Aqui no eSports Legal já foi apresentada a Confederação Brasileira do Desporto Eletrônico (CBDEL), assim como foi demonstrada a razão pela qual ela é uma confederação ilegítima.
Também foi dissecado o projeto de lei do senado 383/2017, cuja iniciativa foi da CBDEL e que continua em tramitação.
Nesta oportunidade avaliaremos o projeto de lei 1512/2015, com tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo e recentemente teve sua redação vetada por completo pelo governador João Dória.
Redação original do PL 1512/2015
O projeto de lei 1512/2015, como divulgado em site oficial da confederação, foi redigido e formatado pelo presidente da CBDEL, Daniel Cossi e apresentado pelo Deputado Estadual Alexandre Pereira (SD) no dia 25/11/2015.
A redação original do projeto de lei, composto de seis artigos e a justificativa demonstram claro desconhecimento sobre a matéria – ou então oportunismo e parcialidade, que é pior.
Logo no parágrafo único do artigo 1º, quando busca caracterizar o esporte eletrônico apenas nas competições em que há “sistema de ascenso e descenso misto de competição” é possível identificar que esta lei impossibilitaria o modelo de franquias, que como debatido no artigo da semana passada, não conta com ascenso e descenso.
O mesmo parágrafo único define ainda que esporte eletrônico deve utilizar “round-robin tournament systems e o knockout systems”, o que é inconstitucional, visto que estabelecer em uma regulamentação estatal quais as formas que uma entidade de administração do desporto – mesmo uma federação – deve organizar suas competições é um desrespeito ao princípio da autonomia desportiva, previsto no artigo 217 da Constituição Federal.
Indo também na contramão da técnica legislativa e desrespeitando o artigo supracitado, está o artigo 4º:
“Artigo 4º – O Estado de São Paulo reconhece como fomentadora da atividade esportiva a Confederação, Federação, Liga e entidades associativas, que normatizam e difundem a prática do esporte eletrônico.”
Já foi explorado diversas vezes aqui no Lei em Campo que em nenhuma lei esportiva existe o uso dos vocábulos “confederação”, “federação” e muito menos “entidades associativas”, isso porque a forma como uma entidade de administração do desporto se constitui é livre.
Trâmite na Assembleia Legislativa
Após sua proposição no dia 25/11/2015, foi determinado que o projeto de lei deveria passar pelo crivo de três comissões: CAD (Comissão de Assuntos Desportivos); CFOP (Comissão de Finanças Orçamento e Planejamento); e CCJR (Comissão de Constituição Justiça e Redação).
Segue resumo do trâmite que o projeto de lei teve dentro da Assembleia Legislativa:
– 29/06/2016: foi aprovado com modificações pela Comissão de Constituição Justiça e Redação;
– 08/11/2016: foi novamente modificado e aprovado pela Comissão de Assuntos Desportivos;
– 20/06/2018: o projeto foi aprovado sem modificações pela Comissão de Finanças, Orçamento e Planejamento;
– 23/10/2019: o plenário da assembleia legislativa propôs uma emenda ao projeto, razão pela qual o projeto teve de ser novamente apreciado pelas comissões;
– 29/10/2019: em congresso, as três comissões foram favoráveis à emenda apresentada pelo plenário;
– 13/11/2019: aprovada a redação feita pela Comissão de Assuntos Desportivos, com ressalvas;
– 04/12/2019: apresentada redação final;
– 16/12/2019: recebido pelo Governador, João Dória, para sanção ou veto.
Redação final
Como visto no item anterior, o projeto de lei passou por diversas alterações durante a sua tramitação, mas as alterações mais visíveis foram mais na forma, com poucas mudanças em seu conteúdo, permanecendo uma lei que desafia a constituição.
Apesar de terem sido retiradas a restrição de competições que não possuam sistema de ascenso e descenso ou não sejam organizadas de forma específica, a descrição do que é esporte eletrônico não parece a mais acertada:
“Entende-se por esporte eletrônico, para os fins desta lei, toda atividade lúdica que, fazendo uso de artefatos eletrônicos, permite a competição entre dois ou mais participantes, enquadrando-se nessa definição os “videogames”, jogos para computadores, jogos para telefones celulares, “games online” via internet, fliperamas e “arcades”, aparelhos de ginástica, jogos envolvendo robôs, e outros assemelhados.”
Além disso, a redação que constava no artigo 4º passou a constar com algumas alterações – e com a estanha adição de “e sem fins lucrativos no seu final” – no artigo 3º:
Artigo 3º – O Poder Público reconhecerá como apoiadores do esporte eletrônico a Confederação, Federação, Liga e outras entidades associativas dessa modalidade desportiva, que a normatizam e difundem sua prática com finalidade esportiva e sem fins lucrativos.
A prática do esporte eletrônico nasce com a finalidade lucrativa e é quase impossível desassociar esta finalidade, principalmente porque qualquer manifestação do esporte eletrônico depende da utilização de um jogo eletrônico, que por sua vez só é possível com a permissão daqueles que possuem a sua propriedade intelectual, as desenvolvedoras.
Veto total ao projeto de lei, por João Doria
O Veto total ao projeto de lei 1512, de 2015, foi publicado no Diário Oficial do Estado de São Paulo de 14 de janeiro de 2020.
A principal motivação do governador para o veto total foi a de que “o esporte eletrônico (ou “e-sport”) está situado na esfera dos “softwares” voltados à recreação, que habitam o campo da propriedade intelectual, constituindo-se, assim, propriedade de seus desenvolvedores ou das empresas que detêm o controle sobre o seu uso e distribuição.
Quer isso dizer que a disciplina acerca da prática do “e-sport” diz respeito ao exercício da propriedade intelectual, matéria inserida no campo do Direito Civil. Diante disso, a inovação normativa pretendida invade competência legislativa reservada à União, na forma prevista no artigo 22, inciso I, da Carta da República, não podendo ser validamente emitida por Estado.”
Esta motivação não encontra respaldo.
É verdadeira a afirmação de que a utilização do software deve respeitar a legislação que protege a propriedade intelectual. Ocorre que as relações jurídicas em que importa a propriedade intelectual não fazem parte da atividade esportiva eletrônica.
Sendo mais claro: as relações jurídicas que permeiam o esporte – e são reguladas pela legislação esportiva – não têm qualquer ligação com a propriedade intelectual da desenvolvedora.
São exemplos de atividades: a organização da competição com a respectiva filiação de clubes e atletas, a relação empregatícia entre o clube e o atleta, etc.
Apesar desse erro de interpretação, Doria completa, indo de encontro aos argumentos expostos neste artigo: “De se registrar que, ainda que pudesse ser superado o obstáculo da definição conceitual do esporte eletrônico, e admitido – por hipótese – o seu reconhecimento, meramente, como uma modalidade de desporto, ainda assim a proposição não encontraria respaldo na ordem constitucional, diante do princípio da autonomia das entidades desportivas dirigentes quanto à sua organização e funcionamento, insculpido no artigo 217, inciso I, da Constituição da República”.