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Por que no Brasil os clubes não organizam o Campeonato Brasileiro?

O discurso é antigo, mas anda sempre por aí: os clubes precisam se organizar para criar uma liga independente da CBF.

Calma lá. Uma liga, com calendário, organização, regulamento e tribunal definidos por ela, ok. Isso é permitido pela Lei Pelé, no artigo 20. Agora, completamente independente da CBF, aí a história já é outra.

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O futebol, assim como o esporte, se estrutura em uma cadeia associativa vertical. Atletas se unem a clubes, que se filiam a federações nacionais, que se associam a uma federação internacional, que está ligada ao Comitê Olímpico. No caso do futebol, a FIFA é o ponto final da cadeia. Romper com a CBF poderia significar o rompimento com essa cadeia.

Então, apesar de tudo e de todos, o melhor sempre é o diálogo.

A pergunta persiste: o futebol brasileiro não seria melhor se a CBF cuidasse das seleções e deixasse ligas organizando os campeonatos?

E dizer que o Brasil poderia ter sido referência para o mundo! Há mais de 30 anos os grandes clubes desafiaram o sistema associativo do futebol e criaram a Copa União, e com ela deram início ao Clube dos 13.

Mas esse projeto de independência dos clubes foi implodido pelos próprios clubes, que racharam em um processo de liberação de direitos de transmissão conduzido pela Rede Globo.

Com medo de perder os direitos para a Record, que negociava com o Clube dos 13, a empresa conversou diretamente com Flamengo e Corinthians, que abandonaram o projeto coletivo e fecharam acordos próprios, o que fez com que o Clube dos 13 perdesse força política e potencial econômico, e o barco foi afundando rapidamente.

O fato é que a ideia de 1987 do Brasil não vingou, e cinco anos depois foram os clubes da Inglaterra que se organizaram numa liga de futebol que rompeu com a Football Association, a CBF de lá.

A criação da Premier League revolucionou o futebol inglês, e essa história está contada num livro muito legal, The Club, que já foi objeto da resenha de Alexandre Barreto no Lei em Campo.

Na MLS, os clubes americanos entenderam que o futebol como produto e esporte fica mais forte quando os clubes trabalham juntos e defendem os interesses coletivos da liga.

Mas cada país tem encontrado caminhos diferentes. Mesmo assim,  em todos esses exemplos, os clubes se cacifaram e passaram a ter mais controle sobre o negócio de que são protagonistas.

Qual seria o melhor caminho para o Brasil? O Thiago Braga conversou com especialistas e traz respostas.

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Em julho de 1987, o Brasil viu um movimento iniciado com São Paulo e Flamengo gerar uma associação que bateu de frente com a CBF. A criação do Clube dos 13, inicialmente, gerou uma revolução no modelo do Campeonato Brasileiro. Cinco anos antes da criação da Premier League, hoje o campeonato mais rentável e assistido do mundo, o Brasil teve na Copa União a possibilidade de ter um campeonato nacional sem as amarras de sua federação nacional. A união das maiores agremiações do país, porém, sucumbiu um ano depois, transformando o Clube dos 13 em um intermediário para discussões dos contratos entre clubes e a televisão.

Nesses 32 anos, foram diversas as tentativas de repetir aquela experiência e avançar em questões como divisão do dinheiro dos contratos de televisão, patrocínio, calendário e melhorias na prática de gestão. A Primeira Liga foi a última associação a tentar viabilizar isso. Mas desistiu.

Juridicamente, os clubes encontram respaldo para criar associações. O parágrafo 5º do artigo 20 da Lei Pelé diz que “é vedada qualquer intervenção das entidades de administração do desporto nas ligas que se mantiverem independentes”.

“A Primeira Liga nada mais é do que uma pré-temporada de luxo”, diz o advogado Marcos Motta, especializado em direito esportivo. “A Premier League, quando foi criada, sentou com a Federação Inglesa e acertou com ela quem faria o quê. A independência tem de ser institucional e financeira. Mas o clube é membro indireto da FIFA. Sem ter o aval da CBF, não vai funcionar, até para reconhecimento da FIFA. A ideia é interessante, mas tem que incluir a CBF no debate”, resumiu Motta.

A partir do direito de livre associação dado pelo Código Civil brasileiro para a criação de uma liga, é preciso ter registro civil, CNPJ, estatuto e código de Justiça. Uma das dúvidas paira sobre como jogadores seriam suspensos, e quem iria julgar essas questões.

“Seria preciso criar comitês de resolução de disputas. Ou fazer um acordo com STJD. O STJD é independente, mas para a FIFA ele é um tribunal da CBF. Outra questão: quem vai bancar? O futebol não é só Série A. A liga vai querer carregar as séries B, C e D?”, questiona o advogado Marcos Motta.

Para que a criação de uma liga nacional de futebol tenha sucesso, além da anuência da CBF, é primordial que os dirigentes não cometam o mesmo erro que implodiu o Clube dos 13.

“É muito difícil fazer futebol no país. Os clubes têm lideranças que dificilmente têm interesse de pensar no coletivo. Só pensam nos seus clubes, no jogo de quarta e domingo, principalmente. E já em como se reeleger e se manter no poder”, afirma Eduardo Tega, especialista em gestão do esporte.

