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Suicídio de atacante traz debate sobre pressão emocional e redes sociais

A recente morte do atacante Morro García, do Godoy Cruz, continua trazendo reflexões para o futebol. Uma das discussões abertas é a pressão que os atletas desse esporte vivem. Um grupo de jogadores do futebol uruguaio fizeram um vídeo pedindo menos pressão aos jogadores. Para eles, os insultos após as derrotas devem ser minimizados para evitar situações parecidas com a do atacante de 30 anos, que segundo pessoas próximas, vivia com depressão.

O vídeo começa com uma série de perguntas para quem está o assistindo: “Antes de começar a assistir a este vídeo, quero que responda a estas perguntas. Você faz tudo certo? Você sempre consegue os resultados que deseja? Você sempre ganha? Todos os seus dias são bons? Nós somos jogadores, mas antes de sermos jogadores de futebol somos pessoas, como você, como seus irmãos, como sua mãe ou seu pai. E cada mensagem que você deixa do anonimato me machuca, machuca nossas famílias e afeta a todos nós”.

Depois dos questionamentos, os jogadores pedem: “Porque, como você, eu sou uma pessoa. Somos humanos, temos sentimentos. Portanto, desta vez, pedimos que antes de nos insultar, assediar ou discriminar porque tivemos um dia ruim, pare um minuto para refletir. Você está sofrendo, você está machucando a nós e aos nossos. Vamos cuidar uns dos outros. Vamos ser responsáveis”.

Morro García fazia tratamento psicológico e enfrentava uma severa depressão. O jogador foi diagnosticado com a Covid-19 no dia 22 de janeiro, ficando isolado de seus familiares e amigos próximos. Em um dos seus últimos posts nas redes sociais, no dia 21 de janeiro, o uruguaio deixou uma mensagem de consciência tranquila em relação a sua vida.

A alta exposição à qual os jogadores de futebol têm sido submetidos está trazendo um efeito colateral preocupante para os atletas. A pressão pelo máximo desempenho, as frustações, a cobrança da torcida. Tudo isso somado pode desencadear um quadro clínico complexo e levar o jogador a ter a sua saúde mental afetada.

“No futebol, assim como em alguns outros esportes, há uma idealização dos atletas por parte da torcida, como se eles tivessem que ser heróis. Não há uma clareza, para muitos torcedores, que antes de ser atleta o jogador do time deles é um ser humano. Esses atletas precisam de acompanhamento psicológico- treinamento mental- pois estão sob forte pressão em muitos momentos. Eles também precisam se ver como seres humanos que acertam e erram, e não podem permitir que a empolgação ou a vaia dos torcedores definam a visão que eles têm de sí mesmo, pois na quarta feira eles podem ser incríveis na visão da torcida, mas no domingo eles podem falhar e serem vistos como canalhas”, avalia Daniel Mello, psicólogo esportivo.

Os sintomas de depressão e de ansiedade são mais frequentes do que se imagina entre jogadores e ex-jogadores de futebol. A FIFPro (sindicato internacional dos atletas), frequentemente divulga estudos envolvendo a saúde dos atletas profissionais. A depressão lidera a lista das doenças que mais atinge esse esporte.

Para Daniel Mello, a pressão é totalmente prejudicial para a saúde mental do atleta.

“A pressão, em qualquer ambiente profissional pode ser danosa, porém dificilmente o atleta ou eu e você temos controle sobre essa pressão. O que podemos fazer é lidar com pressões, injustiças, críticas, ressignificando internamente e respondendo a isso da melhor maneira possível. O problema é que muitas vezes vemos pressões absurdas no futebol, e isso possivelmente tem consequências na saúde mental do atleta, e em toda a sua vida”, ressaltou o psicólogo.

O último levantamento da FIFPro, realizado em 2015, apontou que 38% dos 607 jogadores em atividade e 25% entre os 219 ex-jogadores disseram ter sofrido de depressão ou ansiedade. Os números confirmam a gravidade do problema e um aumento generalizado, uma vez que no estudo anterior 26% relataram ter sofrido da doença.

Daniel Mello garante que a presença de psicólogos no futebol é indispensável.

“É necessário que os clubes tenham departamentos psicológicos sólidos, com psicólogos do esporte capacitados para dar suporte a essas demandas específicas, e que também possam identificar e encaminhar para tratamento um atleta que esteja com depressão ou qualquer outra psicopatologia”.

Uma das ferramentas utilizadas para impulsionar a pressão aos atletas são as redes sociais. Torcedores encontraram nelas um caminho prático para se comunicar diretamente com os jogadores, não medindo esforços para pressionar, xingar e até incentivar quando julgarem necessário.

Na Inglaterra, o problema é ainda mais grave. Esses meios de comunicação estão sendo usados para praticar crimes, como atos discriminatórios, principalmente o racismo. Somente nos últimos 15 dias, quatro jogadores do Manchester United foram alvos de insultos raciais.

Em Portugal nem os árbitros escaparam. Após uma expulsão polêmica na partida entre Braga e Porto, um dos juízes mais conhecidos do futebol português, Luis Godinho, recebeu ameaças de morte e teve que deixar o estádio escoltado pela polícia.

“Infelizmente os torcedores, não satisfeitos com as cobranças por resultados esportivos, tem se sentido no direito de extrapolar todos os limites de humanidade, bom senso, cidadania e respeito e acabam ofendendo, agredindo, ameaçando ou injuriando os atletas de futebol. Já ultrapassamos, a bastante tempo, o limite da tolerância. Criminosos, travestidos de torcedores, tem causado danos aos seus clubes, estádios, atletas e a sociedade como um todo”, afirma Nilo Patussi, advogado especialista em Compliance.

Após a onda de ataques, a Football Association (federação inglesa) exigiu ao governo do Reino Unido, mudanças na legislação para punir severamente as pessoas que praticarem atos dessa natureza. As empresas responsáveis pelas redes sociais também foram cobradas e prometeram mudanças em suas regras.

“Medidas que visam coibir alguns exageros já são previstas na legislação esportiva, mas o assédio, especialmente pelas redes sociais, tem feito com que não só os atletas passem por situações de ameaças ou violências, mas também precisam se preocupar, além de si mesmos, com seus filhos, esposas e família. Precisamos, através de parcerias entre clubes, entidades organizadoras, polícia e administração pública, passar a responsabilizar criminosos por seus atos, não os tratando como torcedores, mas como quem cometeu um crime. Essa organização é fundamental para que, ao longo do tempo, àqueles mal-intencionados pensem bem se devem ou não atacar alguém”, ressalta Nilo Patussi.

“Lamentavelmente muitos atletas não procuram ajuda ou não reconhecem que precisam de socorro, razão pela qual não são raros os casos extremos que envolvem a doença em análise. O mais importante é a quebra desse preconceito e tabu que ainda pairam sobre as doenças do cérebro e que podem ter um desfecho trágico”, finaliza Maurício Corrêa da Veiga, advogado especialista em direito desportivo, ao falar sobre o tema em sua coluna no Lei em Campo.

Crédito imagem: Getty Images

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