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O destino de Ngannou: o UFC e a liberdade de atuação do atleta de MMA

Há quase um ano, falamos, ainda na coluna do amigo Rafael Ramos, sobre a questão da polêmica cláusula do campeão e seus efeitos para o relacionamento entre atleta e evento de MMA.

Com a recente – e bombástica – saída do camaronês Francis Ngannou do plantel dos atletas do peso-pesado do UFC, convém retomarmos o tema e analisarmos juridicamente o que levou a promoção a perder o atleta de maior valor da categoria mais glamourosa dos esportes de combate.

A ultima aparição de Ngannou no evento foi no UFC 270, onde ele defenderia seu cinturão de campeão dos pesos-pesados contra o perigoso francês Cyril Gane, seu ex-companheiro de treinos.

Coincidentemente, Ngannou estava em sua última luta do contrato atual com o UFC, e, caso o camaronês defendesse seu título (o que ocorreu), esperava-se que o UFC se utilizasse da cláusula do campeão, uma disposição contratual que lhes permitiria prolongar o contrato de um lutador por três combates ou por um ano se fossem campeões da promoção na expiração do seu atual contrato.

No passado, presumia-se frequentemente que a cláusula do campeão fazia com que o contrato de um lutador fosse efetivamente perpétuo, forçando-os assim a reassinar com o evento, mas Ngannou revelou uma possibilidade alternativa.

Ngannou assinou uma extensão de seu contrato em dezembro de 2017, mas como os contratos do UFC geralmente começam no primeiro combate depois da assinatura do documento, o que para Ngannou ocorreu no UFC 220 (que ocorreu em janeiro de 2018), sua data de término de 5 anos seria 20 de janeiro de 2023.

Outros no passado já colocaram em disputa judicial a questão. Randy Couture, Hall da Fama do UFC, é a mais proeminente dessas figuras e foi à corte na esperança de anular o seu contrato, mas isso nunca aconteceu.

Após vitórias de ambos os lados no tribunal, Couture percebeu que a continuidade do processo demandaria gastos, que para ele já beiravam os 500 mil dólares, e bastante tempo, o que seria demais pra alguém com já 45 anos aguardar para retornar à competitiva cena esportiva do MMA. O ex-campeão peso-pesado do UFC “deu os três tapinhas”.

Ngannou entrou na sua luta UFC 270 com Ciryl Gane em janeiro de 2022 com um joelho lesionado e na luta final do seu contrato, sabendo que se conseguisse uma vitória, teria opções e alavancagem rumo a negociações.

Após vencer Gane numa luta sem brilho, Francis apenas precisava aguardar um ano até que o prazo final de seu contrato expirasse. Foi o que ele fez.

No sábado, 14 de janeiro, foi anunciado que a disputa nas negociações entre o UFC e o seu campeão dos pesos pesados tinha chegado ao fim.

Ngannou recusou a oferta do UFC para uma renovação do contrato e deixou para trás o seu título de pesos pesados pela oportunidade de se tornar indiscutivelmente o maior agente livre em desportos de combate.

Ngannou pode agora assinar com qualquer outra promoção, estando numa sequência de de seis combates sem perder desde julho de 2018.

Ngannou derrubou Stipe Miocic, o peso pesado mais bem sucedido na história do UFC, para se tornar campeão em março de 2021, tendo depois completado a sua primeira defesa do título quando derrotou Gane por decisão unânime no UFC 270.

É difícil identificar exatamente onde a relação de Ngannou com o UFC deu errado. Ngannou é o sonho de uma promoção: um temível artista nocauteador com uma história inspiradora, que saiu da extrema pobreza para chegar ao título.

Sobre as negociações com o UFC, assim Ngannou se posicionou em entrevista[1]:

– Bem, este é o plano (lutar com Jon Jones em março), mas quando você faz um plano, tem que ir passo a passo. Vamos resolver o contrato primeiro. Ainda está pendente (a renovação de contrato com o UFC). Ainda estamos trabalhando nisso. Não finalizamos ainda. Eu sempre quis ficar no UFC. Só quero as coisas do jeito certo. Quero apenas uma melhor estrutura (de contrato) para ter um futuro melhor. Estou empolgado. Estou empolgado para voltar ao octógono, mas em boas condições, com uma boa estrutura. Ele seria uma boa money fight (luta do dinheiro, em inglês). Mas existem muitas money fights. Podem ter muitas money fights – afirmou o camaronês, em entrevista ao Combate.com.

 A marca UFC é maior do que qualquer outro lutador, mas a corajosa atitude de Ngannou deve ser louvada porque, ainda que a promoção preencha rapidamente a lacuna que o atleta deixa e continuará com seus lucros, no fim, cabe ao atleta escolher qual o melhor caminho para sua carreira, sem ser forçado por instrumentos jurídicos unilaterais.

Crédito imagem: Getty Images

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REFERÊNCIAS

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2022.

[1] MARINHO, Raphael. Ngannou aprova Jones como desafiante, mas impõe condição para renovar com UFC. In: COMBATE, Site, 29 nov. 2022. Disponível em: https://ge.globo.com/combate/noticia/2022/11/29/ngannou-aprova-jones-como-desafiante-mas-impoe-condicao-para-renovar-com-ufc.ghtml?utm_source=twitter&utm_medium=share-bar-desktop&utm_campaign=materias

Acesso em 15 jan. 2022.

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