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O temido cartão vermelho do One Championship

Geralmente, de acordo com as Regras Unificadas das Artes Marciais Mistas, se os lutadores cometem as ações listadas como faltas, geralmente resulta ou em uma advertência, dedução de pontos, luta sem resultado ou desqualificação em desfavor do lutador faltoso.

Porém, como sabemos, nem todos os eventos de MMA usam o mesmo regulamento.

Na Asia, é comum o controle de punições dos atletas no MMA através do sistema de cartões coloridos, como no futebol.

No MMA, o sistema de cartões ficou famoso ao ser adotado pelo Pride Fighting Championship, mítico evento japonês comprado pelo UFC em 2007.

Como o Pride FC não adotava as regras unificadas do MMA, o descaso de um atleta em iniciar qualquer ataque ofensivo, não fazer nenhuma tentativa de danificar o adversário ou finalizar a partida, ou agarrar o corpo do adversário com as pernas e braços para produzir um impasse, praticando um antijogo ou timidez (nome desse tipo de falta nas Regras Unificadas das Artes Marciais Mistas), resultava em um cartão amarelo ou verde.

Uma advertência era dada na forma de um cartão amarelo ou um cartão verde (o cartão verde resultava em dedução de 10% da bolsa de um lutador) quando um lutador não seguia as instruções do árbitro para engajar mais no confronto. Três advertências resultavam em uma desqualificação.

O Pancrase, evento japonês e, oficialmente, o primeiro evento de MMA que existiu, ainda adota tal regra, embora com algumas consideráveis diferenças, principalmente quanto à desclassificação do atleta, onde não são aplicados cartões nesses casos.

A regra permaneceu restrita ao MMA asiático, reaparecendo recentemente no evento One Championship, com sede em Singapura, cujas transmissões no Brasil foram iniciadas esse ano através do canal Combate.

 O One também não adota as Regras Unificadas das Artes Marciais Mistas e suas regras não são exatamente as mesmas do extinto Pride. Um cartão vermelho no One por inatividade resulta em uma desclassificação, senão vejamos a regra:

PENALIZAÇÃO DE FALTAS/PROBLEMAS LEGAIS

(…)

Cartões Amarelos – Qualquer desrespeito flagrante às regras ou paralisação pode resultar em um cartão amarelo. Um cartão amarelo resultará em uma dedução de 10% no dinheiro do prêmio do atleta e poderá influenciar a decisão dos juízes. Cada cartão amarelo é uma dedução sucessiva de 10% dos ganhos do atleta. Se um atleta for penalizado com um cartão amarelo, o oponente que recebeu a falta terá a opção de retomar o combate a partir da mesma posição que quando a falta ocorreu ou a partir de uma posição em pé.

Desclassificação / Cartão vermelho – A critério do árbitro, um atleta pode ser desclassificado com base em repetição de falta ou falta severa. Se um atleta for desclassificado, a empresa pode deduzir um mínimo de 30% a um máximo de 100% dos ganhos dos atletas. (tradução livre)

Conforme visto acima, é digno de nota que o árbitro pode, através de um cartão, retirar uma fração ou a totalidade da bolsa do atleta. Isso inclui até mesmo se a conduta do atleta for a de evitar a ação, conforme a própria regra dita, in verbis:

TRAVANDO A LUTA

Quando a ação diminui na posição de pé, o árbitro dará o comando “ação”. Quando a ação abranda no solo, o árbitro dará os comandos de “melhorar sua posição” ou “trabalhar para terminar”. Se a ação não tiver aumentado, o árbitro pode mandar os atletas retornar em pé ou penalizar com um cartão amarelo. Se um cartão amarelo for exibido, a partida será retomada a partir da posição de pé.

Os juízes laterais podem exibir um marcador vermelho ou azul como um sinal ao árbitro e à equipe do atleta que este está travando a luta. A equipe do atleta deve levar esta exibição em consideração e incentivar seu atleta para competir de forma mais ativa e agressiva. (tradução livre)

Da análise da parte destacada da regra acima, nota-se que a equipe também é responsável pela conduta do atleta no entender das regras do One, havendo, ainda, previsão do evento reter a bolsa do atleta por ato discricionário do árbitro do confronto, se este entender que o atleta está “enrolando” a luta.

Tais regras estiveram recentemente em pauta quando ocorreu, no dia 27 de janeiro, o ONE Friday Fights 2, no Lumpinee Boxing Stadium em Bangkok, Tailândia.

Os especialistas em grappling Harry “Kimura” Grech e Arash Mardani colidiram em uma luta de MMA no peso médio que terminou de forma anticlimática.

Lutador olímpico, Mardani atacou a perna principal de seu adversário com chutes que colocaram o australiano Grech em dificuldades nos primeiros minutos.

O iraniano Mardani continuou a atacar com chutes na maior parte do primeiro e segundo assaltos, fazendo com que Grech caísse de costas ao solo várias vezes.

No meio do segundo round, o árbitro Justin Brown exibiu um cartão amarelo para “Kimura” por sua falha em atacar. Infelizmente, Grech só acelerou o ritmo por alguns segundos voltando a cair repetidamente para trás cada vez que Mardani o atacava.

No último assalto, ambos receberam um cartão amarelo por passividade. Mardani aumentou sua agressividade e avançou com socos.

Exausto, Grech lutou quase totalmente na defensiva durante grande parte do terceiro assalto, forçando o árbitro a exibir-lhe um cartão vermelho por inatividade, faltando dois minutos para fim da luta.

Como resultado, Mardani recebeu a vitória por desclassificação do oponente, dando ao lutador sua primeira vitória profissional no icônico Lumpinee Stadium.

A controvérsia quanto a tal regra gira em torno da possibilidade de um atleta se comportar de modo por demais defensivo ser interpretada como uma forma de “não querer lutar”, um antijogo, e isso resultar em uma punição de restrição de 100% de sua bolsa.

Muito embora a competição precise de fato regular determinados aspectos esportivos para garantir que haja uma luta, a discricionariedade dos árbitros nesse caso pode prejudicar o atleta que desenvolve uma estratégia defensiva por já estar lesionado (por algum golpe que levou durante a luta) e busca sobreviver ao confronto sem ser nocauteado ou finalizado, o que seria mais danoso para o seu cartel de lutador.

Para que a regra não afete por demais os atletas, é imprescindível que os árbitros do evento tenham suficiente preparo nas variadas vertentes das artes marciais que compõe o corpo do MMA e das demais modalidades do One que fazem uso da regra, isso para que não haja interpretação errônea de determinadas posturas dos atletas.

A realidade é que são poucos os árbitros que se preparam praticando as modalidades de artes marciais nas quais costumam atuar na regulação, o que ajudaria o profissional a entender melhor como funciona a luta para os atletas e o que eles passam em determinadas situações.

O atleta já passa por um processo delicado de preparação: treino duro, alimentação restrita, viagens e pesagem. Seria injusto tirar-lhe parte da bolsa por este não conseguir desempenho satisfatório no meio da luta, muitas vezes até por questões psicológicas, apenas porque o árbitro acha que o atleta não esta sendo agressivo o suficiente.

A regra é necessária para o bom funcionamento do show, mas punir com restrição de parte, ou do total (!) da bolsa um atleta que cumpriu o contrato e apareceu para lutar no peso certo parece severo demais para ser feito sem uma observação precisa.

Crédito imagem: UFC/Twitter

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REFERÊNCIAS

COSTA, Elthon José Gusmão da. Aspectos jurídicos do Desporto MMA. 1ª. ed. São Paulo: Mizuno, 2023.

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