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Francis Ngannou e o novo contrato com a PFL

Parece que a saga de Francis Ngannou como agente livre chegou ao fim. O ex-campeão dos pesos pesados do UFC assinou com a Professional Fighters League (PFL) um acordo de várias lutas que lhes dá o direito exclusivo de promover suas lutas de MMA.

O acordo promocional faz dele o peso pesado mais bem pago do esporte e ainda lhe daria a opção de participar de qualquer luta de boxe que ele negociasse por conta própria.

Ngannou venceu sua última luta no UFC em janeiro de 2022, defendendo com sucesso seu cinturão contra Ciryl Gane, e os dois lados, atleta e UFC, continuaram a negociar com a esperança de chegar a um novo acordo e a um combate com Jon Jones, que havia subido para o peso pesado após três anos de inatividade e que é um dos maiores lutadores da história do UFC.

Ngannou e o UFC seguiram sem resolver o impasse e, em janeiro de 2023, a empresa liberou Ngannou e o destituiu de seu título, isso após o atleta ficar sem lutar um ano à espera do fim do prazo da “cláusula do campeão[1]”.

Depois de uma série prolongada de negociações de contrato com a maior promoção de MMA do mundo, o camaronês acabou se tornando um dos mais notáveis talentos do MMA a deixar o octógono no auge de sua carreira.

O atleta chegou a negociar com outros eventos, como o Bare Knuckle Fighting Championship (torneio de lutas de mãos nuas[2]) e a promoção de MMA e outras artes marciais One Championship, chegando a pedir um lugar na diretoria do último para ter direito a determinar o salário de seu oponente, entre outras coisas,

Sobre a questão, Chatri, CEO do ONE, disse à época[3]:

“Oferecemos a ele 20 milhões de dólares garantidos, mas o dinheiro não foi suficiente, ele queria todos esses outros termos não financeiros que não faziam muito sentido. Obviamente, não podemos lhe dar um assento na diretoria, isso não faz sentido, ele seria um peixe fora d’água [nessa posição].”

O acordo com a PFL supostamente (já que não divulgado por motivos de confidencialidade) garantiria a Ngannou cerca de 8 dígitos por luta, uma quantia que seria maior do que a oferta final do UFC lhe garantiria para cada defesa de título.

Ao atleta será garantida atuação no Conselho Consultivo Global de Atletas da PFL, além de assumir a função de Presidente da PFL Africa, liderando o desenvolvimento da próxima geração de campeões do continente. A PFL terá seis ligas internacionais regionais em vigor nos próximos dois anos.

O acordo também exige que ele receba uma vantagem em eventos, diferentemente da maioria dos outros contratos de MMA que dão apenas alguns dólares extras por pay-per-view vendido, o de Ngannou exige que ele receba uma grande parte das vendas de pay-per-views, ingressos e patrocínios.

No UFC, lutadores ganham menos de 20% da receita total[4], que inclui vendas de pay-per-view e outras fontes de fluxo de caixa, como vendas de ingressos e patrocínios. Na NFL, onde os atletas se sindicalizaram, por exemplo, os jogadores recebem cerca de 50% da receita da liga.

Os atletas não são sindicalizados em esportes de combate, incluindo artes marciais mistas e boxe. Em 2014 e 2021, um grupo de lutadores entrou com ações judiciais contra a UFC, acusando-o de administrar um monopólio ilegal. O litígio continua[5].

O novo contrato supostamente também garante a Francis uma taxa ou salário anual para atuar como embaixador da marca PFL quando não estiver lutando[6].

Quanto a algumas das outras solicitações de Ngannou, como seguro-saúde e direitos de patrocínio para os lutadores do plantel, não há certeza se estas foram implementadas no momento em relação à PFL, como ele pedira.

Não se espera que o talento da Xtreme Couture participe da atual temporada da PFL ou do torneio de fim de ano. Ao invés disso, ele estará lutando sob a marca PPV Super Fight da PFL.

Com as principais estrelas do peso-pesado no boxe – como Tyson Fury e Anthony Joshua – aparentemente agendadas até o fim do ano – Ngannou poderia optar por esperar até o próximo ano antes de tentar sua sorte no boxe e, em vez disso, fazer uma luta com a PFL antes do final de 2023.

Lutadores como Francis são inteligentes o suficiente para saber que sua estrela é muito mais brilhante do que o UFC permitirá ou promoverá, pois isso daria ao lutador ainda mais poder de influência sobre a empresa.

Embora essa lógica possa ser facilmente aplicada a todos os esportes profissionais em um grau ou outro, o motivo pelo qual isso coloca o UFC em uma situação difícil como estratégia de negócios é que seu crescimento é limitado sem estrelas reais e que, em última análise, as estrelas que se tornam figuras culturais são o que é realmente necessário para que o esporte atinja seu verdadeiro potencial.

Crédito imagem: Getty Images

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Referências

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

[1] A “Cláusula do Campeão” é uma estipulação colocada em contratos que exige que os lutadores que obtiverem ou defenderem um título com sucesso lutem pelo menos três lutas adicionais ou cumpram um tempo sem lutar que poderia chegar a 5 anos. Essa cláusula pretende dar ao UFC alguma segurança contra o fato de um lutador ganhar um cinturão de campeão e depois abandonar rapidamente o título. As cláusulas de campeão objetivam que os lutadores mais vendáveis do UFC, como Ngannou, migrem para outras promoções enquanto ainda estão no auge de suas carreiras. Ngannou conseguiu renegociar seu último contrato, colocando um dispositivo que garantia a ele sair após um ano de sua defesa do cinturão, que no common law é conhecido como “cláusula do pôr-do-sol” (sunset clause).

[2] Aqui não usarei o termo errôneo de “boxe sem luvas”, muito comum na mídia desportiva brasileira, pois o esporte não é considerado boxe, uma vez que o uso de luvas é justamente o que caracteriza hoje a competição de boxe por conta da sujeição desta à Regras do Marquês de Queensberry, que são as regras do boxe moderno. Nos EUA, onde a competição do Bare Knuckle Fighting é legalizada e onde se popularizou, ele não é chamado de “boxe sem luvas” e sim, como a tradução para a língua inglesa do termo indica, de “luta com as mãos nuas”, tornando esta a tradução mais acertada.

[3] ZELEALEM, Fasika. We offered Francis Ngannou $20million guaranteed – but the money wasn‘t enough. Daily Star, 2 maio 2023. Disponível em: https://www.dailystar.co.uk/sport/us-sport/exclusive-ufc-francis-ngannou-offer-29861694. Acesso em: 17 maio 2023.

[4] https://www.ufcclassaction.com/

[5] Atualmente há dois processos antitruste abertos contra a promoção: um que abrange atletas que foram prejudicados pela natureza anticompetitiva do UFC de 2014 a 2017 e outro que abrange atletas prejudicados de 2017 até hoje.

[6] Aqui abre-se um precedente: se um atleta já atua como “embaixador” nos mesmos moldes que Francis, estando, enquanto aguarda luta, a promover o evento, fazer postagens em redes sociais e seguindo com a divulgação da marca da promoção, por qual motivo também não teria direito a um salário, ainda que anual?

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