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Por trás de um amistoso internacional

Em ano de Copa do Mundo, todos os olhos do futebol mundial se voltam para as seleções, que representam muito além de uma simples Federação. Elas têm o condão de representar um território, uma nação, um povo e uma pátria. Por esse motivo, aliado à passionalidade inerente a cada torcedor, esse período de dois meses que antecede o torneio ganha contornos decisivos, chegando ao apogeu no apito do árbitro.

Com a proximidade do evento, cada cidadão fica mais atento à lista de jogadores convocados, gerando críticas quanto às possíveis ausências ou aos jogadores presentes na lista. Decerto, um treinador jamais conseguirá agradar a todos. Contudo, voltando ao tema central, partidas meramente amistosas adquirem traços decisivos para o futuro de uma seleção e criam expectativas em toda uma população, ávida por uma conquista.

Nesse sentido, após uma análise perfuntória da partida amistosa, não se tem ideia de tudo aquilo que está envolvido por trás dela. Deixemos de lado a importância física, técnica e tática, ainda mais em reta final de preparação, e falemos um pouco sobre os bastidores.

Como os amistosos internacionais são regulados pela FIFA? Quais são as condições, os players envolvidos, as datas previstas? Até que ponto vai a liberalidade das partes para dispor dos assuntos sobre esse tipo de jogo? O escopo desse artigo é justamente elucidar o leitor e trazer informações desconhecidas que a normativa, bem antiga, já previa.

Em primeiro lugar, é primordial examinar o Estatuto da FIFA, comparável a Carta Magna de cada país, posto que é o documento mais importante de todos. Nesse contexto, podemos destacar que é obrigação do Conselho, após consultar as Confederações, elaborar um calendário de partidas internacionais, que é vinculante para todas as Federações, clubes e ligas. Geralmente, esse calendário é divulgado a cada quatro anos, podendo ser a cada oito anos.

Ainda sobre a questão da conhecida popularmente como data FIFA, são 5 datas durante o ano, com 10 partidas, excluindo os torneios continentais, como Eurocopa e Copa América, o que, obviamente, provoca um aumento no número de jogos das seleções. Isso é instituído pelo Regulamento sobre Status e Transferência de Jogadores da FIFA (RSTJ)[1], mais precisamente no anexo 1, artigo 1º, que impõe que o período internacional terá, no máximo, 9 dias, com a realização de duas partidas. Nessas datas, a liberação do jogador por parte dos clubes é obrigatória

Nessa esteira, não podemos olvidar que experimentamos nos últimos dois anos uma situação totalmente excepcional, com a eclosão da pandemia gerada pelo coronavírus, o que obrigou a promoção de mudanças temporárias nessas regras, com alteração no número de dias, de jogos, de protocolo para adaptar o calendário à realidade daquele tempo.

Ademais, o Estatuto determina que é competência do Conselho promulgar regulamentos que disponham sobre a organização de partidas e competições internacionais. Frise-se, não há a possibilidade de disputar tais partidas sem a anuência prévia da FIFA, da Confederação e da Federação Nacional.

Posto isso, outra parte bastante expressiva do corpo normativo da entidade máxima do futebol é o Regulamento de Aplicação dos Estatutos, que ajuda a entender um pouco mais sobre a dinâmica das partidas internacionais e das seleções. Como já discorremos aqui em outra oportunidade[2], ele estabelece critérios de elegibilidade do jogador referentes à nacionalização, tema bem discutido atual cenário de um mundo globalizado.

Além disso, cria a figura do agente organizador das partidas internacionais, que deverá ser registrado junto à entidade e detém o seu regulamento próprio. Esse player será explorado em momento oportuno. Comecemos então, pela arbitragem, membro fundamental para a realização de qualquer partida.

A equipe de arbitragem deverá pertencer a uma federação diferente, ao menos que seja acordado algo diferente entre as partes, tendo que, necessariamente figurar na lista de árbitros da entidade suíça. A Federação organizadora do amistoso deverá pagar a remuneração, a viagem, a estadia e os custos de manutenção dos árbitros, que serão fixados pela FIFA.

Sobre as duas equipes, os amistosos internacionais entre seleções e os torneios internacionais, salvo aquelas já organizados pela FIFA e pelas Confederações, foram o objetivo principal da criação do Regulamento de Partidas Internacionais[3], que buscava estabelecer parâmetros organizacionais mínimos, colaborando para que a FIFA mantivesse a integridade das partidas, os princípios éticos e a desportividade também nesses tipos de confronto.

O amistoso internacional entre Federações distintas, alvo central desse artigo, foi conceituado como Partida Internacional A. As duas Federações, bem como a possível Federação do local do jogo, se ocorrer em um estádio fora dos países das seleções que irão jogar (terceiro), deverão apresentar uma solicitação de autorização para as respectivas Confederações, em até 21 dias antes da data prevista. Em até 14 dias antes da partida, a Federação do país onde acontecerá o jogo deve apresentar a FIFA a solicitação definitiva.

Todos esses documentos deverão conter, em anexo, um formulário estabelecido pela entidade máxima do futebol, que exige algumas informações, dentre elas: nome da equipe adversária, data da partida, estádio e se algum agente participou da operação.

