Em uma das minhas primeiras colunas aqui no Lei em Campo eu falei sobre ofensas aos árbitros. Salientei naquele texto que aqueles que xingam o árbitro ao ponto de ofendê-lo, não se limita a ofender a pessoa do árbitro, mas ofende também o esporte em si.
Mencionei que quando alguém diz, por exemplo, que o árbitro foi comprado para favorecer uma das equipes, está dizendo que aquele jogo, que aquele campeonato está manchado. Se é verdade que o árbitro está comprado, não há mais a incerteza do resultado.
E ainda que a ofensa não diga respeito a uma acusação de manipulação de resultado, estará quebrada a disciplina, fragilizada a autoridade de que a equipe de arbitragem deve estar investida.
Assim, a ofensa é prática punível pela Justiça Desportiva por ser considerada uma prática que ameaça o esporte e a competição esportiva, ainda que, também, atinja bens jurídicos puníveis em outra esfera.
Ocorre que os erros cometidos pela arbitragem também são práticas que ameaçam o esporte e a competição esportiva. E muito.
Um campeonato marcado por decisões questionáveis da arbitragem perde valor – e eu não me refiro somente ao seu valor monetário.
E, se estamos falando de proteger a competição, logo nos remetemos aos tribunais desportivos.
Importante fazer uma pequena distinção: quando as falhas da arbitragem parte de problemas estritamente técnicos, entendo não haver competência dos tribunais desportivos para lidar com o tema.
Ou seja, quando há deficiência técnica pura e exclusiva, o que frequentemente envolve má interpretação de lances, é atribuição da entidade de administração do esporte – no caso do futebol, a CBF – lidar com a questão.
Mas quando as falhas da arbitragem ultrapassam a questão meramente técnica, os tribunais desportivos podem atuar na defesa da integridade da competição.
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), no seu Capítulo VII, traz uma lista de infrações relativas à arbitragem. São condutas que, se praticadas pela equipe de arbitragem, podem ser punidas nos tribunais desportivos. Dentre elas, destaco as seguintes:
- Artigo 259 – pune o árbitro que deixa de observar as regras da modalidade com pena de suspensão de 15 a 120 dias; caso seja reincidente a suspensão sobe para 60 a 240 dias cumulada ou não com multa de R$100,00 a R$100.000,00.
O artigo pune a ignorância, o desconhecimento da regra. O artigo não pune o árbitro que interpreta uma situação de forma equivocada, ou seja, que crê que agiu de acordo com as regras do jogo, mas não o fez.
É dizer, por exemplo: o artigo pune o árbitro que permite que uma equipe de futebol atue com 12 atletas. Mas não pune o árbitro que deixa de aplicar um pênalti quando crê que não houve a falta dentro da grande área (ainda que tal falta tenha, de fato ocorrido).
O §1º do artigo 259 ainda prevê que a partida pode vir a ser anulada quando ocorrer o erro de direito grave o suficiente para alterar seu resultado.
Não basta, assim, a ocorrência do erro de direito para fins de anulação de uma partida. Tal erro deve ser grave o suficiente para ensejar a interferência do tribunal determinando a anulação da partida.
Veja, por exemplo, que quando o árbitro permite que um atleta de futebol cobre um lateral com os pés temos um erro de direito. Deveria o tribunal anular a partida por isso?
- Artigo 260 – pune o árbitro que se omite no dever de prevenir ou de coibir violência ou animosidade entre os atletas com suspensão de 30 a 180 dias; caso seja reincidente a suspensão sobe para 180 a 360 dias cumulada ou não com multa de R$100,00 a R$100.000,00.
É dever do árbitro impor seu poder disciplinar quando da ocorrência de fatos violentos ou que podem resultar em violência, coibindo a animosidade entre os atletas.
- Artigo 266 – pune o árbitro que deixa de relatar as ocorrências disciplinares da partida, ou o faz de modo a impossibilitar ou dificultar a punição de infratores, deturpar os fatos ocorridos ou fazer constar fatos que não tenha presenciado.
A pena é de suspensão de 30 a 360 dias, cumulada ou não com multa de R$100,00 a R$100.000,00.
A súmula da partida é um documento extremamente importante. Na maior parte dos casos é esse documento que sustenta uma denúncia nos tribunais desportivos.
Mais importante: a súmula tem presunção relativa de veracidade. É dizer: todas as informações que constam na súmula são verdadeiras até que se prove o contrário.
Em caso de conflito entre o que consta em súmula e o que dizem os representantes dos clubes, ausentes quaisquer outros meios de prova, prevalecerá o relato da súmula.
Com isso em mente, faz sentido que o CBJD puna o árbitro que redija a súmula: 1) de modo que impossibilite ou dificulte a punição dos infratores; 2) de modo a deturpar os fatos ocorridos e, 3) que conste fatos que não tenha presenciado.
Uma súmula mal redigida, deturpada ou com fatos que o árbitro não presenciou prejudica imensamente a competição.
Se, por um lado, é dever de todos o respeito à equipe de arbitragem e às suas decisões, também é dever da equipe de arbitragem o respeito ao esporte, tomando decisões o honrem, devendo o tribunal intervir quando a arbitragem não cumpre seu papel.