Pesquisar
Close this search box.

Liga parte 3: Internacionalização, a mudança de patamar

Nas últimas semanas, cresceram os rumores sobre a criação de uma Liga no Brasil. A questão ainda se encontra em um estágio embrionário, onde ainda se discute os moldes e a possibilidade de um aporte de capital por um fundo de investimento estrangeiro. Apesar disso, já surgem alguns grupos divergentes, dispostos a fazer prevalecer o seu posicionamento em uma futura organização, o que demonstra, por si só, a dificuldade e a complexidade de se alterar o sistema vigente no país.[1]

Nesse sentido, tratando-se de algo de interesse notório de todos os amantes do esporte, pois poderá mudar o rumo da modalidade nos próximos anos, comecei a escrever uma série de artigos sobre esse formato de organização, trazendo a experiência das principais ligas europeias ao longo das últimas décadas.

Na primeira parte, discorri sobre o controle econômico exercido pela Liga Espanhola, que é referência mundial, e o quanto ele representou para a construção de um ambiente mais saudável e justo economicamente. Alguns dos principais objetivos eram: não premiar o “calote”, evitar o doping financeiro e diminuir as dívidas dos clubes. Isso tudo, fez com que o negócio fosse mais seguro e atrativo para diversos players, entre eles, os investidores, patrocinadores e os veículos de comunicação.[2]

Em seguida, no segundo capítulo, defendi a imprescindibilidade de uma negociação centralizada e uma distribuição mais igualitária dos recursos oriundos dos direitos audiovisuais para o êxito dessa instituição, contando como se deu a evolução das três principais ligas europeias[3].

Consequentemente, com um campeonato mais equilibrado e com os clubes mais fortes financeiramente para poder investir, aumenta-se a qualidade do espetáculo, o interesse do público em assistir os jogos, a arrecadação, o valor de cada partida e, obviamente, o desejo de quem está de fora em participar economicamente.

Em um determinado momento, o negócio extrapola os limites da fronteira do país onde a Liga se instaurou e, devido ao seu sucesso, desperta a atenção não somente do público estrangeiro, como também dos patrocinadores e empresas de telecomunicação quando percebem a rentabilidade do produto. Contudo, nada vem por acaso e é fundamental estabelecer uma estrutura favorável para a expansão e a internacionalização da marca.

Nesse contexto, a terceira parte dessa série será dedicada a apresentar como Laliga se preparou para competir com outras ligas no cenário internacional e como, mesmo vinda de um país com uma população menor que os demais concorrentes europeus, logrou alcançar um papel de protagonista tanto em direitos de transmissão, bem como em arrecadação com patrocínio.

Primeiramente, ressalte-se, novamente, que a internacionalização eficaz veio somente após consideráveis mudanças internas, que trouxeram credibilidade para o mercado, conforme já exposto. Antes de iniciar o projeto de expansão no final de 2016, as medidas de controle econômico, a negociação centralizada e a distribuição equilibrada já haviam sido implementadas.

Da mesma forma, não podemos olvidar que o campeonato, naquele momento, contava com algumas das principais estrelas do futebol mundial, como Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar, figuras emblemáticas para geração de conteúdo e audiência. Portanto, era um produto muito desejado por todos.

O projeto inovador, denominado LaLiga Global Network[4], consistia em espalhar filiais e células de Laliga ao redor do mundo, que funcionariam como uma autêntica rede de conexão. Entretanto, para que tudo saísse conforme o almejado, era primordial a existência de profissionais aptos e com o conhecimento necessário para exercer cargos dessa estirpe.

Para tanto, os espanhóis apostaram na formação de jovens. O processo teve uma seleção rígida e, após um treinamento de 10 semanas com os melhores profissionais do mercado, levou ao recrutamento de 60 novos funcionários especializados para o desenvolvimento do programa mundial.

Os principais objetivos eram: estar em contato com os titulares dos direitos audiovisuais nos países de destino, mas também manter relações com o restante dos operadores que não tivessem esses direitos, para que a competição tivesse um espaço destacado na grade, promovendo, assim, a visibilidade do futebol espanhol em todos os meios de comunicação, inclusive nas redes sociais.

