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Práticas de monopólio no futebol se tornam alvos de órgãos antitruste

Na semana passada, a autoridade antitruste do México, Cofece (Comissão Federal de Competência Econômica), aplicou uma multa de 177,6 milhões de pesos (R$ 49 milhões) a 17 clubes de futebol do país, a Federação Mexicana de Futebol (FMF) e 8 pessoas (não identificadas) por práticas de monopólio relacionadas aos tetos salariais e restrições de transferências de jogadores.

Segundo o órgão, os clubes conspiraram para evitar ou inibir a competição no mercado de transferência de jogadores de futebol de duas formas:

1) imposição de limites máximos aos salários das jogadoras;

2) segmentar o mercado de jogadores, estabelecendo um mecanismo que os impedisse de negociar e se transferisse para outros clubes.

“Toda vez que uma entidade privada, que exerce uma posição dominante, resolve intervir na atividade econômica e no mercado do esporte se cria, sem dúvidas, um terreno fértil para muitas discussões jurídicas. Nesse caso, o acordo entre clubes e a Liga Mexicana, com a anuência da Federação Mexicana, chama a atenção a permissão do direito de retenção do jogador, que já havia sido retirado do regulamento da FIFA graças ao precedente do Caso Bosmam nos anos 90, pois violava à legislação europeia no que diz respeito a livre circulação de trabalhadores”, analisa João Paulo Di Carlo, advogado especializado em direito desportivo.

Paula Muller, advogada antitruste, ressalta que órgãos como o Cofece “são os guardiões da livre concorrência que, amparados pela legislação concorrencial, exercem controle preventivo e repressivo sob atividades econômicas por meio de sua interpretação e aplicação. Desempenham ainda papel fundamental na disseminação da cultura de livre concorrência”.

Foram sancionados os seguintes clubes: América, Pachuca, Cruz Azul, Monarcas, Chivas Guadalajara, Santos Laguna, Tigres, Toluca, University, Rayados, Necaxa, Atlante, Tijuana, Atlas, León, Querétaro e Puebla.

“A decisão mexicana segue uma tendência mundial crescente de investigações e condenações antitruste por conluio entre agentes afetando mercados de trabalho. Investigações dessa natureza não são exclusividade do mundo dos esportes e, em um primeiro momento, costumam causar estranheza pois muitos ainda desconhecem a ilicitude das práticas investigadas e as consideram como ‘atividades normais’ dos departamentos de RH”, avalia Paula.

Para o Cofece, depois que a liga feminina foi criada em 2016, os clubes ‘conspiraram’ para impor tetos aos salários das jogadoras entre 500 pesos (R$ 135) e 2 mil pesos (R$ 5,4 mil) mensais, enquanto atletas mais jovens, das categorias sub-17, não recebiam salário, apenas um auxílio para educação e alimentação.

“A federação mexicana enviou comunicados para ‘persuadir’ os clubes a respeitarem os limites e verificou que estavam em conformidade”, disse o Cofece, no comunicado.

A prática, que durou de novembro de 2016 a maio de 2019, constituiu um acordo entre os clubes que tinha por objeto e efeito manipular preços – neste caso os salários dos jogadores – e impedir que os clubes concorressem para contratá-los por meio de melhores salários. Segundo o Cofece, “isso não só teve um impacto negativo em suas receitas, mas também teve como consequência o aumento da disparidade salarial entre homens e mulheres”.

Na temporada 2018/19, esse acordo foi alterado e os tetos salariais foram fixados em 15 mil pesos (R$ 4,1 mil) mensais.

Os clubes multados e a FMF por uma década aplicaram o chamado “acordo de cavalheiros” por meio do qual os clubes mantinham o direito de reter jogadores mesmo após o término de seus contratos. Uma nova equipe teria que obter a autorização do clube atual de um jogador e, muitas vezes, pagar antes de contratá-la.

Juntos, os dois comportamentos geraram prejuízos ao mercado estimados em 83 milhões de pesos, pelo que o Plenário da Cofece decidiu sancionar os referidos clubes, bem como a FMF e 8 particulares por sua assistência, com multas que juntas chegam a 177,6 milhões de pesos.

“Toda normativa privada deve obedecer à lei pública, principalmente dos países onde estão constituídas as pessoas jurídicas que as ditam. Nesse sentido, o pacto infringiu a normativa pública sobre a livre concorrência, limitou a circulação e a obtenção de melhores condições de trabalho aos jogadores”, afirma Di Carlo.

A FMF e a Liga MX (primeira divisão do campeonato mexicano) afirmaram em comunicado conjunto que o “acordo de cavalheiros” terminou em 2018 e os tetos salariais terminaram em maio de 2019.

Recentemente, o tema da livre concorrência também foi alvo de discussão envolvendo a Superliga Europeia. Em agosto, o juiz Manuel Ruiz de Lara, do 17º Tribunal Comercial de Madri, determinou que a Uefa arquivasse as sanções e processos disciplinares abertos contra os clubes fundadores da competição que seria concorrente da Champions League.

Na intimação, realizada por meio de ordem judicial, o magistrado ressaltou que a atitude da entidade que rege o futebol europeu possui “caráter monopolista contrário à livre concorrência no mercado de futebol”.

“A restrição à livre concorrência devido ao abuso de posição dominante no mercado, a restrição da liberdade de circulação de capitais e de trabalhadores são alguns dos temas presentes em debates que se arrastam ao longo do tempo, como, por exemplo, a proibição dos TPO pela FIFA, a abertura de procedimento disciplinar com a aplicação de sanção pela UEFA para com os clubes da Superliga e o caso julgado pelo Tribunal Europeu contra a Federação Internacional de Patinação”, completa Di Carlo.

Essa não foi a primeira intervenção do juiz sobre o caso. Em abril deste ano, uma decisão de Manuel proibiu a Fifa e a Uefa de punirem os clubes fundadores da Superliga.

Juventus, Barcelona e Real Madrid são os únicos dos 12 times iniciais que se filiaram ao projeto da Superliga Europeia, que foi desmanchado após seis clubes ingleses, a Inter de Milão, o Milan e o Atlético de Madri desistirem.

“O exemplo mexicano mostra que o mundo dos esportes não está imune à aplicação da legislação concorrencial, e a polêmica envolvendo a Superliga Europeia e a UEFA não passa ilesa às discussões de cunho antitruste. De um lado, questiona-se se a formação da Superliga Europeia equivaleria à um cartel; de outro, se a eventual retaliação pela UEFA poderia ser considerada ilícita ao objetivar impedir a criação de uma liga e eventos rivais. Contudo, a autoridade concorrencial europeia optou por não exercer sua jurisdição, mostrando-se relutante a se envolver na polêmica. Parece-nos que eventual imposição de multa por violação às leis concorrenciais dependeria então de uma iniciativa das partes de provocar a o exame da Comissão Europeia ou mesmo levantar a discussão frente ao judiciário ou em juízo arbitral”, finaliza Paula Muller.

Crédito imagem: Marca

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