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(In) constitucionalidade da criação de ligas por meio de lei ordinária

No dia 13/10/2020 foi apresentado o Projeto de Lei n. 4889/2020[1], de autoria do Deputado Pedro Paulo (DEM/RJ), que altera a Lei Pelé e institui normas gerais sobre o desporto, para dispor sobre a criação da Liga profissional do futebol masculino, bem como sobre a negociação coletiva do direito de transmissão.

Antes de qualquer comentário acerca da referida proposta legislativa é importante ressaltar a atitude pró-ativa do deputado carioca, que não tem economizado esforços com o objetivo de aprimorar e desenvolver o futebol em território brasileiro. Para se chegar a esta constatação, basta analisar os principais projetos de lei que tratam de temas sensíveis, como este que será abordado no presente artigo e o da Sociedade Anônima do Futebol.

O PL 4.889/2020 estabelece que a partir da temporada desportiva de 2022, as séries A e B do campeonato profissional de futebol masculino deverão ser organizadas por Liga Profissional de Futebol, constituída exclusivamente por sociedade empresária, sendo que esta será constituída por clubes que compuseram as séries A e B ao final da temporada anterior.

Outras questões relacionadas a gestão, controle econômico e vedação de participação de dirigentes na Liga também são tratadas no projeto.

Além disso, o projeto altera a Lei Pelé na disposição do art. 42 para determinar que o clube mandante é o detentor do direito de transmissão sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo.

Nada obstante a firme previsão da proposta do novel art. 42 da Lei Pelé, a alteração legislativa traz condicionante no art. 42-A ao determinar que a participação em competição profissional implicará na transferência, pelos seus titulares para a Liga profissional de futebol ou, em sua ausência, para a entidade de administração do desporto organizadora da referida competição, dos poderes exclusivos de negociação coletiva, exploração comercial e distribuição do produto da exploração dos direitos de transmissão definidos no art. 42, ressalvada a garantia de que ao menos 2 jogos por rodada ou fase da competição sejam transmitidos em TV aberta ou streaming gratuito, garantindo o acesso democratizado da população brasileira ao conteúdo esportivo.

A Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD Brasil) realizou webinar no último dia 26.10, no qual tive a oportunidade de participar e que se discutiu o PL 4.889/20 e foram levantadas questões cruciais no tocante a legalidade deste projeto de lei em comento[2].

A primeira crítica que se faz ao PL diz respeito a uma possível violação ao direito de associação que é assegurado no art. 5º, XX da Constituição da República Federativa do Brasil[3].

Com efeito, o direito à livre associação constitui garantia elementar de realização pessoal dos indivíduos na vida em sociedade, sendo que o Estado de Direito jamais poderá impor limites à livre constituição de associações ou obrigar que alguém se associe à entidade.

Neste sentido é firme a previsão constante no art. 5º, XXVII que veda a interferência estatal na criação e no funcionamento das associações, ou seja, exatamente o que ocorre no projeto de lei em debate quando determina a criação de Ligas.

Outrossim, insta salientar que a liberdade de associação está consagrada na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sendo que qualquer restrição ou imposição estatal neste sentido poderia provocar implicações nos tribunais internacionais e gerar sanções no desporto brasileiro.

O art. 1º do PL 4889/20 é expresso ao determinar que a partir da temporada desportiva de 2022, as séries A e B do campeonato de futebol masculino deverão ser organizadas e desenvolvidas por Liga de futebol, o que contraria, frontalmente, o princípio da livre associação sem interferência estatal na criação e no funcionamento das associações.

A intenção manifestada no projeto de lei é benéfica e louvável. Contudo, a iniciativa proposta, logo em seu primeiro artigo, deveria partir do momento desportivo do futebol nacional, mas não pode ser imposto pelo poder do Estado.

Por outro lado, já tivemos a oportunidade de falar nesta coluna, Sem Olé na Lei, acerca da autonomia das entidades desportivas e dos dirigentes desportivos que está escancarada no art. 217 da CRFB.[4]

Naquele artigo tive a oportunidade de lembrar que a criação de uma Liga ocorra mediante a manifestação espontânea de vontade dos clubes, constando dos regulamentos das entidades desportivas, mas tal iniciativa não pode ser forçada por imposição legal. Afinal, como lembra o magistral João Lyra Filho, o desporto deve ser isento de ambições bastardas e livres de tentações vis. Assim, o desporto deverá sobreviver, superior, sobranceiro e soberano – fiel ao seu próprio destino e apenas submisso a si mesmo, isto é, aos preceitos da moral desportiva e às regras do direito desportivo.[5]

Por fim, não custa relembrar, que, no ano de 2019, o STF julgou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5450, ajuizada contra dispositivos do Estatuto do Torcedor que condicionavam a participação de times em campeonatos à comprovação de regularidade fiscal e trabalhista.

De acordo com o voto do Ministro Alexandre de Moraes, os dispositivos suspensos feriram a Constituição Federal ao restringir a autonomia das entidades desportivas.

Portanto, encontra óbice legal a previsão de criação de uma Liga com determinação de que os clubes sejam compelidos a aderir a ela.

…….

[1] Disponível em:  https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2264275 . Acesso realizado em 27.10.2020.

[2] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2ejOnN-zenc . Acesso realizado em 27.10.20.

[3] Art. 5º. XX – ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado.

[4] Disponível em: https://leiemcampo.com.br/a-mp-984-as-emendas-e-a-autonomia-desportiva/. Acesso realizado em 27.10.20

[5] LYRA FILHO, João. Introdução ao Direito Desportivo. 1ª edição. Irmãos Pongetti Editores: Rio de Janeiro, 1952. p. 117

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