Há pouco menos de um ano, a coluna tratou do contrato assinado por Jaylen Brown, recentemente eleito o MVP das finais da NBA. Destacamos, naquele momento, que os US$ 285 milhões representavam o maior contrato da história da liga.
Porém, fizemos uma ressalva: tal recorde não duraria muito, pois, em breve, algum outro atleta estaria elegível para receber, já considerado o novo teto salarial estabelecido pela NBA, o chamado “contrato super máximo”.
O momento chegou e o novo detentor do mais pujante contrato de todos os tempos é ninguém mais, ninguém menos do que Jayson Tatum, o grande companheiro de Jaylen Brown no Boston Celtics.
No último dia 01 de julho, Tatum assinou uma extensão contratual por 5 temporadas que lhe pagará US$ 314 milhões no período. Desse modo, o atleta de 26 anos passa a ter, tanto em valores médios anuais quanto em valores absolutos, o maior contrato que a NBA já viu.
O novo acordo de Jayson Tatum com o Celtics impressiona mesmo quando comparado com os maiores acordos firmados no futebol americano e no beisebol.
No último ano, Tatum, que terá um salário anual médio de US$ 62,8 milhões, ganhará US$ 71,4 milhões.
A maior média anual na NFL é de US$ 55 milhões, valor dos contratos dos quarterbacks Joe Burrow e Trevor Lawrence.
No beisebol, Shohei Ohtani lidera com uma média anual de US$ 70 milhões, mas, conforme já abordamos por aqui, 97% dos US$ 700 milhões totais do contrato serão pagos mais adiante, o que reduz a média para US$ 43,8 milhões por ano (Ohtani receberá “apenas” US$ 2 milhões por temporada entre 2024 e 2033; de 2034 em diante, serão US$ 68 milhões por temporada até 2043).
A NBA conseguiu triplicar as receitas relativas a direitos de transmissão e os US$ 76 bilhões de dólares que receberá dos parceiros de mídia pelos próximos 11 anos tendem a produzir efeitos duradouros.
Em outras palavras, as cifras que as franquias poderão investir em seus respectivos elencos só tendem a crescer. E, assim como ocorreu em 2016, o aumento do teto salarial levará a uma inflação dos salários.
Jogadores medianos que estiverem na hora certa e no lugar certo irão se aproveitar da nova realidade financeira da liga e assinarão contratos que, aparentemente, serão desproporcionais aos seus talentos e atributos em quadra.
Poderemos ver algo semelhante ao que ocorreu com Timofey Mozgov?
Sim. No entanto, as novas regras em vigor, introduzidas pelo vigente CBA (Collective Bargaining Agreement), o acordo coletivo de trabalho firmado entre a associação dos atletas e a NBA, devem atenuar um pouco tal efeito.
De um lado, o aumento do teto salarial ocorrerá de maneira mais suave, com a diluição, ao longo do tempo, dos novos recursos financeiros dos quais a liga dispõe para distribuir entre suas franquias. Essa metodologia é chamada de cap smoothing.
De outro lado, como já explicamos em texto anterior, o novo CBA instituiu “barreiras” adicionais que, se transpostas, irão impor às equipes punições financeiras e restrições esportivas.
Agora, além da tradicional luxury tax (penalidade que as franquias que extrapolam o teto salarial precisam pagar e cujo valor arrecadado é dividido entre as equipes que se mantêm abaixo do teto), existem duas “faixas” de punição adicionais.
A primeira delas, conhecida como first apron, faz, se atingida, com que uma franquia fique proibida de:
– contratar jogadores utilizando o chamado sign-and-trade (quando um atleta assina um contrato com uma equipe para, logo em seguida, ser trocado para outra);
– contratar jogadores utilizando uma exceção às limitações salariais intitulada bi-annual exception; e
– contratar jogadores dispensados durante a temporada regular cujo salário seja superior à non-taxpayer mid-level exception (a franquia que atingir o first apron não conseguirá contratar nenhum jogador que esteja livre no mercado e que receba um salário anual a partir de US$ 12,2 milhões).
