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Investidores nas Ligas: o fundo CVC ataca novamente

Os últimos anos do futebol não foram fáceis do ponto de vista das finanças para os clubes. Afetadas frontalmente com a crise econômica oriunda da pandemia, as contas dos clubes europeus fecharam no vermelho e contam com uma recuperação ainda gradual, diante do tamanho do prejuízo. Esse cenário de fragilidade impulsionou o mercado de aquisição dos times, já revestidos com uma estrutura societária favorável e já consolidada ao longo das últimas décadas.

Com efeito, podemos destacar que, considerando o período da pandemia até março desse ano, segundo dados da UEFA, 27 clubes europeus passaram para as mãos de investidores estrangeiros. Dentre eles, foram adquiridos percentuais de 16 somente por investidores americanos.[1] Algumas equipes conhecidas tiveram mudança da sua composição societária, como o Atalanta (pelo grupo americano que controla o Boston Celtics, equipe da NBA), Genoa (fundo 777 Partners, o mesmo grupo envolvido na compra do Vasco da Gama) e o Spezia (MSD Capital, fundo de investimentos de Michael Dell, dono da Dell).

Por conseguinte, o ambiente de necessidade dos clubes, ávidos por novas fontes de receita para sanar os prejuízos, provocou também uma fragilidade no antro das Ligas, modelo de organização responsável por ditar os rumos dos campeonatos nacionais. Nesse sentido, os investidores vislumbraram um novo horizonte de negócios no futebol, aportando experiências obtidas em outros esportes.

Sendo assim, o fundo de investimentos CVC Capital Partners, após uma tentativa frustrada na Itália, conseguiu adentrar o futebol espanhol, a segunda liga mais valorizada do mundo. Esse acordo e seus desdobramentos, no campo jurídico e comercial, já foram analisados por esse autor em outra oportunidade.[2]

Em resumo, após as discussões e a exclusão dos clubes que não concordaram com a avença, ficou definido um aporte de 1,994 bilhão de euros por cerca de 9% dos valores arrecadados pela nova sociedade (LaLiga Impulso) nos próximos 50 anos, que seria criada justamente para gerir, desenvolver e comercializar os direitos audiovisuais.

Contudo, havia algumas exigências sobre como esse capital poderia ser investido pelas equipes: 70% para melhoras na estrutura do clube, principalmente voltadas para a valorização da marca e do produto, 15% para contratação de jogadores e 15% para o pagamento das dívidas.

A expectativa das partes é que essa injeção de capital pudesse ajudar na realização de projetos de crescimento e consolidação em matéria de tecnologia, inovação, internacionalização do produto e os de âmbito desportivo, além de, obviamente, ajudar na recuperação financeira deles no período pós pandemia.

O acordo, sem precedentes no mundo do futebol, prometia ser o primeiro de muitos nesse formato, posto que as dificuldades econômicas eram geralmente similares. Meses após a concretização do negócio na Espanha, a avença foi replicada pela Ligue 1, na França, e deve ser oficialmente aprovada pelos seus membros nos próximos dias. O modelo do investimento é o mesmo, mas as cifras são distintas, tendo em vista que a liga francesa é somente a quinta de maior valor na Europa.

Dessa vez, o CVC aportaria 1,5 bilhão de euros[3] por 13% das receitas obtidas pela nova sociedade, constituída também para a gestão, desenvolvimento e a comercialização dos direitos audiovisuais. Dentro dessa quantia, 100 milhões seriam destinados para a criação de um fundo de reserva para auxiliar os clubes em casos emergenciais, como foi a pandemia.

Ademais, outros 100 milhões seriam utilizados para financiar as operações da nova sociedade e outros 170 milhões para pagar o socorro fornecido pelo o Estado. A propósito, essa garantia fornecida pelo ente público salvou diversas equipes de uma quebra iminente, uma vez que a Mediapro, empresa que detinha os direitos de transmissão, deixou de abonar as quantias estipuladas em virtude dos efeitos da pandemia e rompeu o contrato, pagando posteriormente uma indenização.[4]

Por último, o 1,13 bilhão restante despertou alguns debates internos na França, como a possibilidade de o PSG assegurar 30% por cento desse valor, o que configuraria uma diferença de 13 vezes para os times que menos receberiam. No final das tratativas, fixou-se que o clube parisiense obterá o maior valor (17%), o equivalente a aproximadamente 200 milhões a prazo, mas, ao mesmo tempo, ele permitiu que os clubes menores recebessem, de imediato, a totalidade da importância.