A Major League Soccer, campeonato americano de futebol, tem, na sua estrutura, o modelo que permite que tudo seja decidido para o bem comum dos clubes. “Não tem nada mais socialista no mundo que uma liga americana”, diz Diogo Kotscho. Vice-presidente de Comunicação do Orlando City, clube que já teve Kaká e que tem Marta e Alex Morgan, artilheira da Copa do Mundo feminina, no elenco, ele diz que todas as decisões na MLS são tomadas em conjunto, tudo para o bem comum das franquias.

“Os donos dos clubes aqui detêm 1/27 da própria liga. Somos parceiros fora de campo e rivais dentro de campo. Tenho duas reuniões por ano com todos os vice-presidentes de comunicação da liga, para saber o que funciona, o que não funciona. Se eu tenho uma crise aqui, e o Columbus Crew já passou pelo mesmo problema, eles mandam executivos para cá para poder resolver. No Brasil, não só não tem união, como também os clubes são concorrentes. Se um clube fecha com uma empresa, coloca no contrato que ela não pode trabalhar com os outros clubes”, exemplifica Kotscho.

No final do mês passado, a Primeira Liga anunciou que não organizará a Copa da Primeira Liga, por entender “que o calendário do futebol brasileiro já está superlotado. Dessa forma, a Primeira Liga se propõe a contribuir para a construção de uma Associação Nacional de Clubes, a fim de trabalhar com foco na unificação das agremiações em busca de melhorias para o futebol brasileiro”, disse a entidade em comunicado.

A Primeira Liga diz que agora vai lutar pelo “aperfeiçoamento e modernização das legislações esportiva, trabalhista e tributária, além da captação de novas receitas no mercado para o futebol.

“Os clubes irão trabalhar conjuntamente com as entidades de administração do desporto na busca de soluções para o crescimento do futebol brasileiro”, disse a entidade, deixando claro que vai tentar costurar um acordo com a CBF para conseguir avançar na modernização do futebol nacional.

Para Diogo Kotscho, é imprescindível que o Brasil encontre um modelo de negócios próprio para que os clubes possam crescer organicamente. Se não o fizerem, o que hoje é uma distância grande para a Europa pode virar um abismo. E o Brasil pode ser atropelado até por outros mercados.

“Difícil estabelecer um método que funcione 100% e seja aplicável em outros lugares. Não importa o tamanho do clube. Tem que entender que o Corinthians é igual ao Fortaleza e que tem que ter divisão de votos e divisão de lucros igualitária ou proporcional. É uma mudança cultural muito grande e difícil. O Orlando City nasceu empresa, nunca teve que lidar com tênis, piscina, em buscar voto para o presidente se eleger. Se os clubes brasileiros perderem competitividade de negócio, vai piorar. Daqui a poucos anos, a MLS vai ter um poder de investimento muito maior. Esse mercado vai ter recursos para competir com os mercados mundiais”, analisou Kotscho, citando a Copa do Mundo de 2026, que será sediada por Canadá, Estados Unidos e México, como fator preponderante para o próximo passo da MLS em sua busca por protagonismo global.

Uma das grandes travas para uma mudança reside na eleição para determinar o presidente da CBF. A eleição dá mais importância para os votos das 27 federações estaduais, que têm votos com peso 3. Os votos dos clubes da Série A têm peso 2, e os votos dos times da Série B têm peso 1. Assim, basta ter o apoio das federações que um candidato se elege presidente da CBF.

“Nós temos um calendário surreal, para não dizer irracional, que dificulta muito o desenvolvimento e a qualidade do jogo no futebol brasileiro. Esse é o ponto principal”, adverte Eduardo Tega. “Na Série A temos jogos segunda, quarta, quinta, sábado e domingo. Os clubes grandes jogam demais, os pequenos jogam pouco. Os campeonatos regionais e estaduais são uma engrenagem do sistema político, que é o momento em que as federações têm condição de faturar com as TVs”, avalia Tega.

Para ele, os clubes brasileiros não souberam aproveitar a crise que tirou José Maria Marin e Marco Polo del Nero do comando da entidade. “Partiram para a criação de uma liga independente, a Primeira Liga. A ideia era muito boa, mas desde que eles tivessem criado uma célula política para tomar decisões conjuntas, não criar uma competição. Seria sensacional se não disputassem o Brasileiro. Optaram por disputar essa competição e o Brasileiro. E ela nasceu morta e acabou com a célula embrionária de ter ali clubes que poderiam criar uma liga verdadeira no futuro”, analisou o especialista em gestão esportiva.

Um dos últimos grandes conflitos de interesse envolvendo CBF e clubes foi o caso da convocação de atletas para a disputa do Torneio de Toulon, na categoria sub-23. Santos e Athletico-PR não liberaram Rodrygo e Renan Lodi, respectivamente, e foram impedidos de utilizar os atletas no Brasileiro.

“A independência não é só política, é também de proteção do negócio. Mas nesse caso [dos jogadores que não foram liberados a jogar], aqui seria igual. Estamos abaixo da Fifa e da US Soccer. Não é porque estamos em uma liga independente que pode jogar. Mas aqui a federação não tem motivos para prejudicar os clubes. Talvez seja menos pressão aqui do que em outros mercados”, finalizou Kotscho.

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