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Pensar a volta da torcida ao jogo: a hora é essa?

A pandemia de Covid-19 se consagra como marco na história recente da humanidade, certamente, proporcionará caminhos novos e inusitados, o que não significam dizer que os demais existentes estarão obstruídos.

Com efeito, observo a sua incidência no mundo esportivo e registro algumas passagens, inclusive, havendo publicado aqui mesmo no Lei em Campo artigos que refletem momentos diversos (Novo coronavírus e seus reflexos sobre o equilíbrio desportivo (par conditio) nas competições esportivas[1]; “E agora, José?” – dilemas do mundo do esporte pós-pandemia de Covid-19[2]; O Estatuto do Torcedor resistirá à Covid-19 ou será contagiado por mudanças?[3]).

O quadrante em que nos encontramos na luta contra pandemia é preocupante e doloroso, de um lado um crescente número de óbitos – o Brasil se aproxima dos quase 100.000 mortos- e do outro a necessidade de retomar com mais vigor a atividade econômica, para que empresas e empregos possam ser preservados, sem que se ingresse num eventual caos.

A fonte de inspiração desta coluna nasceu durante o I Congresso Digital – Covid-19 Repercussões Jurídicas e Sociais da Pandemia, organizado pelo Conselho Federal da OAB, onde, ladeado pela Presidente da Federação Paraibana de Futebol, Michele Ramalho, ouvia sua fustigação pelo retorno de público aos jogos. Sustentava sua tese na própria reabertura em si do comércio e das atividades habituais que foram suspensas como efeitos da pandemia, fato que se assiste nacionalmente. Exemplificou, ainda, que num shopping center transita um número maior de pessoas e não tem o mesmo controle que se pode ter dentro de um estádio de futebol.

As partidas de futebol foram interrompidas ante o elevado risco em potencial de se ampliar ainda mais o contágio da covid-19, basicamente. Inacreditavelmente, em março, se viu uma série de ligas e entidades de administração do desporto suspender a realização de jogos – não apenas de futebol e sim de todas as modalidades.

O impacto foi imenso. Ficamos estatelados sem saber o que fazer. A vida foi parando paulatinamente e a angústia das notícias desairosas se multiplicavam.

O tema retorno dos campeonatos foi por mim acompanhado bem perto, pude perceber angústia de amigos queridos que, atualmente, exercem funções em entidades de administração do desporto. Posso dizer que vivi o dilema e as dores enfrentadas por eles. À época[4] vociferou-se deveras do absurdo que significaria a retomada dos campeonatos, que se constituiria num risco à vida em sociedade e que o futebol – um sinônimo de alegria – não deveria ser praticado naquele instante.

Todavia, aos poucos, recobrando-se a lucidez, o futuro do futebol voltou a ser pensado – publicamente e sem peias-, trazendo-se à luz protocolos médicos da volta dos campeonatos e toda a estruturação por detrás dela, para que os clubes fossem preparados para esse novo momento, bem como os seus funcionários, incluídos os atletas.

Atualmente, no Brasil, foram retomados a imensa maioria dos torneios que foram paralisados por força da pandemia. Os resultados têm sido bastante favoráveis à continuidade do calendário do futebol, por revelar que os protocolos exibiram uma aplicação eficiente e segura.

Naturalmente, não se pode dizer, nem mesmo se esperaria, um êxito pleno e irretorquível. Porém, a execução dos protocolos tem sido bem feita, minorando danos e prejuízos, inexistindo qualquer evidência de que alguma praça desportiva foi palco de difusão da covid-19.

A solução inicial para a retomada dos campeonatos passou por extirpar do horizonte mais próximo – leia-se pelo menos até o fim da temporada- a presença de público nos estádios. Afinal, algumas partidas realizadas na Europa, ainda em março, foram tidas como elementos difusores da pandemia.

A limitação do acesso de pessoas ao local onde se realiza uma partida de futebol é vista como a principal chave do sucesso. Contudo, alguns países já começam a refletir e testar a volta do público aos estádios.

Será que poderemos ter público nos jogos do Campeonato Brasileiro de 2020?

Esta é uma questão que merece ser pensada desde já, por aqueles que cuidam e pensam o futebol. Não se encontrará a sua resposta de forma simplista, será necessário discutir de forma sincera e direta, o que implicará contar com a torcida nos jogos do clube do seu coração.