Em seguida, vêm o Lyon e o Olympique de Marselha com 90 milhões cada, Lille, Rennes, Nice e Mônaco com 80 milhões cada e o restante com 33 milhões, diferença de quase 6 vezes entre o primeiro e o último, muito menor daquela inicialmente prevista.[5] Os critérios para os gastos são semelhantes aos já pactuados em Laliga.

No entanto, essa diferença pode se ver aumentada, por meio de uma cláusula favorável aos times grandes, se o retorno obtido pela venda dos direitos de transmissão a partir de 2024, quando expira o atual contrato, passe dos 700 milhões de euros anuais. Atualmente, a Ligue 1 arrecada 663 milhões por temporada com a empresa BeIn Sports, que subcontratou o Canal+ e a Amazon.

Recordem-se que a Liga Francesa sofreu um impacto internacional muito favorável com a chegada de um dos maiores jogadores de todos os tempos, Lionel Messi. Dessa forma, inegavelmente, o valor do campeonato subiu, as audiências pelo planeta aumentaram, o número de seguidores e visualizações nas redes sociais decolou, os contratos internacionais de retransmissão do campeonato cresceram consideravelmente, chegando a mais de 200 países ao redor do mundo.[6]

Nesse momento, o grande desafio da Liga Francesa é monetizar a chegada dessa estrela e expandir a marca internacionalmente. Para isso, desde o final do ano de 2020, colocaram em marcha o plano “Ligue 1 Touch”[7] que visa gerar mais receitas e interesse do público, de patrocinadores e de potenciais investidores sobre a liga em outros continentes.

Basicamente, essa estratégia se concentra no marketing, na sua essência mais pura, para ativação pontual da marca em mercados muito interessantes, como o americano, o africano, do Oriente Médio, o Chinês, inclusive com a participação de estrelas locais durante a transmissão e a realização de partidas fora da França, como já ocorre nas finais da Supercopa. A ideia é aproveitar o momento e trazer a Liga também para a América do Sul, explorando o mercado argentino.[8]

Aproveitar o bom momento, traduzindo em ganhos e novas receitas para todos os clubes, de modo permanente, é um dos desafios da Liga Francesa, muito conhecida por revelar ótimos jogadores para o resto da Europa, devido a uma escola de categoria de base bem solidificada. Curiosamente, a supremacia econômica do PSG não se traduz em número absolutos, pois na última década foram 4 campeões diferentes na Liga Francesa, número maior do que o de outras ligas, como a Espanhola, a Italiana e a Alemã.

Um dos grandes problemas da Liga Francesa, além do desequilíbrio econômico entre as equipes, é a violência dentro e fora dos estádios. Recentemente, é bem comum assistir eventos deploráveis, que se espalham facilmente ao redor do planeta, como a invasão de torcedores ao terreno de jogo, conflitos entre torcedores rivais, arremesso de objetos, interrupção de partidas e agressões sofridas pelos profissionais dentro de campo, que resultam em punições que se mostram insuficientes pela Federação Francesa aos envolvidos.

Esse tema extrapola o futebol e se torna também em uma preocupação para a sociedade e para o governo francês, que ainda não encontrou respostas para a crescente onda de violência.[9] Se cogitou inclusive a exclusão dos ultras, parte da torcida mais radical, do terreno de jogo, o que ainda não se concretizou. A falta de segurança e as cenas circuladas nos veículos de comunicação são capazes de afastar o público, macular a imagem de patrocinadores, investidores e do próprio campeonato. Consequentemente, produz efeitos contra a pretensão e a necessidade de crescimento das receitas e internacionalização eficiente da marca.

