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Gravidez de atletas: o nascimento de novos e necessários direitos no ordenamento desportivo

Por Milton Jordão e Luiza Castilho

O ano esportivo de 2020, amigos e amigas, para o futebol brasileiro, nem bem terminou e já se anuncia um 2021 bastante agitado, sobretudo para os amantes e operadores do Direito Desportivo!

Após um bom tempo sem manter este salutar encontro semanal com vocês, por razões alheias à minha vontade, retorno ao nosso prazeroso ponto de encontro virtual. E, neste ato, conto com a valiosa companhia da jovem e preparada advogada Luiza Castilho.

O tema que trazemos ao debate e à reflexão de todos vocês tem nascedouro em artigo recentemente escrito por minha ilustre convidada e Heloísa Schmidt[1], onde comentam as modificações no Regulamento sobre Status e Transferência de Jogadores da FIFA (sigla em inglês, que adotaremos a seguir, RSTP), incluindo disposições atinentes às atletas grávidas, em comparação à legislação brasileira.

Sem dúvidas, esta novel legislação é um avanço e reconhecimento da importância do papel das mulheres no futebol. Aliás, diríamos que é um resgate histórico do espaço que foi negado no passado[2].

O desafio agora é inserir esta modificação no âmbito jusdesportivo interno.

Embora o Estatuto da CBF prenuncie, em seu art. 12, XIII, o respeito e cumprimento dos estatutos, regulamentos, diretrizes, decisões e demais atos da FIFA, da CONMEBOL e outras entidades internacionais a que esteja filiada, o que se nota, na realidade, é uma espécie de ablepsia quase que intencional no tocante às recomendações para a profissionalização do futebol de mulheres.

Neste sentido, a hierarquia estrutural das entidades do futebol suscita a aplicação dos preceitos concebidos no topo da pirâmide de forma inquestionável, já que as associações membro firmam referido compromisso ao aceitarem fazer parte do sistema.

O art. 3.2 do Estatuto da CONMEBOL também afirma que irá cumprir as obrigações e exercer os direitos dispostos nos estatutos da FIFA. Com relação às atletas mulheres, especificamente, a entidade ajustou o Regulamento de Licenciamento de Clubes no Futebol Feminino, estabelecendo requisitos para que as associações membro possam participar da Copa Libertadores Feminina.

No Brasil, em que pese a CLT fazer o papel de subsidiária na falta de regramentos específicos sobre o Contrato Especial de Trabalho Desportivo na Lei Pelé, nem todas as necessidades das atletas são supridas no que diz respeito a essa excepcionalidade contratual.

E, exatamente, aí surge a oportunidade da normativa jusdesportiva preencher essa lacuna, como, aliás, fez FIFA.

No lançamento do novo RSTP, válido desde o início deste ano, a entidade maior do Futebol trouxe algumas emendas atinentes às atletas mulheres. Preocupações como gravidez e maternidade, que tardaram em ser solucionadas e que, também, acabam gerando inquietações futuras.

No citado artigo publicado na semana passada, tratou-se de realizar um comparativo entre o Regulamento da FIFA e a legislação trabalhista brasileira, mas pensamos que se pode ir ainda mais além.

É bem verdade que a entidade máxima de administração do esporte nacional tem demonstrado o compromisso com o futebol de mulheres através de várias ações atuais e positivas, inclusive trazendo a obrigatoriedade de criação ou manutenção de equipe principal feminina ou acordo com outra entidade de prática desportiva que já a tenha, como condição para a obtenção de licenciamento de clubes que disputem competições masculinas e, também, para beneficiar-se do PROFUT.

A modalidade ainda se encontra em franco desenvolvimento, sobretudo ampliando seu potencial econômico. Contudo, é forçoso reconhecer que algumas questões essenciais devem ser enxergadas, dado que são inexistentes no ordenamento.

A FIFPRO, em sua análise sobre o futebol feminino pós pandemia, provoca a importância de colocar as atletas no cerne do planejamento de reconstrução da modalidade.

