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O caso Barcelona à disposição das associações no futebol brasileiro

No ano passado, com o advento da Lei 14.193/21, a Lei das SAF, abriu-se uma nova oportunidade para que os clubes pudessem receber investimentos, pagar as dívidas, mas, ao mesmo tempo, também instituiu algumas práticas de governança, muito importantes para sustentabilidade e criação de um ambiente mais saudável ao longo prazo.

Nesse contexto, o Brasil passou a ser um centro bastante atrativo ao investidor estrangeiro, tendo em vista a segurança jurídica proporcionada pela lei, bem como a desvalorização atual da nossa moeda e as chances de se obter um retorno financeiro rápido, pois o Brasil tem uma capacidade de produzir talentos e exportar jogadores em grande quantidade, diferentemente de outros mercados.

A propósito, em um estudo recente[1], foi demonstrado que, em 2020, 27% das receitas dos clubes brasileiros era oriundo da venda dos direitos econômicos de jogadores, o que foi impulsionado pela necessidade financeira advinda de uma crise econômica gerado pela pandemia.

No entanto, mesmo com a introdução da nova lei ao ordenamento brasileiro e com a adoção por alguns e o interesse de outros no modelo das Sociedades Anônimas do Futebol, não podemos olvidar que a grande maioria dos nossos clubes continua a ser formada por associações civis, sem fins lucrativos. Sendo assim, como esses clubes poderão receber investimentos e serem competitivos da mesma forma que as entidades que adotaram o modelo da SAF?

Uma estratégia de financiamento vem da Espanha e demonstra um caminho acessível para que as associações brasileiras possam adquirir capital para investir na sua estrutura, no pagamento das dívidas, em inovações tecnológicas e, é claro, no fortalecimento do seu elenco profissional. O grande exemplo é o Barcelona, um dos maiores clubes do mundo, que mantém o seu formato associativo até os dias de hoje.

Contudo, antes de partirmos para a apresentação do caso concreto, para uma melhor compreensão do caso, é imprescindível explicar o contexto histórico. Na Espanha, com a criação da Lei 10/1990, conhecida como Lei do Esporte, tornou-se obrigatória a conversão dos clubes associativos em sociedades anônimas para que pudessem disputar as competições profissionais, o que inclui, obviamente, as duas primeiras divisões de Laliga. Essa obrigação foi retirada somente no ano passado.

Todavia, naquela época, quatro clubes apresentaram balanços patrimoniais positivos e puderam não se transformar em sociedade anônima, um deles era justamente a equipe catalã, acompanhada de Real Madrid, Athletic Club, de Bilbao, e Osasuña.

Atualmente, devido à crise econômica produzida pela pandemia, aos prejuízos gerados por más administrações, que ganhou destaque nos jornais, além da necessidade de se adequar aos rígidos mecanismos de controle econômico internos impostos por LaLiga, passou a ser imprescindível a obtenção de investimentos para manutenção da competitividade do time e para o desenvolvimento da estrutura da entidade.

Dessa forma, quando um clube é dotado de um modelo favorável, para solucionar um problema de liquidez ou dificuldades financeiras basta a negociação/emissão de novas ações, como ocorreu em diversos clubes, inclusive na própria Espanha.

Há pouco tempo, o Atlético de Madrid ampliou o capital com a emissão de novas ações, principalmente com o escopo de mitigar os efeitos da crise gerada pela pandemia. A operação se deu através da Atlético HoldCo,[2] criada por dois acionistas do clube que detém juntos 65,98% do capital dos colchoneros. Ambos acabaram vendendo a participação de 33,96% na Atlético HoldCo para o grupo Ares Management Corporation.

A promessa era injetar mais de 180 milhões de euros no clube, que além dessa empresa, ainda conta com a participação considerável do fundo de investimentos israelense Quantum Pacific Group no seu quadro de acionistas. Antes, uma parte pertencia ao grupo chinês Dalian Wanda Group, que deixou o clube em 2018.

Do mesmo modo, a Juventus[3], que possui ações na bolsa de valores, aprovou a ampliação de capital com o intuito de arrecadar até 400 milhões de euros. O objetivo era evidente: consolidar o equilíbrio econômico e financeiro da equipe italiana, manter sua competitividade esportiva e incrementar a visibilidade da marca.

Por outro lado, como ainda se mantém no modelo associativo, o Barcelona[4] teve que recorrer a outros caminhos para viabilizar sua operação. Nesse mês, os sócios aprovaram, por meio de uma assembleia, a cessão de uma participação minoritária (49,95%) no Barça Licensing & Merchandising (BLM), empresa do clube que é responsável pela negociação de licenças e merchandising, operação das lojas, vendas online, comercializando mais 2.000 produtos licenciados. Na última temporada, BLM, apesar da pandemia, contribuiu com receitas em torno de 56 milhões de euros.

