Pesquisar
Close this search box.

O papel da Procuradoria na Justiça Desportiva

Há alguns meses eu escrevi nesta coluna sobre os órgãos da Justiça Desportiva. Naquela oportunidade, mencionei que os três órgãos da Justiça Desportiva Brasileira elencados artigo 52 da Lei 9.615/98 (Lei Pelé) e no artigo 3º do CBJD, são o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), os Tribunais de Justiça Desportiva (TJD), e as Comissões Disciplinares. Pois bem, mas e a Procuradoria?

Há debate sobre a natureza jurídica da Procuradoria da Justiça Desportiva; há quem argumente que a Procuradoria não seria parte integrante dos Tribunais Desportivos, até porque tem estrutura organizacional própria, regimento interno autônomo e seus integrantes têm autuação completamente independente dos demais membros do tribunal desportivo. Há quem argumente que a Procuradoria é parte dos Tribunais Desportivos.

Fato é que sua existência é essencial para a estruturação da Justiça Desportiva. A Procuradoria exerce papel semelhante ao do Ministério Público na justiça comum; aos Procuradores é atribuída a função de defender a ordem jurídica e a disciplina desportiva. Nos termos no do art. 2º do regimento interno da Procuradoria do STJD do Futebol:

o guardião da lei, das regras, dos regulamentos do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, e às normas nacionais e internacionais e às regras de prática desportiva de cada modalidade, garantindo a irrestrita aplicação dos §§ 1º e 2º do artigo 217 da Constituição da República.

Como defensor da ordem jurídica e da disciplina desportiva, a Procuradoria é quase a única titular de todas as ações dos tribunais desportivos. Digo “quase” porque há alguns procedimentos, os chamados “procedimentos especiais” nos quais a Procuradoria não será, necessariamente a titular da ação, ou seja, quem iniciará o processo.

Vejamos como isso funciona: estima-se que em torno de 95% de todos os processos na justiça desportiva são realizados por meio do procedimento sumário; neste procedimento, somente a Procuradoria pode iniciar um processo. É dizer, portanto, que a esmagadora maioria dos processos na justiça desportiva só podem ser iniciados pela Procuradoria.

A Procuradoria inicia os processos por meio da denúncia. A denúncia é, na maior parte dos casos, baseada nos relatos que o árbitro faz na súmula (documento que tem presunção de veracidade; ou seja, caso não haja provas do contrário, tudo que o árbitro relata na súmula é considerado como verdadeiro).

É possível, porém, que haja denúncia com base em alguma outra prova, como uma prova de vídeo, por exemplo; pode ser que o Procurador veja algo que escapou à atenção da equipe de arbitragem (e que, portanto, não esteja relatado em súmula) e entenda por oferecer a denúncia e iniciar o processo[1].

Além dos processos do procedimento sumário (que, reitera-se, compõe a maior parte dos processos na justiça desportiva) é também de exclusivo à Procuradoria o oferecimento da transação disciplinar. Inspirado na transação penal, este instrumento permite que a Procuradoria sugira a aplicação imediata das penas de multa, suspensão por partida e suspensão por prazo. Neste procedimento, a Procuradoria oferece ao suposto infrator a aplicação imediata de uma das sanções citadas, evitando-se que o processo siga seu curso natural, imprimindo ainda mais celeridade.

A transação disciplinar é um dos procedimentos especiais listados no CBDJ. Nos demais procedimentos especiais, a Procuradoria não é, necessariamente, a parte que os inicia. Além da transação disciplinar, são estes os procedimentos especiais:

  • Inquérito: trata-se de uma investigação preliminar conduzida quando os fatos não estão suficientemente claros para a apresentação de uma denúncia. Pode ser determinado pelo Presidente do Tribunal competente (STJD ou TJD), a requerimento da Procuradoria ou da parte interessada. Caso não seja determinado pela Procuradoria, esta deve acompanhar o inquérito.
  • Impugnação de partida: este procedimento é limitado a duas hipóteses: 1. modificação de resultado, e; 2) anulação da partida. Aqueles que disputaram a partida ou aqueles que tenham imediato e comprovado interesse no seu resultado podem promover a impugnação de partida.
  • Mandado de garantia: inspirado no mandado de segurança da justiça comum, o mandado de garantia será concedido sempre que alguém sofrer (ou tiver justo receio de sofrer) violação de seu direito líquido e certo, ilegalmente ou com abuso de poder.
  • Reabilitação: Após 2 anos do trânsito em julgado da decisão (ou seja, quando não mais cabem recursos), a pessoa que sofreu a pena de eliminação pode pedir reabilitação ao tribunal.
  • Revisão: a revisão de processos já finalizados é admitida em três situações: 1) quando a decisão resultou de manifesto erro de fato ou de falsa prova; 2) quando a decisão tiver sido proferida contra a literalidade da lei ou evidência da prova; 3) quando, após a decisão, se descobrem provas da inocência do punido ou de atenuantes relevantes. A revisão só pode ser pedida pelo prejudicado.
  • Medida inominada: em casos excepcionais e no interesse do esporte, é possível a apresentação de qualquer medida que não esteja prevista no CBJD; trata-se das medidas inominadas. Tais medidas só são possíveis quando não houver outro caminho a seguir, ou seja, quando a parte precisa de algum tipo de ação do tribunal, fruto de uma situação não prevista no CBJD.

Como mencionado, porém, estes procedimentos não representam um número expressivo de processos na justiça desportiva; a Procuradoria é, sem dúvida, um dos pilares de sustentação do sistema normativo disciplinar jurídico-desportivo no Brasil.

Compreendida esta questão um pouco mais técnica a respeito da Procuradoria, nas próximas semanas esta coluna trará alguns exemplos práticos da atuação da Procuradoria nos tribunais desportivos, analisando alguns casos emblemáticos.

……….

[1] Importante ressaltar que, como regra, as decisões da arbitragem não são passíveis de modificação pelos tribunais desportivos. Esta regra está no artigo 58-B do CBJD. Este mesmo artigo, porém, no seu parágrafo único, admite que, excepcionalmente, em casos graves, o tribunal reveja alguma decisão do árbitro. Não é algo simples e, frequentemente, gera algum nível de polêmica. Falaremos sobre este aspecto com maiores detalhes em colunas futuras.

Compartilhe

Você pode gostar

Assine nossa newsletter

Toda sexta você receberá no seu e-mail os destaques da semana e as novidades do mundo do direito esportivo.