Por fim, era muito importante manter uma boa relação com as ligas e federações locais e buscar patrocinadores nas respectivas regiões, que pudessem ajudar no crescimento econômico de LaLiga. Ocupar o lugar como a segunda Liga favorita de cada espectador, atrás somente da do país nativo, era uma obsessão.

Sob este viés, para um melhor aproveitamento dos interessados em participar de Laliga, foi feita uma divisão de patrocinadores, que possuía vários níveis[5]: i) patrocinador principal, que tem seu nome atrelado diretamente à Liga (title sponsor), que atualmente é o Santander para a primeira divisão e para segunda é o SmartBank, ii) patrocinadores globais, que atualmente são 9[6] e antes eram 3 em 2018, entre elas Microsoft, Puma e Budweiser, iii) patrocinadores nacionais, que hoje em dia são 7, e iv) patrocinadores regionais, que mudam de acordo com cada região em que Laliga está presente, chegando ao total de 20 até o momento.

Uma das estratégias da Liga Espanhola para valorizar o parceiro regional é a emissão de sinal, personalizando a publicidade que é oferecida ao redor do campo de jogo de acordo com cada região. Nesse sentido, ela emite cinco sinais diferentes (Europa, América Latina, EUA, Oriente Médio e China), adaptando a publicidade aos parceiros regionais em cada zona do mundo, proporcionando, assim, valor agregado a estes patrocinadores e estimulando para que mais empresas venham fazer parte da organização.

Nessa esteira, não é somente Laliga que sai ganhando com isso. Os clubes se aproveitaram da internacionalização do campeonato para adquirir patrocínios de marcas estrangeiras, aumentando suas receitas. Um estudo recente aponta que quase 48% dos patrocinadores das entidades participantes da primeira divisão, durante temporada de 2021/22, são internacionais, totalizando 103 marcas.

Os efeitos foram rapidamente sentidos e após 5 anos do início do projeto[7], Laliga já está presente em 41 países, com 11 escritórios internacionais, além de possuir uma Joint Venture nos Estados Unidos e outra na China. Adaptabilidade e aproximação com cada destino, com cada público e cada cultura parecem ser os diferenciais da competição, o que traduz perfeitamente o sucesso de Laliga. Ela publica conteúdo em 20 idiomas diferentes, em 17 redes sociais, facilitando o acesso e a interação dos espectadores.

O resultado disso é que a liga espanhola é a competição nacional mais seguida em todas as redes sociais, com mais de 146 milhões de seguidores. Paralelamente, a ascensão da liga segue em outros aspectos, alavancadas por um marketing muito eficiente. As ativações internacionais dobraram nos dois últimos anos, chegando a 1.222 em mais de 90 países, o que acaba fidelizando os consumidores, que têm uma experiência positiva do produto, e, automaticamente, agrada os atuais parceiros e potencializa a atração de outros.

Do mesmo modo, com a constante evolução da tecnologia, é fundamental continuar proporcionando um produto de excelência e investindo na qualidade das transmissões, o que melhora a experiência e a participação do espectador. Sendo assim, Laliga gasta anualmente valores altos com drones, skycams, câmeras de alta resolução, vídeos volumétricos, que aprimoram os replays em 360º, gráficos 3D, fornecimento de estatísticas em tempo real, evitando-se, assim, a estagnação.

Por conseguinte, com o investimento em tecnologia de ponta e aproximação do público com o espetáculo, os resultados são bastante expressivos. O próspero interesse pelo futebol espanhol conduziu a um aumento de 30% na audiência global das transmissões dos jogos da LaLiga, desde a temporada 2015/16. O que, por seu turno, significou um crescimento de 247% no valor dos direitos audiovisuais internacionais desde 2013/14, e uma ampliação do valor da marca LaLiga, quintuplicando o número de patrocinadores nos últimos oito anos.

Recentemente, em números divulgados pela KPMG[8] Football Benchmark, Laliga demonstra o seu potencial e o trabalho de internacionalização desenvolvido ao longo dos anos. A entidade fatura aproximadamente 1,5 bilhões de euros por temporada com direitos de transmissão internacionais, entre 2019/22. Atualmente, os recursos advindos do exterior (patrocinadores e direito audiovisual) são superiores aos adquiridos internamente.

