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O polêmico novo formato da Champions League e o futuro do futebol europeu

No ano passado, o mundo se viu totalmente abalado pela proposta da Superliga Europeia de clubes, que prometia revolucionar o futebol. Alguns dos 12 clubes mais ricos e influentes do planeta resolveram arquitetar uma nova competição, pois, naquele momento, diante da crise gerada pela pandemia e com a queda brutal nas receitas, havia uma promessa de se solucionar, a curto prazo, os problemas financeiros dessas equipes. Para tanto, vislumbravam grandes investimentos oriundos de um dos maiores bancos do mundo e de uma entrada de capital muito superior àquela recebida nas competições europeias.

Não era, contudo, apenas financeira a motivação dos clubes; eles pleiteavam, há anos, por uma maior participação e um maior poder decisório na UEFA (União das Associações Europeias de Futebol), queriam mudanças no formato da Liga dos Campeões e na distribuição dos recursos vindos da venda direitos de transmissão. Na época dos fatos, o autor teve a oportunidade de esclarecer todos os pontos jurídicos sobre essa proposta aqui nesse mesmo site, que não serão alvo desse artigo.[1]

Por conseguinte, após o abandono do projeto por nove equipes, que aceitaram pagar multas tanto em âmbito nacional como dentro da própria UEFA, o pendente desenrolar jurídico no Tribunal Europeu e a suspensão das medidas cautelares que impediam a imposição de sanções aos clubes fundadores remanescentes[2], a iniciativa foi praticamente extinta devido a sua inviabilidade comercial, esportiva e econômica. Sem embargo, algo dessa magnitude não deixou incólume o cenário do futebol.

Naquela ocasião, no centro e no auge dos debates acalorados, reconhecendo a necessidade de se alterar os rumos do futebol europeu e também para evitar o surgimento de novos movimentos do gênero, a UEFA alterou o formato da Liga dos Campeões, que entrará em vigor a partir da temporada 2024/25[3].

Evidentemente, os clubes dissidentes, que admitiram o suposto equívoco com a Superliga, possuem uma influência e uma importância, sem os quais não seria possível viabilizar nenhum tipo de competição continental. Afinal, já imaginou uma Liga dos Campeões sem as equipes inglesas? Não podemos olvidar o caráter politico presente na UEFA e a necessidade de ter essas entidades ao seu lado.

Dessa forma, foram introduzidas diversas mudanças, que serão debatidas minuciosamente nesse texto. A principal delas é o aumento do número de participantes e de jogos. Nesse sentido, a partir da edição de 2024/25, teremos 36 participantes, no lugar dos atuais 32. As atuais 125 partidas subirão para 225 por temporada, um aumento de 80% do número de jogos.

Em detalhe, serão jogadas 10 partidas na fase de grupos, 5 como mandante e 5 como visitantes, em vez dos atuais 6 jogos, divididos igualmente. Os oito primeiros colocados na fase de grupos irão se classificar direto para a fase mata-mata. Já os times que terminarem entre o 9º lugar e a 24ª posição irão disputar dois jogos com o objetivo de formar os 16 melhores clubes europeus e dar início às oitavas de final.

Outrossim, ainda há a possibilidade de um Final Four, que está sendo discutida nos bastidores da UEFA, em partidas únicas, a partir das semifinais, o que já tinha sido feito durante a pandemia e teve muito êxito em sua edição em Lisboa, atingindo números muito positivos de audiência e engajamento do público.[4]

Ocorre que, todavia, o aumento do número de jogos não foi bem visto pelos treinadores, jogadores e pelas Ligas europeias. No lado esportivo, para os protagonistas do espetáculo, um aumento de partidas representa adaptação do calendário, menos descanso e maior risco de lesões. Simultaneamente, cai o nível do espetáculo e sobem as pressões em cima dos treinadores. Nesse contexto, dois dos principais treinadores do mundo, os alemães Thomas Tuchel e Jurgen Klopp[5][6], alegaram que nem os jogadores e nem os treinadores foram consultados antes da aprovação da mudança.

Decerto, com o aumento na quantidade das partidas, se arrecada mais em direitos de transmissão, patrocínios, matchday (tudo aquilo percebido durante os dias de partida, seja bilheteria, venda de programa de sócios, artigos do clube, bar, por exemplo), proporcionando um aumento das receitas que é fundamental para a saída da crise econômica gerada pela pandemia. Com um bolo maior, automaticamente, as fatias também serão maiores.

Entretanto, assim como a proposta da Superliga, esse novo formato da Liga dos Campeões deve enfraquecer as Ligas Nacionais de maneira brusca. Isso porque, com o aumento do número de jogos, além de se criar uma concorrência cada vez mais recorrente ao produto interno, na parte esportiva, os clubes devem priorizar as competições europeias por motivos financeiros óbvios, inclusive poupando parte do plantel nos campeonatos nacionais, o que já ocorre com frequência.

Nessa esteira, a “hipertrofia” do campeonato europeu promete diminuir o interesse do público nas Ligas locais, o que repercutirá diretamente na audiência, nos espectadores nos estádios e, consequentemente, no valor dos direitos de transmissão e patrocínio dos campeonatos nacionais.

Além disso, os clubes que não participarem das competições europeias, nos 3 níveis existentes atualmente, serão muito prejudicados com as perdas de receita dos campeonatos nacionais, vitais para a sua sobrevivência, o que aumentaria a disparidade econômica ainda mais. Cogitou-se, inclusive, a diminuição dos campeonatos nacionais para 18 participantes, o que restringiria cada vez mais a elite e o acesso a divisão de elite nacional.