É possível conjecturar, então, a incorporação das novas regras apresentadas pela FIFA no RSTP através da elaboração de um regimento, partindo do Regulamento Nacional de Registro e Transferência de Atletas ou, até mesmo, do Regulamento Geral de Competições CBF, preenchendo essa lacuna normativa, de maneira a alcançar as situações concretas da vivência das jogadoras.

Ao observar o calendário da CBF, nota-se que a quantidade de competições no futebol masculino é significativamente maior comparada ao feminino que, em princípio, terá apenas nove durante todo o ano. Cada disputa conta com um regulamento específico do sistema, além de todas se posicionarem sob a égide das regras da IFAB, FIFA, CBJD e ordenamento antidoping.

Neste cenário, se vislumbra uma melhor adequação dos citados regulamentos, especialmente CONMEBOL e FIFA, em conjunto com a legislação nacional, para a formação de um regramento específico para o futebol feminino no Brasil através do RGC. Não há que se falar em alteração das regras do jogo, aumento ou diminuição da trave de gol, tamanho de campo ou peso da bola.

A incorporação destes valores e critérios jurídicos no âmbito interno é fundamental, sendo até uma espécie de reparo justo às mulheres, que, no Brasil, até proibição estatal da prática futebol padeceram.

O que se trata é, puramente, de dar condições para desenvolvimento e profissionalização do esporte, no sentido de oferecer um esteio normativo mais completo que supra as particularidades da modalidade que, hoje, não possui um amparo metodológico assertivo e uno que envolva as características do esporte praticado por mulheres.

No momento pandêmico, a CBF editou a diretriz técnica para o retorno de suas competições, o que se mostrou um tanto eficaz para o ajustamento de tudo o que está envolto pelo contexto pré, durante e pós partida. Logo, por que não voltar os olhos para o futebol feminino com a mesma pressa?

Ainda que os regulamentos vigentes tragam consignada a ideia de que, independentemente do gênero mencionado, as definições abrangem o outro gênero, o conteúdo não se mostra tão igualitário.

Há um aspecto que se deva notar que distancia o futebol praticado por homens e por mulheres: a ausência de obrigatoriedade contrato especial de trabalho desportivo para estas.

Quiçá, com a novel normativa, devidamente incorporada no seio do ordenamento jusdesportivo nacional, além de reparar danos históricos, permitir-se-á um maior impulsionamento e difusão da modalidade.

Não se espera que a FIFA possa normatizar todos os mínimos aspectos das situações de trabalho em cada associação membro, mas a edição de emendas que apresentam alguns elementos essenciais serve como indicativo para que se possa reconhecer as realidades e definir critérios necessários e individualizados. Por isso, a CBF precisa moldar os componentes do todo, adaptando aos casos mais concretos e, sem dúvidas, também, adiantando situações futuras, a fim de evitar qualquer pretexto de desconhecimento sobre essas regras de proteção.

Pensar nas questões de transferência nacionais das jogadoras, de registro dos clubes que têm parceria com outros para cumprirem os requisitos da licença, e da gravidez e maternidade, é responder à realidade atual criando um panorama de valores institucionais que se refletirá nos contratos.

Grandiosa é a vantagem de se compor um regulamento nacional sem que haja a necessidade de se buscar respaldo em regras esparsas e não tão categóricas, e que tenha esse vínculo com o modelo de coordenação nacional do esporte e os contratos especiais de trabalho, fomentando a profissionalização das atletas.

O caminho ainda é longo, porém, é o nascimento de novos direitos e necessários para um maior aperfeiçoamento do ordenamento jusdesportivo nacional do futebol.

……….

[1] Disponível em: < Maternidade no Futebol: um breve comparativo entre o Regulamento da FIFA e a legislação brasileira – Lei em Campo> Acessado em 25 jan 2021.

[2] Escrevi no passado recente sobre esse tema: A difícil arte de ser mulher dentro e foram das quatro linhas (Disponível em: < A difícil arte de ser mulher dentro e fora das quatro linhas de jogo – Lei em Campo> Acessado em 25 jan 2021).

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