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Fair play financeiro: efetividade e efeitos

Rafael Teixeira Ramos e Ana Cristina Mizutori [1]

 

Esta coluna expôs os aspectos teóricos do fair play financeiro (link https://leiemcampo.com.br/fair-play-financeiro-e-o-novo-normal/). A abordagem de hoje articula a efetividade das medidas instituídas pela UEFA, e o impacto no mercado do futebol europeu.

Desde quando o fair play financeiro foi instituído pela União das Federações Europeias do Futebol, em 2011, alguns clubes já sofreram os impactos das medidas, sendo banidos das competições europeias organizadas pela UEFA, como Liga Europa e Liga dos Campões, em razão do atraso no salário de seus atletas e funcionários, dívidas contraídas por ousadas transações de atletas, inadimplemento fiscal, entre outras negligências e irresponsabilidades na gestão das agremiações, que impactam diretamente no descumprimento das obrigações financeiras.

A estratégia de condicionar o licenciamento dos clubes, colocando à prova a possibilidade de participações em competições organizadas pela entidade que fiscaliza e sanciona, de acordo com os parâmetros impostos pelo fair play financeiro, gerou significativas punições a importantes entidades de prática europeias, em vista de desestimular o desequilíbrio financeiro e negligências de gestão.

Sabe-se que, diante do poderoso mundo do futebol, medidas só são efetivas se impactam em campo. E esse, certamente, compreende o motivo pelo qual o fair play financeiro tem sido tão determinante no êxito momentoso do futebol europeu.

A primeira punição registrada pela UEFA, foi em 2012, em face do clube de Andaluzia, o Málaga, comprado em 2010 pelo sheik Adbullah Al-Thani, membro da família real do Qatar, e, que, além de ultrapassar os limites do break even requeriment, deixou de cumprir obrigações trabalhistas e fiscais, perdendo a licença para se inscreverem nas competições europeias nas temporadas de 2013/14, condenada a pagar uma multa de 300 mil euros, determinando ainda a regularização das dívidas até o fim de março de 2013, sob pena de prorrogação da sanção imposta, arrastando o banimento para as temporadas 2014/15. Contudo, a UEFA revogou a punição em 2013.

 Em 2014, os clubes Besiktas, Bursaspor e Gaziantepspor também foram suspensos das competições da UEFA, por transgressões das obrigações financeiras. O primeiro, por um ano, além de ser apenado em multa de 200 mil euros, ocasionando, inclusive, na queda das ações do clube na Bolsa de Valores de Istambul. A exclusão das agremiações turcas, permitiu o acesso de Karabukspor e Eskisehirspor nas competições europeias.

Já em 2016, outro clube turco, o Galatasaray também perdeu sua licença para participar por um ano das competições organizadas pela UEFA, por violação às regras financeiras, e por descumprirem os termos do acordo firmado com o Grupo de Controle Financeiro dos Clubes.

A inobservância aos critérios do fair play financeiro causou ao F.C. Porto, em 2017, a aplicação de multa em 700 mil euros. A punição se limitou em multa, mas condicionou o clube português ao cumprimento de uma série de medidas operacionais para se alcançar o devido equilíbrio financeiro entre despesas e receitas, de forma a atenuar gradualmente o déficit ao longo dos anos de 2017, 2018 e 2019, para, respectivamente 30M€, 20M€ e 10M€, acordados entre o F.C. Porto e o Comitê de Controle Financeiro de Clubes da UEFA, sob pena de a punição aumentar para multa de 2.2 milhões de euros. Inclusive, em 2015, o Sporting firmou um acordo parecido.

Já em 2018, foi a vez do A.C. Milan amargurar as sanções pela inobservância dos balizadores do fair play financeiro. Além de terem despendido mais de 200M€ em apenas uma janela de transferência, na contramão das receitas auferidas no calendário fiscal anterior, constataram-se negligências financeiras nos períodos fiscalizados de 2015 a 2017. A condução na gestão do clube italiano o fez perder sua licença para competir as competições da UEFA nas temporadas de 2019/20, condenação esta reforçada depois pelo TAS, que também determinou o limite na inscrição de jogadores nas duas temporadas seguintes. O A.C. Milan está sob a mira da UEFA, que já declarou que caso o equilíbrio financeiro necessário não seja alcançado, a pena se estenderá para as temporadas 2022/23 e 2023/24.