Segundo os estudos realizados pela Milano Finanza[7], sobre a Serie A, os torneios europeus (Champions, Europa League, Conference League e Supercopa) serão responsáveis por 57% dos 996 jogos anuais. Essa concorrência com o campeonato europeu, poderia gerar uma perda de interesse que representaria, no final, uma queda de 35 a 52% nos valores dos direitos audiovisuais em Laliga, na Espanha, por exemplo, conforme o site Calcio e Finanza.

Anos antes da aprovação da proposta, o presidente de Laliga, Javier Tebas, já havia concedido algumas declarações a imprensa, se opondo ao modelo mais inflado da Liga dos Campeões, o que, segundo ele, seria extremamente prejudicial ao campeonato local, que passaria a ser residual diante da concorrência do torneio europeu[8].

Ademais, com o aumento do número de participantes, 4 vagas teriam que ser distribuídas e os critérios adotados foram os seguintes: uma para o clube classificado em terceiro no campeonato da federação que estiver na quinta posição do ranking da UEFA, uma a um outro campeão doméstico e, as duas últimas – a principal polêmica -, atribuídas aos clubes com o coeficiente mais alto que não tenham se qualificado automaticamente para a fase de grupos da Champions League, mas que estejam classificados para a fase preliminar da Champions League, para a Liga Europa ou para a Conference League.

Como se podia imaginar, foi suscitada novamente a questão do mérito esportivo pela imprensa e pelas próprias Ligas, afinal não faria sentido condenar uma Superliga Europeia, com um sistema fechado, sem ascensos e descensos, com uma qualificação fixa e sem mérito esportivo de acordo com o campeonato nacional, e, ao mesmo tempo, ignorar esse formato de coeficiente.

Nesse contexto, devemos destacar que uma das maiores críticas ao modelo de Superliga, seria a possível violação ao artigo 51bis do Estatuto da UEFA[9], que trata sobre mérito esportivo. Ele é um dos princípios basilares do esporte europeu, que possui como uma parte do seu conceito, a existência de ascensos e descensos de clubes, o que não ocorreria com a Superliga, posto que os 12 clubes fundadores teriam vaga cativa na competição, sem importar os resultados obtidos nos respectivos campeonatos nacionais.

Com efeito, o coeficiente iria beneficiar os grandes clubes pertencentes as grandes ligas, principalmente os ingleses. Desse modo, isso configuraria em uma segunda chance a equipes que não obtiveram êxito na qualificação através do seu próprio rendimento nos campeonatos nacionais, burlando o mérito esportivo e assegurando uma vaga praticamente cativa para o rol dessas entidades.

Como antes mencionado, esse novo formato da Liga dos Campeões não agradou nem um pouco as Ligas, que já se reuniram para contrapor o modelo, pelos motivos acima explicitados[10][11]. Em contrapartida, pleiteiam uma diminuição no número de jogos na fase de grupos, para que se limite a oito partidas e a exclusão do conceito de coeficiente de rendimento para a qualificação para a competição. Para elas, o mérito esportivo nas ligas nacionais deve ser o único acesso ao torneio e que, sem isso, esse princípio basilar do esporte se veria seriamente comprometido.

Conforme o exposto, se por um lado o aumento da Champions League pode representar um aumento de receita para os clubes, ao mesmo tempo, pode implicar em perda de receitas em outro, com o esquecimento e perda da importância das Ligas Nacionais. Da mesma forma, os jogadores precisam ser mais ouvidos antes de qualquer mudança no calendário, uma vez que são uma das partes mais prejudicadas.

Por fim, ressalte-se, que, não se pode “matar” uma Superliga e criar uma competição, embora menos letal, que trará efeitos similares para algumas partes. Não podemos olvidar das equipes que, infelizmente, não participam das competições internacionais (grande maioria) e que serão diretamente afetadas com esse novo formato. O futebol deve continuar sendo democrático.

Crédito imagem: Getty Images

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[1] Superliga Europeia: Uma avalanche de dúvidas e o Direito em sua essência – Lei em Campo  – última consulta: 03.05.2022

[2] Reviravolta: Justiça diz que UEFA pode punir clubes por Superliga – 22/04/2022 – UOL Esporte  – última consulta: 03.05.2022

[3] Novo formato da Champions League pós-2024: saiba tudo | UEFA Champions League | UEFA.com –  – última consulta: 03.05.2022

[4] Champions League: Una ‘Final Four’ para la Champions | Marca – última consulta: 03.05.2022

[5] Real Madrid – Chelsea | Champions: Tuchel: “No me gusta el nuevo formato de la Champions, son más partidos” | Marca  – última consulta: 03.05.2022

[6] Klopp, contra el nuevo formato de la Champions (sport.es) – última consulta: 03.05.2022

[7] La nuova Champions minaccia i diritti tv della Serie A (calcioefinanza.it) – última consulta: 04.05.2022

[8] Tebas: “LaLiga corre peligro con la nueva Champions” (sport.es) – última consulta: 04.05.2022

[9] Estatuto da UEFA – UEFA Statutes (February 2018 edition) – Rules of Procedure of the UEFA Congress (April 2017 edition) – Regulations governing the Implementation of the UEFA Statutes (May 2018 edition) – última consulta: 04.05.2022

[10] La nuova Champions League quasi una Superlega (e i campionati?) – la Repubblica – última consulta: 04.05.2022

[11] Champions League: Las Ligas europeas piden que la fase de grupos de la nueva Champions se limite a ocho partidos | Marca – última consulta: 04.05.2022

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