A propósito, a figura dos agentes das partidas internacionais não é recente e seu regulamento é um dos mais duradouros do corpo normativo da FIFA, pois foi atualizado pela última vez no ano de 2002, entrando em vigor no ano seguinte. Cada Federação tem o direito de ter seu próprio regulamento, seguindo as diretrizes do da FIFA, podendo instaurar um sistema de licenciamento próprio.

Sendo assim, o agente, desses locais com licenciamento, somente poderá solicitar a licença FIFA após obter a concedida pela Federação onde possui domicílio. Entretanto, ressalte-se que para partidas que envolvam seleções de Confederações distintas, será necessária uma licença expedida pela FIFA.

Com a solicitação do candidato, a prova realizada pela Federação, a boa reputação do candidato e a existência de nenhum impedimento para o exercício da função, o Players’ Status Committee (Câmara de Status dos Jogadores) deverá aprovar a candidatura. Outrossim, o agente terá que contratar um seguro de responsabilidade civil no exercício da profissão.

A comissão do agente não poderá ultrapassar o valor de 25% do montante negociado para a Federação que foi representada por ele. Em caso de litígio envolvendo esse membro, a Câmara de Status dos Jogadores terá a competência exclusiva para decidir a lide, com prazo prescricional de dois anos, a ser contado do momento em que a disputa foi originada.

Certamente, até o presente momento, foi exposta a parte mais procedimental e burocrática. No entanto, não podemos olvidar que um amistoso internacional certamente é uma fonte de receitas para as Federações e, acima de tudo, um acordo de vontades entre duas ou até três delas.

Nessa esteira, como não poderia deixar de ser, surge a importância do contrato, onde destaco alguns elementos fundamentais, a depender de diversos fatores, que são negociados livremente entre as partes, empresas responsáveis pela organização, que pode adquirir o direito de exploração dos amistosos através de uma contraprestação financeira à Federação (também pactuada em contrato), e agentes das partidas.

a) Direitos de transmissão: qual equipe poderá explorar a venda dos direitos de transmissão? Esses direitos valerão para todo o mundo? a Federação poderá vender exclusivamente para o seu próprio país? Quem será responsável pela emissão do sinal de satélite? Quem custeará essa retransmissão do sinal do satélite com as imagens da partida? Quantas câmeras estão garantidas na filmagem? Tudo isso, é muito importante, afinal uma partida é o momento primordial de exposição da marca e dos patrocinadores.

b) Custeio da e a própria logística: quem ficará responsável por custear as passagens, hospedagens, transporte, alimentação, custos de manutenção. O que será exigido por cada Federação e respectivas comissões técnicas? Quantas pessoas por delegação? Quantas refeições? Que tipo de acomodação?

c) Placas de publicidade: quem poderá explorar essa importante fonte de receita? O patrocinador oficial da Federação tem ou não exclusividade ou preferência para divulgação nas placas? Quem será responsável pela logística? Qual será a tecnologia utilizada nas placas?

d) Local de treinamento: acomodações e estruturas necessárias para o treinamento das seleções. Quem será responsável por essa logística? Quais são as exigências mínimas? Quem explorará a atividade comercial das placas nesses locais?

e) Bilheteria e outras fontes de matchday: com quem ficará a arrecadação da bilheteria e todas as rendas oriundas do estádio

f) Valores, modo de pagamento, quem será responsável pelos tributos.

g) Comissão dos agentes

h) Cláusula de Proteção Geral de Dados

i) Cláusula de Sigilo

j) Cláusula de jurisdição/arbitragem, legislação aplicável e idioma predominante em caso de litígio

Conforme o exposto, é praticamente impossível fazer uma relação com todos os elementos que devem estar presentes em um contrato dessa estirpe, pois é capaz de conter muitas variáveis e especialidades inerentes ao próprio esporte, à área de marketing, de transmissão, comercial e entre outras. Ao mesmo tempo, a tecnologia e o mundo evoluem de tal maneira que as demandas sempre se alteram e se adaptam à realidade da sociedade.

Por último, conclui-se que foi muito válida a demonstração, ainda que pequena, de que um simples amistoso internacional pode ser muito mais complexo do que a população imagina. Uma partida amistosa vai muito além do que uma folha com a convocação e envolve milhares de pessoas nos bastidores mundo afora. É o Direito atuando novamente nas sombras para garantir a estabilidade das relações e os interesses das seleções, sempre em prol do desenvolvimento do esporte. Que venha a Copa do Mundo!

Crédito imagem: Flickr/CBF

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[1] RSTJ – Reglamento-sobre-el-Estatuto-y-la-Transferencia-de-Jugadores-Edicion-de-julio-de-2022.pdf (fifa.com) – última consulta: 14.09.2022

[2] Naturalização ou nacionalização: plano de carreira ou escolha de vida? – Lei em Campo – última consulta: 14.09.2022

[3] FIFA-LEGAL-HANDBOOK-EDITION-SEPTEMBER-2022.pdf – última consulta: 14.09.2022

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