Posto isso, partimos para o cenário nacional, já que o plano adotado nas principais ligas europeias parece ter chegado na mesa dos brasileiros. Nessa esteira, algumas propostas de investidores estrangeiros, com o formato parecido ao da CVC, são recorrentemente assuntos na imprensa. Aliás, um aporte de capital inicial seria muito válido para alguns clubes do futebol, que vivem em dificuldade financeira.

Ocorre que, entretanto, a proposta esbarra em uma falta de unidade na modalidade. O movimento da Liga ainda não foi efetivamente criado, discutido e pacificado, muito embora seja uma necessidade inafastável para o futuro do esporte. Não há, até o momento, segurança jurídica para os investidores tanto do ponto de vista da unificação do movimento, quanto do ambiente propício para o crescimento responsável e saudável.

Afinal, quanto vale o nosso produto? Quanto valeria uma Liga no Brasil? Como se calcularia a quantidade obtida com recursos oriundos de uma negociação coletiva e divisão equilibrada dos direitos de transmissão, que nós ainda não temos? Não podemos olvidar que o ambiente de gestão profissional no Brasil ainda é uma incógnita. Espera-se que a Lei 14.193/2021[10], a Lei das Sociedades Anônimas do Futebol, possa ser um bom começo.

Nesse contexto, com o aumento dos investimentos nos clubes corroborado pelo advento da lei, cria-se um campeonato mais disputado e com nível técnico mais elevado. Além disso, faz-se necessário a implementação de outros mecanismos para a valorização e êxito de uma Liga, que já foram explanados em uma série na seção Janela Jurídica[11], como, por exemplo, o controle econômico, internacionalização da marca e os incentivos fiscais. Todos eles ainda não estão presentes no cenário tupiniquim e já constam há muito tempo no mercado internacional.

A Liga brasileira pode crescer muito mais e não possui um tamanho mensurável, tendo em vista o potencial econômico e a quantidade de consumidores disponíveis no mercado nacional e internacional interessados em ver um campeonato forte. Uma inversão inicial, comprometendo receitas futuras em contrapartida, que podem ser muito maiores das esperadas atualmente, pode ser prejudicial para as entidades de desporto e muito favorável aos investidores. Os investimentos em outras ligas foram realizados com a estrutura bem consolidada, aqui, infelizmente, ainda engatinhamos.

Conforme o exposto, conclui-se que esse tipo de investimento nas Ligas de futebol deve continuar ocorrendo ao redor do mundo. Sem embargo, a conjuntura atual no Brasil não nos permite afirmar que esse acordo seria benéfico ao longo prazo, em razão da falta de parâmetros, da margem de crescimento altíssima das receitas e da ausência de organização e de métodos que criem um cenário responsável, profissional e seguro para todos.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Com pandemia, americanos avançam na compra de clubes europeus | OneFootball – última consulta: 29.03.2022

[2] Acordo Laliga – CVC: solução ou sacrifício? – Lei em Campo – última consulta: 29.03.2022

[3] El PSG se queda con el 17 % del aporte del fondo CVC a la Ligue 1 (mundodeportivo.com) – última consulta: 29.03.2022

[4] Lío total en Francia: Ruptura entre Mediapro y la Ligue 1 (sport.es) – última consulta: 29.03.2022

[5] El PSG se queda con el 17 % del aporte del fondo CVC a la Ligue 1 (mundodeportivo.com) – última consulta: 29.03.2022

[6] Ligue 1: La Ligue 1 se frota las manos: con Messi, nuevos contratos internacionales, aumento del 75% de audiencia… | Marca – última consulta: 30.03.2022

[7] Ligue 1 lança projeto para promover futebol francês globalmente – MKT Esportivo – última consulta: 30.03.2022

[8] La estrategia de la Ligue 1 para aprovechar el fenómeno Messi (ole.com.ar) – última consulta: 30.03.2022

[9] Ligue 1: Radiografía de la violencia en los estadios de Francia: “Hemos superado el punto de no retorno” | Ligue 1 (elmundo.es) – última consulta: 30.03.2022

[10] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14193.htm – última consulta: 30.03.2022

[11] Arquivos Janela jurídica – Lei em Campo – última consulta: 30.03.2022

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