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O mundo (real) não é o bastante, os diamantes (não) são eternos

Recentemente, a NBA lançou, em parceria com a desenvolvedora Niantic, o NBA All-World, jogo de realidade aumentada para smartphones baseado em geolocalização que possui elementos similares aos de outras atrações eletrônicas, como Pokémon GO e Harry Potter: Wizards Unite.

Sim, vivemos em uma época que nos obriga a colocar no mesmo parágrafo, de forma inusitada, NBA, Pokémon e Harry Potter…

O motivo? A existência da chamada Geração Z e a necessidade de atrair um público formado pelos nativos digitais, aquelas pessoas que já nasceram inseridas em um ambiente totalmente tomado por tecnologias que nos levam para além do “mundo real” (alô, alô, metaverso).

O título deste texto, por sua vez, é uma brincadeira com dois clássicos do personagem James Bond (o famoso 007): O Mundo Não é o Bastante, de 1999, e Os Diamantes São Eternos, de 1971, filmes que a maior parte dos leitores da Geração Z, provavelmente, não conhece.

Digressões à parte, vamos aos fatos…

Na última semana, um vídeo envolvendo Adam Silver, o Comissário da NBA, “viralizou” no Twitter e no Instagram. Trata-se de uma demonstração feita durante a realização do NBA All-Star Tech Summit, encontro que ocorreu no âmbito da mais recente edição do Jogo das Estrelas.

No vídeo, o principal dirigente da liga demonstra a utilização de um aplicativo que mapeará o corpo do fã por completo, inserindo uma imagem digital do usuário em jogadas reais que aconteceram em jogos da NBA.

Em outras palavras, esse aplicativo permitirá que qualquer pessoa se veja, por exemplo, recebendo um passe de LeBron James, acertando um arremesso como se fosse Stephen Curry ou dando uma violenta enterrada no estilo de Giannis Antetokounmpo. Algo difícil de imaginar há alguns anos, não é mesmo?

Os horizontes, reais e virtuais, são promissores. E isso se acentua com a chegada de novos investidores à liga, cuja pujança econômica, paradoxalmente, amplia possibilidades que já pareciam infinitas.

Fundos de private equity eram autorizados a deter até 30% do capital das franquias da NBA, casos do San Antonio Spurs, do Sacramento Kings e do Golden State Warriors. E, desde dezembro de 2022, o conselho de governadores da liga aprovou que fundos soberanos podem comprar até 20% do capital de uma equipe.

Nesse cenário, a Qatar Investment Authority e o fundo Mubadala Capital, de Abu Dhabi, que possuem, respectivamente, US$ 450 bilhões e US$ 284 bilhões em ativos sob gestão, demonstraram interesse em adquirir franquias, conforme informou a Bloomberg.

O New York Knicks, inclusive, pode ser um primeiro alvo, pois o grupo Silver Lake, um dos proprietários do Madison Square Garden Sports, que controla a equipe, recebe investimentos do Mubadala Capital.

Por falar em Abu Dhabi, a NBA anunciou a realização de amistosos de pré-temporada na região, em data a ser definida. Não está distante, portanto, um cenário em que o principal time de basquete de Nova Iorque dispute jogos do outro lado do planeta sob os olhares de seus “donos locais”.

Se a Europa, nos últimos tempos, vinha recebendo mais atenção da liga e se os ventos do futuro sopram em direção ao Oriente Médio, também não se pode ignorar o avanço da NBA na América Latina, catalisado por uma base de mais de 75 milhões de pessoas que se declaram fãs.

A par dos mercados relevantes mais óbvios, como Brasil e México, a liga vem fazendo ativações em países como Colômbia e República Dominicana, diversificando estratégias e alcançando diferentes segmentos de potenciais consumidores do fabuloso produto de entretenimento que é a NBA.

As inovações tecnológicas, a associação com um estilo de vida urbano, a sinergia com tendências musicais que têm apelo entre os mais jovens e toda a indústria do streetwear ajudam a liga nessa conquista de territórios.

A NBA, como se vê, extrapola qualquer tipo de fronteira.

Por outro lado, uma notícia vinda “de dentro de casa” gerou preocupação não só na NBA, mas também na MLB (beisebol), na NHL (hóquei) e na WNBA (basquete feminino): o Diamond Sports Group, que controla canais regionais de televisão responsáveis pela transmissão de partidas de 47 equipes das referidas ligas, anunciou, no dia 15 de fevereiro de 2023, que não tinha condições de pagar uma dívida de US$ 140 milhões que vencia naquela data.

Tal fato forçou a aceitação, pelos credores, de um período de carência, em um esforço para propiciar a reestruturação financeira do Diamond Sports Group. O movimento foi interpretado, todavia, como forte indício de uma iminente falência, em virtude dos US$ 8 bilhões de passivos acumulados pela organização.

Para transmitir ao vivo ou negociar a retransmissão das partidas por parceiros, os canais regionais detidos pelo Diamond Sports Group pagam um valor anual às franquias. Como apontou uma matéria do The Athletic, algumas delas, curiosamente, continuaram a receber os pagamentos, e outras não, o que gerou bastante tumulto.

Diante disso, as ligas estão colocando em prática planos de contingência para garantir que os telespectadores continuem a ter acesso às partidas mesmo no caso de decretação da falência do Diamond Sports Group.

No caso das ligas de basquete e de hóquei, as temporadas regulares estão se encaminhando para o final e grande parcela do que era devido pelos direitos de transmissão já foi paga. A temporada da MLB, porém, ainda nem começou, de modo que, no pior cenário, torcedores de equipes de mercados importantes, como Atlanta (Atlanta Braves), Arizona (Arizona Diamondbacks), Los Angeles (Los Angeles Angels), Miami (Miami Marlins) e Texas (Texas Rangers) poderiam ser diretamente prejudicados.

A principal razão para a derrocada do Diamond Sports Group foi anteriormente tratada aqui na coluna: dezenas de milhões de lares nos Estados Unidos deixaram de contar com serviços de transmissão de televisão por cabo ou satélite, em uma crise cujos efeitos apenas o Super Bowl conseguiu evitar até o momento.

Nos primeiros 9 meses de 2022, o Diamond Sports Group fez pagamentos na casa de US$ 1,47 bilhão em direitos de transmissão, possuindo obrigações futuras dessa natureza de aproximadamente US$ 12,7 bilhões.

Para se ter uma ideia, as transmissões regionais representam cerca de 15% da receita anual da NBA e 20% da receita total da MLB, o que explica a preocupação das ligas em intervir caso seja necessário.

Se, de fato, o Diamond Sports Group “quebrar” (e aí os diamantes não seriam eternos, com o perdão pelo gracejo, Mister James Bond), as consequências serão duras, apesar do dinheiro “sem fim” que os negócios das ligas esportivas norte-americanas movimentam.

Evitar perdas financeiras catastróficas será uma árdua missão, até mesmo para os padrões de um 007 e para quem explora mundos que vão além do real, com tecnologias que mais parecem os poderes mágicos de um Harry Potter.

O que nos resta é aguardar as cenas dos próximos capítulos.

Crédito imagem: NBA

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Daniel Alexandre Portilho Jardim é graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Master of Laws (LL.M) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/MG, especialista em Negócios no Esporte e Direito Desportivo e professor do MBA em Negócios no Esporte e Direito Desportivo do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN), onde ministra a disciplina “Modelo de negócios das ligas esportivas norte-americanas”. É também sócio-fundador do Lage e Portilho Jardim Advocacia e Consultoria (www.lageportilhojardim.com.br) e editor-chefe do blog Negócios no Esporte (www.negociosnoesporte.com).

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