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Mais uma vitória dos atletas no longo processo contra o UFC

A última semana trouxe novidades no processo de ex-atletas do UFC contra a promoção[1], motivado por supostas práticas de monopólio[2].

A primeira ação[3], cujo período contratual discutido vai de 16 de dezembro de 2010 a 30 de junho de 2017 (a segunda ação movida em 2021[4] abrange todos os lutadores que tiveram uma luta no UFC a partir de 1º de julho de 2017 em diante), teve petição recursal da ZUFFA (dona do UFC) negada pela corte[5].

O UFC havia ajuizado uma petição tentando recorrer da decisão do juiz Boulware de 9 de agosto de 2023 de conceder a certificação de classe e permitir que Le V Zuffa prossiga como uma ação coletiva.

A promoção contestou na via recursal vários aspectos da decisão de certificação e pediu ao 9º Circuito (instância recursal) que revisasse a decisão de Boulware.

Entre os vários itens contestados estão a participação nos salários, o modelo usado, que não provaria que os lutadores foram excluídos por contratos de 30 meses, e que a nova teoria de monopsônio de participação nos salários dos demandantes poderia levar a uma enxurrada de casos antitruste.

O poder monopsonista faz com que o agente dotado desse poder possa reduzir o preço do produto adquirido através de uma redução da quantidade demandada[6]. Os demandantes alegam que o UFC, como intermediário, controla o preço do produto, assumindo uma condição de poder econômico e, portanto, de mercado, apropriando-se do lucro. Isso geraria a tendência para a imposição de um monopólio.

No caso, o juízo negou permissão para que a ZUFFA recorresse da decisão do juiz Richard Boulware de conceder a certificação de classe para os demandantes que apresentavam reivindicações alegando a conduta anticompetitiva da promoção.

Nos EUA, recursos interlocutórios são admitidos em face de uma ordem não final emitida durante o curso do litígio (no Brasil, esses seriam os agravos de instrumento).

O fundamento da decisão quanto à recepção do recurso reforça a política do tribunal de que “os recursos aumentam a pesada carga de trabalho dos tribunais de apelação, exigem a consideração de questões que podem se tornar discutíveis ao longo do processo e prejudicam a capacidade do tribunal distrital de administrar a ação coletiva (tradução nossa)”.

É claro que a ZUFFA tem um argumento legítimo de que esse recurso interlocutório é necessário, pois decidiria se esse caso seria ou não uma ação coletiva em primeiro lugar. Mas, para os demandantes, é uma grande vitória, já que o caso agora se encaminha para o julgamento.

É importante lembrar que Francis Ngannou conseguiu deixar a empresa ao aguardar a cláusula de caducidade em seu contrato (sunset clause)[7]. Essa cláusula de caducidade foi introduzida como resposta ao processo antitruste Le et al. v Zuffa e garantiu que a promoção não pudesse estender continuamente os termos dos contratos dos lutadores indefinidamente, limitando esses termos à marca de cinco anos. Antes de 2017, ela não existia.

Desde sua criação, a cláusula passou por mudanças e, mais recentemente, uma mudança significativa praticamente garante que o lutador contratado não possa simplesmente esperar a duração de seu contrato para ser liberado.

As mudanças na cláusula foram observadas quando o contrato de Taila Santos foi tornado público após aparecer em um processo judicial não relacionado (disponível para consulta pública no Procedimento Comum Cível nº 5023009-13.2021.8.24.0005).

A cláusula de caducidade de cinco anos agora entraria em vigor na data da primeira luta do contrato, em vez da versão anterior, em que começava no dia em que você assinava o contrato.

O contrato agora também poderia ser “pausado” em casos de suspensão (possivelmente incluindo suspensões médicas).

Há também cláusula obrigando o atleta a reconhecer o status de contratado independente (autônomo), sem que este possa no futuro pleitear qualquer direito como empregado, se não, veja-se:

SEÇÃO XIX

STATUS DE CONTRATADO INDEPENDENTE

  1. DWTNCS e Lutador reconhecem que o sucesso do UFC depende de uma rede de indivíduos altamente talentosos, como o Lutador, criando uma série de lutas memoráveis, competitivas e marcantes entre lutadores. O Lutador concorda que este modelo é necessário para maximizar a receita dos lutadores sob contratos de combate, incluindo os do próprio Lutador. O Lutador reconhece que todas as regras aqui referidas são reconhecidas como necessárias e práticas para aumentar as receitas do DWTNCS e do Lutador relacionadas aos Combates e a este Contrato. O Lutador reconhece ainda que as disposições deste Acordo foram concebidas para maximizar as receitas dos contratantes-contratados ao longo do tempo. Portanto, o Lutador reconhece e concorda que o Lutador é um contratado independente e não um empregado.