Além disso, as equipes que incidirem no first apron terão dificuldades para obter a equivalência salarial necessária para a realização de trocas de atletas.
Na NBA, para que jogadores possam ser trocados entre as franquias, os salários dos atletas envolvidos na troca precisam ser equivalentes, com uma margem de tolerância de apenas 10% para as equipes que estiverem no first apron (para as demais equipes, essa margem é de 25%).
Ainda mais punitiva do que a primeira “barreira”, a segunda (second apron) se verifica quando uma franquia gasta mais do que US$ 182,5 milhões por temporada com os salários de seus jogadores.
Além de todas as restrições impostas pelo first apron, as franquias que atingirem essa segunda “faixa” estarão impedidas de:
– contratar jogadores utilizando a taxpayer mid-level exception (válida para jogadores com salário anual de US$ 5 milhões);
– gerar uma trade exception a partir do somatório dos salários de vários jogadores;
– incluir dinheiro em uma operação para viabilizar qualquer troca;
– utilizar uma trade exception gerada em ano anterior; e
– durante 7 anos, usar escolhas de primeira rodada no Draft em negociações.
As regras são bem complexas e as equipes mantêm funcionários cuja função é serem especialistas nas minúcias do CBA. Alguns “magos” do salary cap realmente se destacam, ganham notoriedade, são promovidos e, por vezes, representam efetivas vantagens competitivas no momento de uma negociação.
O principal “efeito colateral” de toda essa complexidade e das novidades trazidas pelo first e pelo second apron vem sendo uma maior cautela de dirigentes antes de fazer qualquer movimento no mercado.
Um exemplo? Em matéria publicada no site da ESPN, a ótima jornalista Ramona Shelburne destrinchou a situação que levou o Los Angeles Clippers a perder uma de suas estrelas, Paul George, muito por conta do receio quanto às restrições que seriam impostas caso fosse atingido o second apron, algo que fatalmente ocorreria com o Clippers se fosse oferecido ao atleta aquilo que os agentes dele vinham exigindo, há meses, nas tratativas.
No fim das contas, Paul George assinou por 4 anos e US$ 212 milhões com o Philadelphia 76ers, que estava com uma situação bem mais favorável em relação ao teto salarial.
Na matéria, Ramona Shelburne escreveu:
“Para alguns executivos da liga, o second apron se tornou tão amedrontador quanto a chegada do inverno na série Game of Thrones. Quanto mais o Clippers estudava as regras e suas ramificações, mais determinada a franquia se tornava em evitar as severas restrições do second apron. As equipes que pulam ´a muralha´, para continuar com as metáforas de Game of Thrones, basicamente não têm como voltar. Os jogadores que você tem sob contrato são os jogadores que você conseguirá ter. As trocas são quase impossíveis de serem executadas. Mesmo pequenos movimentos, como comprar uma escolha de Draft, não são permitidos para as equipes que atingem o second apron”.
Elencos mais engessados, receio de gastar muito dinheiro, insegurança nas negociações, agentes com menos poder de barganha…
Demorará um tempo até que as novas regras sejam totalmente assimiladas pela comunidade da NBA.
Enquanto isso, a liga possivelmente verá o seu atual (e maior campeão) ser vendido. Isso mesmo: o Boston Celtics foi colocado à venda no mesmo dia da assinatura do contrato de Jayson Tatum.
Com um valuation de US$ 5,12 bilhões, o quarto maior da NBA e o 21º entre todas as franquias esportivas dos Estados Unidos, o Celtics deverá bater o recorde do Phoenix Suns, cujo controle acionário foi vendido para Mat Ishbia, no final de 2022, por US$ 4 bilhões.
Novas regras, novos hábitos. E um campeão que, em um futuro próximo, estará nas mãos de novos donos. São eles que “assinarão os cheques” para Jayson Tatum.
Crédito imagem: AP Photo/ Michael Dwyer
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