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NBA, CBA e o curioso caso de Timofey Mozgov

Los Angeles, 00h01 do dia 1º de julho de 2016. No primeiro minuto da free agency, no exato instante em que, segundo as regras da NBA, as equipes passaram a estar autorizadas a negociar diretamente com os atletas, Mitch Kupchak, então general manager do Los Angeles Lakers, entrou em contato com o agente do pivô russo Timofey Mozgov.

Mozgov, um esforçado reserva que acabara de ser campeão ao lado de LeBron James no Cleveland Cavaliers, tomou um susto quando ouviu os termos da proposta, que foi prontamente aceita: um contrato de 4 anos no valor de US$ 64 milhões.

A quantia de US$ 16 milhões por ano seria suficiente, na temporada anterior, para colocar Mozgov entre os 20 jogadores mais bem pagos da NBA, à frente, inclusive, daquele que havia sido eleito o MVP da liga, Stephen Curry.

O movimento do Lakers foi recebido com perplexidade por dirigentes das outras franquias. Além do modesto desempenho, Mozgov não tinha exatamente o perfil de jogador que fazia sentido para uma NBA que caminhava, a passos largos, para prestigiar um jogo cada vez mais veloz e atlético, muito voltado para o espaçamento dos atletas em quadra e para os arremessos de longa distância.

E mais: esse “novo” jogo era executado, com frequência, por quintetos que não contavam com nenhum “gigante” de garrafão no estilo de Mozgov.

O mais intrigante era o fato de que a oferta irrecusável do Lakers tinha sido feita antes que se pudesse perceber, no mercado, um mínimo sinal de que haveria algum grande interesse das outras equipes pelo pivô.

A explicação para essa bizarra transação? Dinheiro em abundância.

Em outubro de 2014, a NBA anunciara a celebração de um novo contrato de direitos de transmissão com seus parceiros de mídia, Turner e ESPN, o qual renderia à liga cerca de US$ 24 bilhões pelos anos seguintes. A classe de agentes livres de 2016 foi, portanto, a primeira a se beneficiar dessa operação.

Em outras palavras, antes do início da temporada de 2016, todas as franquias passaram a ter muito dinheiro para gastar. E, conforme o acordo coletivo de trabalho firmado entre a NBA e a associação de jogadores (NBPA), o chamado Collective Bargaining Agreement (CBA), esse dinheiro extra teria que ser, necessariamente, investido nos elencos.

Quando questionado a respeito, Mozgov foi sincero e respondeu, rindo: “Não posso mentir para você…Eu gosto disso. É assim que a NBA está fazendo negócios. Os jogadores estão felizes com o aumento do dinheiro. Mas não se trata apenas de os jogadores receberem o dinheiro. Os proprietários e a associação de jogadores estão recebendo dinheiro. Todo mundo está feliz”.

Embora aquele verão tenha ficado marcado especialmente pela ida de Kevin Durant para o Golden State Warriors, um arranjo que só foi possível por conta da “enxurrada” de dinheiro que “inundou” os cofres da franquia californiana, Mozgov não esteve sozinho no mundo dos contratos inusitados.

Chandler Parsons foi do Dallas Mavericks para o Memphis Grizzlies por um contrato de US$ 98,5 milhões. Evan Turner deixou o Boston Celtics para ganhar US$ 70 milhões por 4 anos em Portland. Joakim Noah, que quase não jogara na temporada 2015-2016, assinou com o New York Knicks por US$ 72 milhões. Mike Conley, à época armador do Memphis Grizzlies, firmou aquele que seria, por algum tempo, o contrato mais caro da história da NBA: US$ 153 milhões por 5 anos.

Não por acaso, 6 dos 7 maiores contratos de todos os tempos da liga, até aquele momento, foram assinados em julho de 2016.

Tal “gastança”, na essência, só foi possível em função da criação, em 1983, do sistema de teto salarial na NBA, liga que passara décadas em uma posição precária do ponto de vista financeiro e do ponto de vista jurídico.

Por um lado, as receitas de televisão ainda eram baixas e os custos crescentes irritavam os proprietários das franquias, espantando também potenciais novos investidores. Por outro lado, a NBPA, como seria natural, brigava por ampla liberdade de trabalho e por salários mais altos para os atletas.

