ao Regime Centralizado de Execuções (RCE) e assim suspender imediatamente parte das execuções e penhoras contra o clube com base no art. 13, inciso I, da Lei 14.193/21 – promulgada em 6 de agosto de 2021.
A decisão, apesar de favorável para a Portuguesa, é polêmica no campo jurídico, uma vez que há divergência de entendimento quanto à concessão do benefício para clubes associativos, ou seja, que ainda não se transformaram em Sociedade Anônima do Futebol (SAF), como é o caso do clube paulista.
“A decisão proferida pelo TJ/SP não chega a ser uma novidade, pois outros clubes já haviam conseguido anteriormente medidas semelhantes, como o Vasco da Gama, o Botafogo e o Cruzeiro. O interessante do precedente, é que os Tribunais e a Justiça como um todo, passam a ter um embasamento claro para suas decisões (o que não existia até então). Os artigos 13 e 14 da Lei da SAF (Lei 14.193/2021), permitem aos clubes associativos, e não apenas à SAF, fazerem uso de alguns mecanismos para estimular o equacionamento dos passivos dos clubes, como é o caso do RCE. O precedente é de grande importância e a tendência é que comecemos a observar mais decisões nesse sentido”, avalia Rafael Marcondes, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo.
Para Theotonio Chermont, advogado trabalhista e colunista do Lei em Campo, os tribunais estão desvirtuando a aplicação da lei da SAF.
“A culpa é de quem a redigiu, muito mal, por sinal. Bastava constar expressamente que só se aplicava a clubes que tivessem constituído a SAF. Não teríamos toda essa celeuma que está ocorrendo em diversos tribunais. Os magistrados que deferem o RCE aos clubes associativos não estudaram a lei a fundo tampouco a exposição de motivos do legislador. Sequer interpretaram a lei como um todo. Pinçaram artigos que os interessava para amparar suas decisões. Entendo que foram decisões tecnicamente ruins e com um sentimento de pena dos clubes ilegalmente beneficiados”, critica o especialista, que acrescenta:
“Basta analisar a redação da maioria dos artigos para constatar que sem a SAF como garantidora do pagamento das dívidas não há como deferir esses pedidos dos clubes. Inclusive, o art. 10 que versa sobre os pagamentos do RCE exige o repasse de valores pela SAF. Como então por esse plano em prática sem a sua existência? E quem garantirá os credores se a SAF não existe? O art. 11 é de clareza solar nesse sentido”.
O que dizem os arts. 10 e 11 da Lei da SAF?
“Art. 10. O clube ou pessoa jurídica original é responsável pelo pagamento das obrigações anteriores à constituição da Sociedade Anônima do Futebol, por meio de receitas próprias e das seguintes receitas que lhe serão transferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, quando constituída exclusivamente:
I – por destinação de 20% (vinte por cento) das receitas correntes mensais auferidas pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme plano aprovado pelos credores, nos termos do inciso I do caput do art. 13 desta Lei;
II – por destinação de 50% (cinquenta por cento) dos dividendos, dos juros sobre o capital próprio ou de outra remuneração recebida desta, na condição de acionista.
Art. 11. Sem prejuízo das disposições relativas à responsabilidade dos dirigentes previstas no art. 18-B da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, os administradores da Sociedade Anônima do Futebol respondem pessoal e solidariamente pelas obrigações relativas aos repasses financeiros definidos no art. 10 desta Lei, assim como respondem, pessoal e solidariamente, o presidente do clube ou os sócios administradores da pessoa jurídica original pelo pagamento aos credores dos valores que forem transferidos pela Sociedade Anônima do Futebol, conforme estabelecido nesta Lei”
A decisão
Na decisão, obtida com exclusividade pelo Lei em Campo, o presidente do TJ-SP citou o art.13, inciso I, da Lei 14.193/2021 como justificativa para acolher o pedido da Portuguesa.
“O pleito encontra respaldo no artigo 13, inciso I, da Lei nº 14.193/2021, a possibilitar ao clube, e não apenas à Sociedade Anônima de Futebol, o pagamento de suas obrigações diretamente aos seus credores ou pelo concurso de credores por meio do Regime Centralizado de Execuções nela previsto”, justificou.
O que diz o art. 13 da Lei da SAF?
“Art. 13. O clube ou pessoa jurídica original poderá efetuar o pagamento das obrigações diretamente aos seus credores, ou a seu exclusivo critério:
I – pelo concurso de credores, por intermédio do Regime Centralizado de Execuções previsto nesta Lei; ou
II – por meio de recuperação judicial ou extrajudicial”
No pedido, a Portuguesa sustentou que “o novo diploma legal possibilita a centralização das execuções trabalhistas e cíveis no que tange a clubes ou associações civis regidas pelo Código Civil, a ser de início concedida pelo presidente do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e pelo presidente do Tribunal de Justiça”.
Além disso, a Lusa também alegou as dificuldades financeiras enfrentadas nos últimos anos, que acabaram sendo agravadas pela pandemia de Covid-19, e citou os precedentes do Vasco, Botafogo e Cruzeiro no ano passado. Esses três clubes conseguiram na Justiça o direito de centralizar as execuções com base na Lei 14.193/21. Na época, nenhum deles ainda havia se transformado em SAF.
A Portuguesa agora terá 60 dias para apresentar o plano de credores com os documentos necessários, conforme determina a legislação. Caso aprovado, o clube terá até seis anos para pagar seus credores por meio de repasse de 20% de sua receita mensal.
Por fim, Theotonio Chermont alerta para um possível cenário futuro diante das recentes decisões semelhantes à essa.
“Estamos assistindo um show de absurdos que lá na frente não vai funcionar. Clubes já falidos e sem SAF não conseguirão pagar o RCE e os credores por sua vez não receberão seus haveres, tal como ocorreu nos diversos e sucessivos atos trabalhistas. E aí chamarão alguém para inventar uma outra lei para consertar o que não deu certo. Tudo isso gera enorme descrença do poder judiciário”, finaliza o advogado.
Crédito imagem: Portuguesa/Cristiano Fukuyama
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