De forma ainda mais severa, em 2018, o Panathinaikos, clube da Grécia, perdeu a sua licença para atuar em competições continentais por três temporadas, também por irresponsabilidade na gestão financeira de suas contas.

E o caso mais recente, por fim, envolvendo o Manchester City, em 2020, suscitado por meio do “footbal leaks”, em que constataram que o clube inglês incorreu em graves violações às regras de fair play financeiro, apontando-se que este teria inflacionado a sua receita de patrocínio na contabilidade relativa ao período de 2012 a 2016. Mencionada transgressão ocasionou no banimento do Manchester City na Liga dos Campeões de 2020/21 e 2021/22, além de multa de 30M€. A perda do direito de disputar as competições da UEFA foi reformada no TAS, que também diminuiu a multa para 10M€.

 Antes disso, em 2014, tanto o Manchester City como o PSG, já haviam sido multados em 60M€, além de também terem sofrido a restrição na inscrição de atletas, de 25 para 21 jogadores. Neste tocante, interessante salientar que o regulamento impõe a inscrição de no mínimo oito jogadores formados no país, e quatro formados na categoria de base da própria entidade formadora, de forma que aludida limitação, reduziria consideravelmente a quantidade disponível para contratar atletas estrangeiros (reminiscência das reconhecidas cláusulas de nacionalidade).

Com todas estas sanções noticiadas, depreende-se que a UEFA está de fato tentando impor o adequado e necessário equilíbrio financeiro entre suas associações filiadas. Entretanto, apesar da imposição de duras penas, nota-se ainda algumas lacunas nas medidas estabelecidas, sendo estas preenchidas com manobras como a realizada pelo PSG, que por ter contratado o galáctico Neymar, despendendo pela transação 200M€, deixou de adquirir Kylian Mbappé nesta mesma temporada 2017/18, mas garantindo a transferência do atleta francês através de uma cláusula de opção de contratação para a temporada seguinte, caso o PSG permanecesse na primeira divisão.

Apesar de haver controvérsias sobre a eficácia das medidas do fair play financeiro, percebe-se um impulso gradativo de sua perspectiva positiva e crescente no futebol europeu.

 Talvez equilíbrio financeiro seja um termo que direcione a ideia de que todos devem gastar igual, enquanto na realidade, compreende a obrigação de que todos estejam dentro de um padrão uníssono de possibilidades, sendo o balizador disto o quanto cada clube arrecada e pode expender.

 Em contraponto a um estudo publicado pela Universidade Técnica de Munique, em 2016, que assevera e fundamenta que o fair play financeiro não é, em si, uma medida adequada para solução do desequilíbrio financeiro, acredita-se que, sem ele, a situação seria ainda pior.

 Se, como dito acima, os limites de gastos impostos pelo fair play financeiro têm como base o quanto o clube fatura, axiologicamente, um clube que aufere grandes fortunas, poderá gastar nesta proporção, o que parece justo e lógico.

 O mote desse debate novamente conduz à resposta de que o caminho para sustentabilidade do futebol compreende a boa governança corporativa e implementação de compliance para assegurar uma gestão responsável, eficaz, profissional.

 O fair play financeiro é parte de toda uma estrutura, podendo e devendo se aliar com outros pilares que sustentam o pujante mercado do futebol.

……….

[1] Mestranda em Direito Desportivo na PUC/SP; advogada desportiva no escritório Manssur, Belfiore, Gomes e Hanna Advogados; membro da Comissão Jovem da Academia Nacional de Direito Desportivo; auditora vice-presidente da 1ª Comissão Disciplinar do STJD do Futsal; auditora auxiliar do STJD do Futebol.

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