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Invasão de campo – e de pista!

O leitor que acompanha futebol, provavelmente, já assistiu a alguma partida em que tenha ocorrido invasão de campo. São diversos os exemplos ao longo dos anos, que vão desde invasões de torcedores no intuito de se aproximar de seus ídolos ou comemorar títulos até episódios lamentáveis que culminam em severa violência (como foi o triste caso do jogo entre Coritiba e Fluminense pela última rodada do Campeonato Brasileiro de 2009).

Fato é que o Código Brasileiro de Justiça Desportiva contém dispositivo relacionado a essa ocorrência: o art. 213. Assim, enquanto o invasor pode sofrer sanções na esfera cível e/ou criminal (evidentemente, a depender dos atos que cometa), o clube mandante, na qualidade de responsável pelo evento, fica sujeito a multa de até R$ 100.000,00; e se a invasão “for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo”, pode ser aplicada ainda a pena de perda do mando de campo de uma a dez partidas, nos termos do §1º.

Duas circunstâncias específicas previstas no próprio art. 213 podem, no entanto, alterar essa regra geral. A primeira, estabelecida no §2º do dispositivo, trata da invasão ocorrida por parte de torcedor do clube adversário ao mandante, e prevê a possibilidade de punição dos dois clubes envolvidos “quando comprovado que também contribuíram para o fato”. A segunda, contida no §3º, exime a responsabilidade do clube mandante em caso de “comprovação da identificação e detenção dos autores da (…) invasão (…), com apresentação à autoridade policial competente e registro de boletim de ocorrência contemporâneo ao evento”.

Cuida-se, assim, de norma do CBJD aplicada com alguma frequência pelos Tribunais de Justiça Desportiva do futebol (inclusive por não se referir apenas à invasão de campo, mas também a desordens e a lançamento de objetos no campo). Mas já pensou se a invasão ocorresse na pista de uma prova de automobilismo?

O leitor que é fã de velocidade sabe que não seria inédito. Quem se lembra da segunda vitória de Ayrton Senna em Interlagos, no longínquo ano de 1993, certamente se recorda da pista sendo invadida por torcedores brasileiros na volta seguinte ao fim da corrida, obrigando o piloto a parar sua McLaren em plena reta oposta e ser “resgatado” pelo safety car. Mesmo no exterior se pode destacar um episódio marcante: na primeira vitória de Rubens Barrichello na Fórmula 1, em 2000, o circuito de Hockenheim teve a pista invadida durante a corrida por um ex-funcionário da Mercedes-Benz, em protesto contra a montadora.

Ainda assim, nesta semana foi notícia uma ocorrência surpreendente – e possivelmente inédita. Uma pessoa invadiu, de carro, a pista de Interlagos durante prova da Mercedes-Benz Challenge. Situação absolutamente inusitada, e que nos leva a refletir sobre pelo menos dois aspectos à luz do direito desportivo.

O primeiro deles diz respeito à aplicação da sanção estabelecida no art. 213 do CBJD: ainda que o dispositivo (assim como boa parte da legislação esportiva brasileira) possa ter sido concebido tendo o futebol como ponto de partida, em tese não há nenhum impedimento à sua aplicabilidade no automobilismo. Para tanto, seria necessário identificar a entidade responsável pela organização do evento (evidentemente, o conceito de “mandante” não se aplica ao automobilismo) e verificar se ela teria deixado de “tomar providências capazes de prevenir e reprimir” a invasão, conforme prescreve o caput do art. 213. Considerando que o regulamento do campeonato indica se tratar de torneio sob supervisão da Federação de Automobilismo de São Paulo (FASP), competiria ao Tribunal de Justiça Desportiva instalado junto a essa federação o exame e o julgamento do caso em primeira instância.

O segundo aspecto que aqui se destaca refere-se à reação da direção de prova ao constatar a presença do veículo estranho na pista: o acionamento do safety car. Já tratamos de safety car e medidas de segurança na Fórmula 1 em texto anterior; mas vale tornar a abordar o tema, desta vez trazendo sob o prisma das normas do automobilismo brasileiro, a partir desse caso concreto.

Tendo em vista que a invasão deu-se em meio à prova da Mercedes-Benz Challenge, deve-se recorrer ao Regulamento Desportivo da competição; e o seu item 3 determina que o campeonato é regido pelo Código Desportivo do Automobilismo editado pela Confederação Brasileira de Automobilismo. Por sua vez, tal Código dispõe em seu art. 98 sobre a utilização de safety car em provas nacionais, sendo o inciso II aquele que expõe em que situações esse mecanismo deve ser acionado: “devido a uma obstrução parcial da pista ou da existência de perigo tal que necessite de resgate, não suficientemente protegido pela bandeira amarela”.

Uma vez que o comportamento do carro invasor era absolutamente imprevisível, parece bastante clara a existência de perigo iminente na invasão da pista, sobretudo considerando que os competidores passaram a poucos metros do veículo. Assim, reputa-se acertada a intervenção do diretor de prova ao acionar o safety car, tendo contribuído para preservar a segurança de todos os envolvidos – da “invasora” aos pilotos.

E que bom que assim tenha sido. Afinal, se houve a invasão de pista, que ela fique marcada apenas como um caso inusitado no automobilismo brasileiro (indicador da necessidade de melhorias no controle de acesso à pista), e não por um acidente grave que dela decorra.

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