(…)

19.3 Nada contido neste Contrato será interpretado para tornar o Lutador um empregado da DWTNCS ou para nomear a DWTNCS como agente do Lutador, e a DWTNCS não terá nenhum interesse financeiro (além dos direitos de compensação) na compensação devida ao Lutador por se envolver em qualquer Luta nos termos deste documento. Pretende-se que o Lutador continue sendo um contratado independente, responsável por suas próprias ações, despesas e quaisquer impostos locais, estaduais, federais ou internacionais, incluindo, mas não se limitando a, contratação, dispensa, benefícios e custos de todos os afiliados do Lutador e instalações de treinamento, equipamentos, associações profissionais, taxas de sanção, despesas médicas, seguros (exceto conforme exigido por uma Comissão Atlética aplicável), impostos de seguridade social, impostos da Lei Federal de Contribuições de Seguros (FICA) e impostos da Lei de Desemprego (FUTA).

19.4 O Lutador não será elegível, sob este Contrato, para participar de quaisquer férias, cuidados médicos em grupo, compensação trabalhista ou seguro de vida, invalidez, participação nos lucros ou benefícios de aposentadoria ou quaisquer outros benefícios adicionais ou planos de benefícios oferecidos pela DWTNCS aos seus funcionários e a DWTNCS não será responsável por reter ou pagar qualquer renda, folha de pagamento, Previdência Social ou outros fundos federais, estaduais ou impostos locais, fazer quaisquer contribuições de seguro (exceto conforme exigido por uma Comissão Atlética aplicável ou de outra forma aqui previsto), incluindo desemprego ou invalidez, ou obter seguro de acidentes de trabalho em nome do Lutador. O Lutador será responsável e indenizará a DWTNCS por todos esses impostos ou contribuições, incluindo multas e juros. Quaisquer pessoas empregadas pelo Lutador em conexão com a execução dos serviços prestados pela Lutador nos termos deste documento serão funcionários do Lutador e o Lutador será totalmente responsável por tais pessoas. (tradução nossa)

Os demandantes estão pedindo entre US$ 800 milhões e US$ 1,6 bilhão em danos ao UFC. A Endeavor (a empresa controladora do UFC antes de comprar a WWE e fundi-la com o UFC para formar a TKO) teve lucros recordes nos últimos anos[8].

Quando a fusão UFC-WWE foi anunciada, surgiu uma nova avaliação do UFC de mais de US$ 12 bilhões, que é o triplo do valor de sua venda em 2016 (que foi registrada em pouco mais de US$ 4 bilhões).

Se o processo antitruste do UFC chegar a julgamento, o dia 8 de abril de 2024 poderá ser uma data muito importante para o esporte das artes marciais mistas.

Crédito imagem: UFC/Divulgação

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[1] COSTA, Elthon José Gusmão da. Atletas x UFC: Os novos desdobramentos do processo contra o Ultimate e o possível fim do monopólio no MMA. Lei em Campo, 14 ago. 2023. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/atletas-x-ufc-os-novos-desdobramentos-do-processo-contra-o-ultimate-e-o-possivel-fim-do-monopolio-no-mma. Acesso em: 20 out. 2023.

[2] COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023. p. 109-112.

[3] Cung Le, et al. v. Zuffa, LLC d/b/a Ultimate Fighting Championship and UFC, No. 2:15-cv-01045-RFB-BNW (D. Nev.).

[4] Kajan Johnson, et al. v. Zuffa, LLC, et al., No. 2:21-cv-01189 (D. Nev.).

[5] https://twitter.com/MMAanalytics/status/1719830329299800532

[6] Filho Salomão, Calixto, Direito Concorrencial: as estruturas – 3. Ed. – São Paulo: Malheiros, 2007.

[7] COSTA, Elthon José Gusmão da. Francis Ngannou e o novo contrato com a PFL. Lei em Campo, 22 maio 2023. Disponível em: https://leiemcampo.com.br/francis-ngannou-e-o-novo-contrato-com-a-pfl. Acesso em: 3 nov. 2023.

[8] https://variety.com/2023/tv/news/endeavor-q4-2022-earnings-ufc-debt-load-1235538706/

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