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Os acidentes no esporte de combate e o dever de indenizar das entidades desportivas

No dia 21 de janeiro de 2023, ao disputar o Mundial de Jiu-Jitsu No Gi (ou, no popular, sem kimono) pela Confederação de Jiu Jitsu Esportivo (CBJJE), o atleta John “Snake” David sofreu uma grave lesão na cervical, resultando em internação médica.

O atleta, ex-campeão dos pesos leves do evento de MMA Jungle Fight, divulgou através de suas redes sociais seu atual estado de saúde. Nas redes, o atleta tem divulgado uma vaquinha virtual para a cobertura das despesas médicas, assim como outros eventos criadas para arrecadação de valores para ajudar na recuperação de John.

Como não temos informação de que o promotor do evento do qual John participara está a cobrir ou não as despesas médicas do atleta, passaremos a tecer algumas colocações sobre a questão do dever de indenizar de maneira genérica.

Sabemos que o artigo 45 da Lei 9615 /98 (Lei Pelé) obriga as entidades desportivas a contratarem um seguro de vida e acidentes pessoais. Apesar de muitos não terem conhecimento sobre o tema, através do seguro os esportistas passam a garantir uma indenização mínima em caso de sinistro.

A questão aqui, que já tratei em outros artigos, é que a lei ainda não considera um atleta de esporte de combate como profissional pela ausência do contrato formal de trabalho com entidade desportiva registrado em entidade de administração nacional da modalidade.

Tal lacuna permite que os promotores de esportes de combate sigam as regras que bem entenderem em relação à proteção do atleta no Brasil. O inciso I do artigo 217 da Constituição Federal garante essa autonomia às entidades desportivas, dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento.

Em outras palavras, a entidade que pretender promover um evento de desporto de combate não está por lei obrigada a fazer seguro para o atleta participante.

 No Brasil, a prática desportiva é exercida ao abrigo de um contrato, verbal ou escrito, gratuito ou oneroso, geralmente bilateral e excepcionalmente unilateral.

Assim, da violação de cláusulas contratuais, explícitas (na maioria dos contratos escritos) ou implícitas (porque não mencionadas, mais típicas da atividade desportiva praticada), surge a obrigação de indenizar.

Esta obrigação decorrente do descumprimento de cláusulas contratuais resulta da vontade das partes ou da lei. O contrato que sempre surge em uma prática esportiva pode ser traduzido como a união (acordo) de vontades visando o cumprimento das regras (lícitas) propostas para a atividade a ser desenvolvida.

Estas podem ser normas estabelecidas para atividades esportivas formais ou normas adaptadas de acordo com a vontade e possibilidade de quem pretende desenvolver esportes não-formais, como é o caso da luta no Brasil.

Em princípio, é contrato desportivo unilateral (ou benéfico), exclusivamente, o fruto do desporto eminentemente social, levado a efeito por aqueles que se doam pela causa social, de forma completamente desinteressada (salvo pelo benefício social da causa), sem qualquer obrigação pessoal ou contrapartida (remuneratória, de marketing, política etc.).

É contrato unilateral, exclusivamente, no que se refere a esta pessoa (promotora social do desporto) e os beneficiados pela conduta desportiva (praticantes do desporto). Entre os praticantes do desporto, há contrato bilateral (entre si, possuem os praticantes do desporto um contrato bilateral). Significa dizer que, nesta hipótese restrita, a promotora social do desporto responderá pelas violações contratuais dolosamente provocadas:

Código Civil

Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.

A responsabilidade civil na prática das atividades desportivas, e a razão da presente distinção, resulta da análise de tais violações contratuais que pode ser, em alguns casos, dolosa, culposa ou, simplesmente, de resultado danoso (objetiva), sem questionar se houve dolo ou culpa.

A indenização baseada no rigor da culpa está cedendo espaço para o propósito maior de reparar os danos, buscando amparar as vítimas dos infortúnios, mesmo sem a presença da culpa comprovada, em harmonia com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, conforme exposto no art. 3º da Constituição da República. Desse modo, o instrumental jurídico está mudando seu foco de atenção dos danos causados para os danos sofridos.

Independentemente de se perquirir qualquer culpa, sendo a incolumidade física dos atletas competidores, sua segurança enquanto disputavam o torneio – o qual o atleta John David participou – de responsabilidade do organizador da competição, qualquer risco referente a tal segurança decorre da atividade desempenhada.

Ou seja, aplicar-se-ia a teoria do risco criado, visto que a disputa de competição desportiva sujeita os competidores a riscos de todas as sortes.

O art. 2º, XI, da Lei n. 9.615/98, prevê como um dos princípios basilares do desporto nacional a segurança dos atletas. A exigência de contratação de seguro de vida e de acidentes pessoais para os atletas também consta dos arts. 29, § 6º, III, e o já citado 45 da mesma lei.

Como decorrência lógica, até para cobrir os danos decorrentes da responsabilidade objetiva, tais entidades deveriam contratar seguros de acidentes e de vida para os atletas de esportes de combate, estes bem mais sujeitos a sinistros que atletas de outras modalidades, como foi o caso de John.

Crédito imagem: Leonardo Fabri

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REFERÊNCIAS

PETACCI, Diego. Acidentes de Trabalho no Esporte Profissional. 1ª. ed. São Paulo: LTr, 2016.

RODRIGUES, Helder Gonçalves Dias. A responsabilidade civil e criminal nas atividades desportivas. São Paulo: Servanda, 2004.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional. 12ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.

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