A ponderação feita por Michele Ramalho não é algo inusitado, mas qualifico como lúcida e adequada. Apesar dos altos índices de mortalidade e da incerteza sobre o almejado fim do pico ou da alta taxa de contaminação do covid-19, força convir que não se abandonou o interesse em ter o torcedor no campo de jogo.

O dito novo normal contempla o uso de ferramentas tecnológicas que amainem a dor da distância do estádio que sente qualquer fã de futebol. Ainda assim não é suficiente para conter o desejo de reviver as sensações e arroubos emocionais singulares e exclusivos da vida num estádio de futebol.

Por isso, pensar o retorno é preciso e urge. Discutir, debater, projetar, criar são verbos que devem ser tornados realidade. Mesmo que se conclua pela sua impossibilidade, o simples aspecto de trazer o tema a baila já é importante para idealizar protocolos, novas etiquetas comportamentais, alterações necessárias, enfim, construir um normal novo.

O que escrevo aqui já se faz em alguns países da Europa, como a Holanda, que, num primeiro momento refutou retorno de torcedores até a existência de uma vacina[5]; contudo, estudam a viabilidade de contar com jogos com torcida na temporada 2020/2021[6]. Na França, as primeiras experiências foram exitosas e seguirão monitoradas, podendo haver retração ou mesmo expansão dos números de torcedores autorizados[7]. Ambos os países, frise-se, adotaram medidas mais severas em relação ao futebol, determinando o encerramento prematuro das partidas ainda pendentes do campeonato nacional da temporada 2019/2020.

No Brasil, antes mesmo da estimada Michele Ramalho trazer a lume o tema, a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) havia projetado para que as finais do Campeonato Estadual contemplassem a presença de público. Entretanto, em face da ausência de dados concretos de estudos que autorizassem a criação de protocolos específicos, a ideia ficou somente no papel[8].

A questão é de se aceitar o “novo normal” do futebol sem torcida, enquanto se aguarda uma vacina[9], ou iniciar a se pensar na construção de um “normal novo” com retorno do público ao estádio, ainda que com restrições e novos padrões de conduta para a torcida.

Nessa jornada que trilhamos até aqui, a certeza que se tem é de que é caminhando que se faz o caminho, afinal, enquanto houver sol, ainda haverá!

……….

[1] Disponível em:< https://leiemcampo.com.br/novo-coronavirus-e-seus-reflexos-sobre-o-equilibrio-desportivo-par-conditio-nas-competicoes-esportivas/> Acessado em 03 ago 2020.

[2] Disponível em: < https://leiemcampo.com.br/e-agora-jose-dilemas-do-mundo-do-esporte-pos-pandemia-de-covid-19/> Acessado em 03 ago 2020.

[3] Disponível em: < https://leiemcampo.com.br/o-estatuto-do-torcedor-resistira-a-covid-19-ou-sera-contagiado-por-mudancas/> Acessado em 03 ago 2020.

[4] Apesar de expressão dimensionar “muito tempo atrás”, me refiro aos meses de março, abril e maio quando se intensificou bastante o debate; contudo, este tempo excepcional que vivemos nos imprime a sensação de que dois ou três meses implicam em anos!

[5] Disponível em:< https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-holandes/noticia/jogos-na-holanda-nao-terao-publico-ate-que-se-encontre-uma-vacina-contra-o-coronavirus.ghtml> Acessado em 03 ago 2020.

[6] Disponível em:<https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/noticia/futebol-ou-opera-holanda-anuncia-volta-do-publico-para-setembro-mas-pede-que-torcida-evite-cantar.ghtml> Acessado em 03 ago 2020.

[7] Disponível em:< https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-frances/noticia/governo-da-franca-autoriza-que-jogos-de-futebol-recebam-ate-5-mil-pessoas-a-partir-de-11-de-julho.ghtml> Acessado em 03 ago 2020.

[8] Disponível em:< https://www.uol.com.br/esporte/futebol/colunas/rodrigo-mattos/2020/06/30/ferj-cita-questoes-temporais-e-indica-carioca-sem-publico-ate-a-final.htm> Acessado em 03 ago 2020.

[9] Destaco entre as vozes nesse sentido, quiçá, a mais autorizada seja do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva da UFPR. Disponível em:< http://www.inteligenciaesportiva.ufpr.br/site/wp-content/uploads/2020/07/Boletim-07-IE-Covid19.pdf> Acessado em 03 ago 2020.

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