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Péssima arbitragem? Os tribunais desportivos podem (e devem!) agir

No dia 22 de julho, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD)[1] recebeu uma Notícia de Infração do Atlético Mineiro denunciando a conduta do árbitro Anderson Daronco contra o atleta Hulk.

Este caso específico já havia sido abordado nesta coluna; na ocasião afirmei que pelo bem da competição o grave relato do atleta sobre as supostas palavras do árbitro deveria ser esclarecido, e de forma transparente. Tal coluna data de 11 de julho e, até a data de hoje (08 de agosto) nada foi esclarecido.

Não é, contudo, somente o Atlético Mineiro que vem se queixando da qualidade da arbitragem. O atual líder do maior campeonato do país, o Palmeiras, enviou reclamação formal à CBF recentemente; o Flamengo também fez duras reclamações contra a arbitragem.

A CBF chegou a incluir o árbitro Luiz Flávio de Oliveira e o VAR Wagner Reway no Programa de Assistência ao Desempenho do Árbitro (PADA) após análise da atuação de ambos durante a partida entre Flamengo e Athletico Paranaense pela Copa do Brasil[2].

Em uma das minhas primeiras colunas aqui no Lei em Campo eu falei sobre ofensas aos árbitros. Salientei naquele texto que aqueles que xingam o árbitro ao ponto de ofendê-lo, não se limita a ofender a pessoa do árbitro, mas ofende também o esporte em si.

Mencionei que quando alguém diz, por exemplo, que o árbitro foi comprado para favorecer uma das equipes, está dizendo que aquele jogo, que aquele campeonato está manchado. Se é verdade que o árbitro está comprado, não há mais a incerteza do resultado.

E ainda que a ofensa não diga respeito a uma acusação de manipulação de resultado, estará quebrada a disciplina, fragilizada a autoridade de que a equipe de arbitragem deve estar investida.

Assim, a ofensa é prática punível pela Justiça Desportiva por ser considerada uma prática que ameaça o esporte e a competição esportiva, ainda que, também, atinja bens jurídicos puníveis em outra esfera.

Ocorre que os erros cometidos pela arbitragem também são práticas que ameaçam o esporte e a competição esportiva. E muito.

Um campeonato marcado por decisões questionáveis da arbitragem perde valor – e eu não me refiro somente ao seu valor monetário.

E, se estamos falando de proteger a competição, logo nos remetemos aos tribunais desportivos.

Importante fazer uma pequena distinção: quando as falhas da arbitragem parte de problemas estritamente técnicos, entendo não haver competência dos tribunais desportivos para lidar com o tema.

Ou seja, quando há deficiência técnica pura e exclusiva, o que frequentemente envolve má interpretação de lances, é atribuição da entidade de administração do esporte – no caso do futebol, a CBF – lidar com a questão.

Mas quando as falhas da arbitragem ultrapassam a questão meramente técnica, os tribunais desportivos podem atuar na defesa da integridade da competição.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), no seu Capítulo VII, traz uma lista de infrações relativas à arbitragem. São condutas que, se praticadas pela equipe de arbitragem, podem ser punidas nos tribunais desportivos. Dentre elas, destaco as seguintes:

  • Artigo 259 – pune o árbitro que deixa de observar as regras da modalidade com pena de suspensão de 15 a 120 dias; caso seja reincidente a suspensão sobe para 60 a 240 dias cumulada ou não com multa de R$100,00 a R$100.000,00.

O artigo pune a ignorância, o desconhecimento da regra. O artigo não pune o árbitro que interpreta uma situação de forma equivocada, ou seja, que crê que agiu de acordo com as regras do jogo, mas não o fez.

É dizer, por exemplo: o artigo pune o árbitro que permite que uma equipe de futebol atue com 12 atletas. Mas não pune o árbitro que deixa de aplicar um pênalti quando crê que não houve a falta dentro da grande área (ainda que tal falta tenha, de fato ocorrido).

O §1º do artigo 259 ainda prevê que a partida pode vir a ser anulada quando ocorrer o erro de direito grave o suficiente para alterar seu resultado.

Não basta, assim, a ocorrência do erro de direito para fins de anulação de uma partida. Tal erro deve ser grave o suficiente para ensejar a interferência do tribunal determinando a anulação da partida.

Veja, por exemplo, que quando o árbitro permite que um atleta de futebol cobre um lateral com os pés temos um erro de direito. Deveria o tribunal anular a partida por isso?

  • Artigo 260 – pune o árbitro que se omite no dever de prevenir ou de coibir violência ou animosidade entre os atletas com suspensão de 30 a 180 dias; caso seja reincidente a suspensão sobe para 180 a 360 dias cumulada ou não com multa de R$100,00 a R$100.000,00.

É dever do árbitro impor seu poder disciplinar quando da ocorrência de fatos violentos ou que podem resultar em violência, coibindo a animosidade entre os atletas.

  • Artigo 266 – pune o árbitro que deixa de relatar as ocorrências disciplinares da partida, ou o faz de modo a impossibilitar ou dificultar a punição de infratores, deturpar os fatos ocorridos ou fazer constar fatos que não tenha presenciado.

A pena é de suspensão de 30 a 360 dias, cumulada ou não com multa de R$100,00 a R$100.000,00.

A súmula da partida é um documento extremamente importante. Na maior parte dos casos é esse documento que sustenta uma denúncia nos tribunais desportivos.

Mais importante: a súmula tem presunção relativa de veracidade. É dizer: todas as informações que constam na súmula são verdadeiras até que se prove o contrário.

Em caso de conflito entre o que consta em súmula e o que dizem os representantes dos clubes, ausentes quaisquer outros meios de prova, prevalecerá o relato da súmula.

Com isso em mente, faz sentido que o CBJD puna o árbitro que redija a súmula: 1) de modo que impossibilite ou dificulte a punição dos infratores; 2) de modo a deturpar os fatos ocorridos e, 3) que conste fatos que não tenha presenciado.

Uma súmula mal redigida, deturpada ou com fatos que o árbitro não presenciou      prejudica imensamente a competição.

  • Artigo 273 – Pune o árbitro que pratica atos com excesso ou abuso de autoridade.

A pena é de suspensão de quinze a cento e oitenta dias, cumulada ou não com multa, de R$ 100,00 a R$ 1.000,00

Se, por um lado, é dever de todos o respeito à equipe de arbitragem e às suas decisões, também é dever da equipe de arbitragem o respeito ao esporte, tomando decisões o honrem, devendo o tribunal intervir quando a arbitragem não cumpre seu papel.

Crédito imagem: Flamengo

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[1] https://www.stjd.org.br/noticias/atletico-entra-com-ni-contra-daronco

[2] https://www.cbf.com.br/a-cbf/informes/arbitragem/nota-oficial-comissao-nacional-de-arbitragem-2

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