O acordo costurado em 1983 entre o lendário Comissário da NBA, David Stern, e o representante da NBPA, o advogado Larry Fleisher, tinha como premissa uma melhor distribuição do dinheiro entre equipes e atletas. Sem isso, o futuro da liga, certamente, teria sido bem diferente.

Ao aceitarem a existência de um teto salarial e de regras mais restritas em relação à estruturação dos contratos, os jogadores abdicaram da chance de conquistar salários “infinitos” em troca de estabilidade e de uma fatia maior do “bolo”.

E mais: com o advento da free agency, eles passaram a poder escolher o seu próprio destino ao final de seus contratos.

Essa combinação de ingredientes que resulta, adicionalmente, em equilíbrio competitivo, não existia nas ligas profissionais norte-americanas e passou, na sequência, a ser adotada também pela NFL e pela NHL.

Dali em diante, a equação se tornou simples: quanto mais dinheiro para a liga, mais dinheiro para os atletas.

Os bastidores da criação do salary cap são contados no ótimo livro The Cap: How Larry Fleisher and David Stern Built the Modern NBA, cuja leitura recomendamos a todos os que se interessam pelo assunto.

A obra, além de registros históricos e de explorar a curiosa situação contratual de Timofey Mozgov, revela um detalhe pitoresco: Mitch Kupchak, o responsável pela contratação do pivô russo que virou símbolo das consequências desastradas que o substancial influxo de dinheiro gerou na NBA em 2016, foi representado, quando jogador, exatamente por Larry Fleisher.

Em 1981, a transferência de Kupchak do Washington Bullets (atual Washington Wizards) para o Los Angeles Lakers foi publicamente criticada. Uma manchete no Los Angeles Times chegou a indagar, em tom depreciativo: “O agente livre Mitch Kupchak vale US$ 5,6 milhões por 7 anos?

O próprio Kupchak, aliás, afirmou na ocasião: “Acho que nenhum atleta vale tanto dinheiro. Mas eu estava no lugar certo, na hora certa, no sistema certo.”

Na atualidade, as negociações entre a NBA e a NBPA acerca de um novo acordo coletivo de trabalho estão progredindo bem, segundo relatou uma matéria do The Athletic. A princípio, existe a expectativa de que um acerto seja anunciado nas próximas semanas.

Novos critérios de punição às equipes que excederem o teto salarial estão entre as questões mais sensíveis em discussão. Pela regulação vigente, que expirará após a temporada 2023-24, na faixa entre US$ 0 e US$ 4.999.999 acima do limite, uma equipe que exceda o teto deve pagar US$ 1,50 para cada dólar gasto além do permitido. Para equipes que estejam entre US$ 5 milhões e US$ 9.999.999 acima do limite, a taxa é de $ 1,75 para cada dólar gasto. Isso deve mudar.

Ademais, dois temas tratados recentemente na coluna, o load management e a crise envolvendo a Diamond Sports, estão sendo endereçados nos debates entre a liga e a associação dos atletas.

Por fim, outros pontos que vêm sendo analisados são a redução da idade mínima para fins de elegibilidade para o draft (o limite, que é de 19, passaria a ser de 18 anos), o aumento dos limites financeiros no caso de extensões contratuais (sob o atual acordo coletivo, o salário de um jogador, em regra, só pode ser aumentado em até 120% no primeiro ano do novo vínculo, havendo a pretensão de que esse percentual passe a ser de 140% ou 150%) e a diluição, no tempo, do aumento do limite do teto salarial (algo que os norte-americanos chamam de cap-smoothing) em razão da entrada do dinheiro decorrente da nova negociação dos direitos de transmissão da NBA, evitando-se, assim, que existam contratos “superfaturados”.

Você já ouviu falar em um tal de Timofey Mozgov, um cara que estava no lugar certo, na hora certa, no sistema certo? Pois é!

Crédito imagem: Supplied

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Daniel Alexandre Portilho Jardim é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MG, especialista em Negócios no Esporte e Direito Desportivo e professor do MBA em Negócios no Esporte e Direito Desportivo do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN), onde ministra a disciplina “Modelo de negócios das ligas esportivas norte-americanas”. É também sócio-fundador do Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria (www.lageportilhojardim.com.br) e editor-chefe do blog Negócios no Esporte (www.negociosnoesporte.com).

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