Outrossim, os catalães obtiveram a aprovação majoritária quanto à cessão de até 25% das receitas oriundas dos direitos de transmissão de LaLiga, seja a um ou mais investidores e/ou obter financiamento com base nos referidos direitos. No total, o clube esperar arrecadar cerca de 600 milhões de euros pelas duas operações, o que seria essencial para a sobrevivência e desenvolvimento da equipe.

Ressalte-se que, no ano passado, o clube catalão, junto com outros três clubes, recusou um acordo semelhante de LaLiga com o fundo de investimentos CVC Capital Partners, pois afirmaram que a negociação era extremamente desvantajosa ao longo prazo para os clubes, já que, segundo eles, a CVC recuperaria seu investimento em apenas 10 anos, enquanto os clubes levariam 50 anos para pagá-lo, o que se configuraria em uma “hipoteca”[5] dos seus direitos. Esse acordo foi escopo de um artigo nessa mesma seção, aprofundando os termos da avença e as discussões jurídicas[6].

Igualmente, o Barcelona aposta muito na inovação tecnológica e na combinação do futebol com outros meios de entretenimento. Podemos citar, a parceria com a Spotify[7], que deve trazer benefícios econômicos ao clube e também promover novidades para seus torcedores. O acordo permitirá a criação de experiências em conteúdos audiovisuais e de atrações especiais nas dependências do Camp Nou, estádio do clube. Some-se a isso, os naming rights, exposição da marca nas dependências do estádio, além da atuação na reforma e modernização do local.

No caso do futebol brasileiro, podem ser adotadas soluções semelhantes àquelas do clube espanhol, certamente em quantias inferiores, resguardando algumas peculiaridades, principalmente em virtude dos direitos de transmissão. Nessa esteira, não podemos olvidar que ainda não possuímos uma Liga, uma centralização nas negociações e uma divisão mais igualitária, um produto competitivo e internacionalizado, como ocorre nas cinco principais ligas europeias.

O futebol brasileiro ainda não exprimiu nem um décimo do seu potencial, encontra-se, ainda, em fase de solidificação de uma estrutura e um modelo profissional, que fora negligenciado durante anos. Portanto, comprometer receitas futuras, que tendem a aumentar exponencialmente se todos os passos do parágrafo anterior forem cumpridos, seria um acordo não tão favorável ao longo prazo, muito embora possa apresentar um alívio financeiro momentâneo a diversos clubes, muito endividados. Afinal, quanto vale e quanto valerá nosso produto?

Por outro lado, um acordo igual ao da cessão minoritária da BLM é bem possível e, se bem executado, com empresas especializadas, pode representar um ganho de capital rápido, uma possível expansão do mercado, melhorias ao atendimento do torcedor e fornecimento de produtos licenciados. O grande desafio parece ser manter o torcedor engajado para que possa consumir os produtos e serviços do clube, bem como a de seus patrocinadores. Para isso, é fundamental um aumento dos investimentos em marketing.

Por fim, mas não menos importante, o investimento em inovação, em se adequar às novas tecnologias e tendências, sempre com o objetivo de proporcionar uma melhor experiência ao torcedor, o engajamento e interação do consumidor com os próprios clubes e jogadores, como, por exemplo, os fan tokens, é primordial para gerar novas receitas e isso independente do modelo, associativo ou empresa.

Conforme o exposto, há diversas maneiras de se obter um financiamento e não necessariamente, muito embora facilite, isso passe pela transformação em sociedade anônima. A transformação que deve ocorrer é sempre no sentido da profissionalização da gestão, de boas práticas de governança e, sobretudo, da inovação.

Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo


[1]Relatório BTG Pactual: Importância das ligas na Europa e Brasil – 1649072427179 (licdn.com) – última consulta: 22.06.2022

[2] El Atlético tiene un nuevo socio inversor: Ares Management – AS.com – última consulta: 22.06.2022

[3] Juventus aprova aumento de capital de até 400 milhões de euros – 25/08/2021 – UOL Notícias – última consulta: 22.06.2022

[4] https://www.fcbarcelona.com/en/club/news/2647970/the-assembly-approves-the-mechanisms-to-refloat-the-clubs-finances-by-a-clear-majority –  última consulta: 22.06.2022

[5] LaLiga Impulso: Los clubes aprueban el pacto entre LaLiga y CVC, del que se descuelgan Real Madrid, Barcelona y Athletic | Deportes | EL PAÍS (elpais.com) – última consulta: 22.06.2022

[6] Acordo Laliga – CVC: solução ou sacrifício? – Lei em Campo – última consulta: 22.06.2022

[7] Barcelona e Spotify: veja detalhes da parceria entre clube e empresa (uol.com.br) – última consulta: 22.06.2022

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