Semana passada, foi aprovado na Comissão do Trabalho da Câmara dos Deputados o PLS 3649/2020, de autoria do Deputado Júlio Cesar Ribeiro, que dispõe sobre o exercício da profissão de professor de artes marciais ou esportes de combate.
O PLS ora em discussão já foi abordado em artigo anterior acerca da questão da invalidação das certificações de professores de pequenas associações sem vínculos com federações ou confederações nos moldes que a lei exige, o que impediria o exercício da profissão por parte dos professores de artes marciais ou de esportes de combate que estejam vinculados somente a elas.
Tal impedimento ainda se faz presente no texto legal atual do projeto, pelo que a ressalva feita no artigo anterior, em forma de substitutivo, não afetaria a eficácia da lei, privilegiando os professores que, a despeito de não pertencerem aos modelos de entidades delineados no texto, ainda deteriam condições para atuar por já terem seu grau reconhecido em algum momento pelas mesmas entidades.
Não obstante, cumpre destacar um aspecto muito positivo do PLS, senão, vejamos:
Art. 4º No exercício da profissão, os professores de artes marciais ou de esportes de combate devem observar:
I – os princípios norteadores do desporto brasileiro e do estado democrático de direito;
II – s especificações técnicas, mecânicas e éticas atinentes à modalidade ou modalidades de sua certificação;
III – a saúde e a segurança dos atletas e demais pessoas envolvidas nos treinamentos e práticas corporais da modalidade.
Parágrafo Único. Os professores de artes marciais ou de esportes de combate que na inobservância do disposto neste artigo, forem considerados culpados por sentença judicial, transitada em julgado, de causar dano, seja de natureza material ou moral, à terceiros e à sociedade, perderão as prerrogativas de que tratam o art. 3º[1] desta lei, devendo a respectiva Confederação determinar a suspensão ou cancelamento da certificação, bem como, seu prazo. (grifo meu)
A lei tem implicações cruciais acerca dos limites da sala de treinamento. Embora as sutilezas legais não controlem estritamente a conduta de uma pessoa durante uma luta dentro do dojo ou ringue, o professor deve reservar um tempo para refletir sobre as consequências legais da forma como leciona suas aulas, podendo mesmo ficar incapacitado de dar aula caso condenado por sentença judicial, transitada em julgado, por causar dano, seja de natureza material ou moral, à terceiro e à sociedade.
Cumpre ressaltar também que a previsão legal alcança mesmo certos modelos de treinamento, onde o maior risco ocorre na academia, com uma cultura de sparring[2] equivocada, onde o professor expõe o atleta a um treino que pode se transformar em uma briga, estimulando os alunos a nocautearem uns aos outros.
Nesses moldes, um aluno que se sinta prejudicado e tenha sequelas físicas do treinamento poderia muito bem acionar o mestre judicialmente, o que, caso resulte em condenação do profissional, poderia incapacitá-lo para o ensino.
Sobre o tema da responsabilização do profissional de artes marciais e esportes de combate acerca de lesão de aluno em aula, convém trazer à baila julgado do Egrégio STJ:
RECURSO ESPECIAL Nº 473.085 – RJ (2002/0129879-1)
RELATOR: MINISTRO CASTRO FILHO
R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO
RECORRENTE: RUI NUNO NUNES FERNANDES
ADVOGADO: LEONARDO ORSINI DE CASTRO AMARANTE E OUTRO
RECORRIDO: ASSOCIAÇÃO ATLÉTICA BANCO DO BRASIL – AABB RIO
ADVOGADO: ORLANDO BARROS DA CUNHA
EMENTA
Indenização. Vítima de acidente ocorrido durante treinamento de judô, ministrado por preposto da recorrida, que a deixou tetraplégica. Acidente ocorrido em virtude de negligência do professor. Comprovados a conduta, os danos e o nexo de causalidade, presente o dever de indenizar da recorrida que responde pelos atos do seu preposto. Código de Defesa do Consumidor, art. 14, § 3º. Aplicação.
Recurso especial conhecido e parcialmente provido.
Bons professores de artes marciais lideram pelo exemplo. Eles treinam com afinco, cuidam dos alunos e mantêm seu lugar em boa ordem. Sua dedicação é evidente. Parte de ser um bom professor é ser alguém a quem os outros possam aspirar ser.
Isso significa treinamento. Os professores inspiram seus alunos mostrando-lhes o que podem alcançar com anos de prática consistente. É um prazer treinar com um artista marcial que é diversificado em suas habilidades, inteligente em sua abordagem e que trabalha duro.
Esse tipo de profissional verá tais mudanças legislativas como a materialização daquilo que sempre buscou ressaltar no exercício de seu mister.
Crédito imagem: MARWAN NAAMANI/AFP
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[1] Art. 3º São atribuições do professor de artes marciais ou de esportes de combate, dentro da modalidade ou modalidades em que for certificado nos termos do art. 2º desta lei:
I – ministrar aulas teóricas e práticas;
II – dar aulas de demonstrações;
III – coordenar, organizar, dirigir e executar treinamentos e competições;
IV – coordenar, organizar, dirigir e chefiar equipes de competições nacionais ou internacionais; e
V – lecionar em seminários;
[2] consiste num forma livre de combate, com o mínimo de regras ou arranjos informais