Em setembro de 2004, publicamos coluna aqui no Lei em Campo[1] versando sobre os gandulas como jurisdicionados da Justiça Desportiva. O texto foi basicamente motivado pela inquietação resultado do tumultuado ambiente do futebol brasileiro e seus reflexos na atuação dos gandulas.
No contexto da conhecida perspectiva de que o ambiente molda comportamentos, a atuação dos gandulas, por mais curioso que pareça, veio ganhando os holofotes nos últimos tempos, certamente contaminada pelo clima pouco cooperativo, marcado pela malandragem e pela esperteza dos atores do futebol nacional, dentro e fora de campo. Citamos alguns episódios ocorridos durante o ano de 2024 envolvendo sumiços e atrasos na reposição de bolas e gandulas envolvidos em confusões e tumultos com atletas e técnicos de algumas equipes. Também vimos que os gandulas são jurisdicionados da Justiça Desportiva, podendo cometer infrações disciplinares e serem denunciados junto aos tribunais desportivos.
Naquela oportunidade, apontamos que a raiz do problema residiria no fato de que a CBF, como organizadora dos principais torneios nacionais, deveria assumir as rédeas da atuação dos gandulas, mas, certamente por considerar esta como uma questão menor, a entidade acaba por terceirizar sua administração aos clubes mandantes. Esses, por sua vez, alocam torcedores no seu quadro de gandulas, o que acaba dificultando o cumprimento do previsto no Regulamento Geral de Competições da CBF no sentido de que dos gandulas será exigido “trabalho de imediata reposição de bola e absoluta neutralidade de comportamento em relação às equipes participantes” (art. 7º, VIII). Daí o dilema: como garantir a almejada neutralidade dos gandulas “torcedores”, cujo comportamento tende a ser compreensivelmente apaixonado, sendo que aqueles muitas vezes ainda recebem orientações dos próprios clubes para retardar a reposição e a dar sumiço nas bolas ao final das partidas conforme o resultado momentâneo das partidas?!
A própria atuação da Justiça Desportiva, que pode eventualmente suspender os gandulas por tempo determinado pela prática de ato contrário à ética ou à disciplina desportiva (art. 258 do CBJD), acaba sendo inócua. Isto porque os gandulas não costumam ser profissionais (a suspensão a rigor, pouco lhes afetará), de modo que bastará ao clube substituí-los por outros torcedores, o que tende a perpetuar tais comportamentos e a continuidade da perda do tempo útil das partidas. O árbitro também pode ficar atento e adicionar o tempo perdido ao final de cada tempo, mas é sabido que a dinâmica natural do jogo e da disputa é sempre muito afetada por longos acréscimos. É preciso prevenir.
Ademais, sugerimos a adoção de uma medida adicional bastante simples, com base da experiência bem-sucedida das principais ligas europeias (já adotada no Campeonato Paulista, por exemplo), que poderia contribuir para minimizar o problema: a instalação de pequenos cones ou pedestais em torno do campo de jogo, para que os gandulas passem a ter a função de repor as bolas diretamente para os pedestais e não mais diretamente para os atletas, o que evitaria eventuais conflitos, discussões, empurrões, etc. Os jogadores é que deveriam se dirigir aos pedestais, colocados estrategicamente a poucos metros da linha lateral do campo.
A boa notícia é que nossos reclamos foram atendidos, embora parcialmente. A CBF anunciou em janeiro que o Brasileirão e a Copa do Brasil contarão com um sistema “anti-cera” em 2025. Será implementado o sistema multi-bolas, introduzido no RGC 2025, com o escopo de agilizar o jogo e garantir maior fluidez às partidas, limitando a atuação dos gandulas. A entidade ficou de detalhar no futuro o número exato de bolas e os locais específicos nos quais os cones precisarão ser instalados.
Ao menos um primeiro passo foi dado. O próximo, insistimos, precisa ser a retirada da a administração do quadro de gandulas da mão dos clubes mandantes. A CBF precisa atentar ao fato de que cuidado aos detalhes pode fazer toda a diferença na qualidade do final do produto. Ganhará o espetáculo, o torcedor e os detentores dos direitos televisivos, que terão melhores condições de organizar suas grades com a inevitável redução do tempo global das partidas.
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[1] https://leiemcampo.com.br/os-gandulas-como-jurisdicionados-da-justica-desportiva/. Acesso em 05/02/2025.