Em decisão proferida na última terça-feira (22), a desembargadora relatora, Carina Rodrigues Bicalho, da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, condenou o Botafogo a pagar R$ 80 mil ao ex-volante Dierson Kuhn pela falta de pagamento de direitos de arena de 2016 e adicional noturno por jogos realizados após às 18h.
Decisões favoráveis aos jogadores em casos envolvendo pedido de adicional noturno são vistas com bastante polêmica no mundo jurídico, uma vez que há divergências de entendimento sobre o tema.
“A Lei Pelé não detalha como se dá o trabalho noturno dos atletas profissionais, aquele que ocorre entre às 22h de um dia e às 5h do dia seguinte. Porém, a própria Lei Pelé estabelece no art. 28, §4º, a aplicação subsidiária da CLT para os temas que não tenham previsão específica. Com efeito, nas querelas trabalhistas desportivas que se pede adicional noturno e se consegue prová-lo minimamente em instrução processual, a interpretação mais lógica é o Magistrado Laboral decidir pela aplicação do adicional noturno da CLT ao atleta litigante”, afirma Rafael Teixeira, advogado especializado em direito desportivo e autor do livro ‘Curso de Direito do Trabalho Desportivo’.
O advogado Maurício Corrêa da Veiga ressalta que “a atividade do atleta profissional é diferenciada em virtude de sua própria natureza, razão pela qual as previsões constitucionais são observadas com cautela. Caso contrário, atletas profissionais de 16 e 17 anos estariam proibidos de jogar após às 22h., o que poderia significar a sentença de morte da carreira do jogador”.
“O clube empregador jamais vai querer o seu jogador participe de jogos ou treinos que invadam a madrugada, pois aumentaria o risco de graves lesões em razão da fadiga e de grandes esforços. Em determinadas situações a participação em jogos após às 22 horas decorre de exigência das empresas que transmitem o espetáculo, não cabendo ao empregador alterar esta programação. Me filio à corrente do Ministro Ildélio Martins, do Tribunal Superior do Trabalho, que proferiu a seguinte decisão: ‘As condições peculiares do contrato do atleta profissional de futebol não toleram incursão no adicional noturno, em louvor dos critérios universalmente consagrados na exibição profissional do atleta. Esse tipo de prestação noturna participa visceralmente do contrato e se há de tê-la como abrangida na remuneração estipulada’”, completa o advogado especializado em direito desportivo.
“O direito à hora noturna reduzida, portanto, está previsto em norma constitucional e infraconstitucional com caráter cogente pois de ordem pública, razão pela qual, não havendo norma expressa em sentido contrário na lei específica, não se vislumbra justifica para afastar a incidência dos citados dispositivos. Assim, o trabalhador tem direito à redução da hora noturna, a qual, quando extrapolada, impõe ao pagamento de horas extras (…) Ante o exposto, dou provimento ao recurso para condenar o réu (Botafogo), na forma do pedido ao pagamento de adicional noturno de 20% e jornada reduzida de 52 minutos e 30 segundos”, decidiu a magistrada na ação obtida pelo Lei em Campo.
Vale lembrar que no ano passado, o São Paulo foi condenado, em 2ª instância, a pagar valores referentes ao adicional noturno para o volante Maicon, hoje do Grêmio.
A previsão do adicional noturno está na CLT, enquanto a Lei Geral do Desporto não prevê esse pagamento. Caso no futuro se entenda em definitivo pelo pagamento do adicional noturno, a hora trabalhada das 22h às 5h será calculada com acréscimo de 20%. Sobre o descanso remunerado, ele pode ser dado em outro dia, como já ocorre.
Rafael Teixeira explica as divergências de entendimento sobre o adicional noturno no meio jurídico.
“Parcela da doutrina especializada defende a aplicação direta do adicional noturno ao jogador de futebol profissional por ser decorrência lógica da aplicação subsidiária relatada acima. Outra vertente doutrinária, entende que a aplicação subsidiária aos atletas profissionais não é possível por falta de compatibilidade com as especificidades do trabalho desportivo, embora haja a previsão do texto legal subsidiário. Terceira corrente apresentada em meu livro é que, via de regra, a aplicação subsidiária do art.73 da CLT (adicional noturno) não é possível no labor desportivo por uma questão axiológica (especificidade) da atividade desportiva: os pretensos empregados atletas que teriam direito a este adicional jogam no período noturno por obrigação de transmissão da mídia e além de receberem o Direito de Arena, são hipersuficientes, já que geralmente são jogadores de séries A e B”, detalha o advogado.
“Entretanto, para os atletas hipossuficientes que sejam submetidos a jogarem depois ou passando das 22h, sem nenhum motivo de direitos de transmissão ou porque os empregadores desportivos os demandam treinar passando das 22h, o raciocínio volta a ser o lógico da aplicação subsidiária, ou sejam, passa a haver o direito ao adicional noturno porque nestes casos não há a motivação jurídico-sociológica para a exclusão do adicional noturno por via da aplicação subsidiária (Art. 73 da CLT)”, complementa Rafael.
O Lei em Campo já explicou o imbróglio envolvendo o adicional noturno para jogadores de futebol.
A condenação aumenta ainda mais a dívida do Botafogo com seus credores. A diretoria do clube carioca busca retornar ao Ato Trabalhista para evitar o risco de sofrer novas penhoras.
Revelado pelo Botafogo, Dierson fez 18 jogos com a equipe profissional do clube e marcou apenas um gol. Desde 2019, quando defendeu o Volta Redonda, está sem equipe.
Crédito imagem: Vitor Silva/SSPress/Botafogo
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