Os últimos dias de abril ficarão marcados no universo dos esportes americanos por diversos motivos que têm relação com o NIL, o dinheiro que os atletas universitários podem obter a partir da exploração comercial de seus nomes, imagens e semelhanças/aparências.
De fato, no que se refere aos fatos ocorridos fora das quadras ou dos campos e à exceção da especulação de que a Amazon teria um acordo estruturado para se tornar a nova parceira de mídia da NBA, possibilidade já ventilada por aqui, o NIL tem roubado a cena no noticiário das principais ligas esportivas dos Estados Unidos.
Para quem ainda não se habituou à expressão, o NIL (correspondente às iniciais de name, image e likeness), tema do qual tratamos recentemente na coluna, decorre de uma histórica decisão da Suprema Corte proferida em 21 de junho de 2021, no caso NCAA vs Alston.
Embora outros processos judiciais também abordassem a questão, foi a partir dessa decisão que os atletas universitários passaram a ter o direito de auferir rendimentos que, até então, iam para outros bolsos.
O caso mais emblemático era o de Ed O’Bannon, ex-jogador de basquete que ajuizara, em julho de 2009, uma ação contra a NCAA e contra a Collegiate Licensing Company por ter tido a sua imagem e atributos utilizados, sem autorização, em um jogo eletrônico.
O NIL foi mencionado, por exemplo, em todas as matérias que repercutiram o anúncio do contrato de Caitlin Clark com a Nike. O acordo, que prevê uma linha de tênis que levará a assinatura da atleta, deverá pagar a ela US$ 28 milhões por 8 anos.
Isso é bem mais do que a jogadora já recebia da própria Nike e de outras gigantes do mercado como Gatorade e State Farm, que associaram suas marcas à de Clark bem antes de ela se tornar a primeira escolha do Draft da WNBA.
Por falar em Draft, o NIL também se fez presente nos meandros da NFL, que encerrou, no último final de semana, o recrutamento dos atletas universitários que passarão a integrar os elencos das equipes a partir da próxima temporada.
Isso porque, no fim das contas, apenas 58 atletas que cursavam os primeiros anos de universidade se declararam para o Draft. No futebol americano, esse número é o menor desde 2011. Para muitos analistas, a explicação é clara: o NIL.
Com efeito, diante da possibilidade de ganhar dinheiro enquanto ainda estão na universidade, os jovens jogadores estão menos propensos a, antecipadamente, arriscar a sua saúde e as suas carreiras na NFL.
Como apontou uma matéria do The Athletic, embora, via de regra, os valores pagos a título de NIL não venham a público, sabe-se que a maioria dos atletas selecionados nas três primeiras rodadas do Draft já embolsaram quantias significativas durante a passagem pelo esporte universitário.
Para ilustrar, estima-se que a primeira escolha deste ano, o quarterback Caleb Williams, que jogará pelo Chicago Bears, tenha ganhado, até hoje, cerca de US$ 10 milhões em razão do NIL.
Evidentemente, Williams, um talento badalado desde o ensino médio, está no topo da “cadeia alimentar”, assim como a citada Caitlin Clark. E nem todo mundo é Bronny James (filho de LeBron) ou Arch Manning (sobrinho de Peyton e Eli Manning), gente cujos (sobre)nomes, independentemente do nível de talento, bastam para atrair a atenção do mercado publicitário.
No entanto, é certo que muitos profissionais envolvidos nos processos de recrutamento têm relatado diferenças nas interações com os jogadores antes e depois do NIL.
O técnico do Las Vegas Raiders, Antonio Pierce, ele mesmo um ex-atleta que chegou à NFL vindo do futebol americano universitário, afirmou:
“Você realmente sente isso, que esses caras têm dinheiro no banco. (…) Quando entrei na liga, eu estava falido. Esses caras já usam as malditas joias e acessórios da Louis Vuitton”.
Kevin O’Connell, treinador do Minnesota Vikings, pondera que é mais difícil saber como jogadores que já se realizaram financeiramente responderão às adversidades, algo que também preocupa o agente Ron Slavin:
“Eles já têm dinheiro no bolso, então você vê alguns caras não se esforçando tanto nos treinamentos pré-Draft. E ninguém mais está comendo aqueles pacotes baratos de macarrão…”.
O menor salário para um novato da NFL em 2024 é de US$ 795.000. Os atletas selecionados no Draft assinam contratos de quatro anos, sendo que aqueles escolhidos na primeira rodada têm a opção de assinar por um quinto ano, de acordo com um escalonamento baseado na posição em que foram draftados.
Caleb Williams tem garantidos US$ 38,5 milhões por quatro anos. No início da segunda rodada do Draft, o valor cai para menos de US$ 10 milhões e, a partir da quarta rodada, os jogadores ganham em média cerca de US$ 1 milhão por temporada.
O General Manager do Vikings, Kwesi Adofo-Mensah, afirma que alguns atletas que ele vem observando há anos ainda não se declararam para o Draft:
“É uma questão de oferta e demanda. Muitos desses jogadores conseguiram um bom dinheiro para continuar na faculdade. Isso vai afetar a nossa liga e a profundidade dos elencos em algumas posições”.
Já Jason Belzer, CEO e cofundador da Student Athlete NIL, uma agência especializada em gerir contratos de NIL, sentencia:
“Acho que o NIL afetou consideravelmente a NFL, mas para melhor. Há cada vez mais jogadores que optam por permanecer no futebol universitário, desenvolver-se e serem pagos, em vez de se declarar para o Draft. Existem vários quarterbacks que ganharam mais de US$ 1 milhão que não vão receber tanto dinheiro [na NFL] porque serão escolhidos nas últimas rodadas. O NIL é a melhor coisa que já aconteceu à liga quando se trata de desenvolvimento dos atletas”.
Belzer crê que aproximadamente 40 jogadores universitários ganharam mais do que os US$ 750.000 que foram o mínimo salarial pago a atletas novatos da NFL em 2023, com muitos ganhando ao menos US$ 500.000.
Desse modo, para escolhas tardias no Draft que não têm nenhuma garantia de que irão entrar na rotação dos times, a decisão de permanecer na universidade pode ser mais fácil do que parece.
Um outro agente de jogadores, Eugene Lee, também é direto a respeito:
“Ser selecionado no Draft é uma grande honra, não importa se na sexta ou na sétima rodadas. Porém, se você for escolhido na sétima rodada, receberá um bônus de assinatura de US$ 90.000, e essa é a única parte garantida do seu contrato. Compare isso com uma universidade em que você é titular de uma equipe que te diz: ‘Ei, fique! Nós lhe daremos US$ 350.000.’ É quase como uma apólice de seguro”.
Há pouco tempo, quem poderia imaginar um jogador de futebol americano tendo de aceitar uma redução financeira para jogar na NFL?
Hoje, graças ao NIL e a todo um movimento legislativo que a decisão da Suprema Corte em NCAA vs Alston desencadeou, essa é uma realidade que ninguém mais nega.
Crédito imagem: Kirby Lee/USA Today Sports
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