A título de ilustração, trazendo para a realidade brasileira, em 2020[9], os 40 clubes participantes das Séries A e B assinaram um acordo com a empresa estrangeira GSRM (Global Rights Management) para a venda internacional dos direitos de transmissão. Os valores a serem recebidos foram muito baixos, em torno de 40 milhões de dólares, somando-se possíveis variáveis, por 3 anos, até o final de 2023. O produto brasileiro tem encontrado muita dificuldade de penetração nos grandes centros.

Não obstante estar no topo futebolístico mundial, a Liga Espanhola ainda não se satisfaz. Sabendo da constante necessidade e das dificuldades para expandir, é impositivo buscar fontes de receitas alternativas, estando atento às inovações trazidas pelo mercado digital e suas novas oportunidades. Diante disso, Laliga já possui parceiros para desenvolver e aumentar a arrecadação com Fan Tokens, NFTs e Fantasy Game, por exemplo.

Outrossim, com o escopo de compartilhar seu conhecimento para ajudar o futebol local a crescer, mantendo as boas relações, LaLiga assinou 37 acordos com ligas, federações e instituições em mais de 28 países do mundo. Ademais, firmou outros 24 acordos educacionais com parceiros internacionais, em 24 países, envolvendo LaLiga Business School, responsável por ministrar alguns dos mais conceituados cursos relacionados ao futebol, nas mais diversas áreas, como Direito Desportivo, Marketing e Gestão.

Uma vez explicado o modus operandi de LaLiga, a globalização da entidade, conforme já explicada no artigo anterior, tem um possível novo alvo: a Liga brasileira. Entretanto, ainda se sabe pouco sobre a parceria e o investimento que seria realizado nesse modelo de organização, ainda incipiente em solo brasileiro.

Decerto, o desenvolvimento da Liga Espanhola ao longo dos anos deve ser exaltado e, se possível, replicado por nós aqui no Brasil, resguardando, é claro, as particularidades e a nuances da nossa cultura e do nosso futebol. O potencial humano de mercado, a qualidade dos jogadores, a tradição e liderança em fornecer futebolistas para todas as partes do mundo, nos fazem ser objeto de desejo de muitos investidores e parceiros.

Por outro lado, temos alguns pontos negativos como a diferença cambial devido a desvalorização da nossa moeda, a concorrência de outras ligas e de outros meios de entretenimento, que crescem de maneira muito rápida, como os esports, além da dificuldade de exportar algumas partidas em razão do fuso horário para os principais centros de consumo. Tudo isso, pode ser um empecilho para a expansão.

Diante do exposto, devemos criar alternativas para tornar o produto do futebol brasileiro atrativo, em uma maneira geral. A mudança deve ocorrer de forma endógena, de dentro para fora. Enquanto não forem feitas as modificações necessárias, como a introdução de gestões profissionais, um controle financeiro eficiente, uma centralização nas negociações e divisão mais igualitária dos recursos, não conseguiremos ter um produto atraente e viável a longo prazo. O futuro começa agora!

Crédito imagem: Flamengo

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1] Entenda por que clubes emergentes formaram um bloco para negociar a criação da liga | negócios do esporte | ge (globo.com) – – última consulta: 22.02.2022

[2] Liga parte 1: Controle Econômico, a pedra fundamental – Lei em Campo – última consulta: 22.02.2022

[3] Liga parte 2 – Direitos audiovisuais: centralizar, multiplicar e dividir – Lei em Campo – última consulta: 22.02.2022

[4] Nace LaLiga Global Network | LaLiga – última consulta: 22.02.2022

[5] El crecimiento de LaLiga (upf.edu) – última consulta: 23.02.2022

[6] Estudo Laliga – CA Sports Marketing – 1643123437822 (licdn.com) – última consulta: 23.02.2022

[7] LaLiga celebra cinco años de expansión internacional (sport.es) – última consulta: 23.02.2022

[8] https://www.linkedin.com/posts/footballbenchmark_premierleague-broadcasting-deals-activity-6898935000679755776-ru06  – última consulta: 23.02.2022

[9] Direitos internacionais do Brasileiro: Europa difícil, venda no Caribe (uol.com.br) – última consulta: 23.02.2022

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.