Diante dos recentes casos de racismo no futebol sul-americano, o presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ednaldo Rodrigues, vai enviar um ofício à Conmebol para pedir punições esportivas, incluindo a perda de pontos, para os clubes que tiverem torcedores envolvidos em atos de racismo na Libertadores e Sul-Americana. O dirigente também quer penas mais duras para esses casos em competições organizadas pela entidade brasileira. Especialistas ouvidos pelo Lei em Campo aprovam a proposta.
“É importante sempre ressaltar que a prática de racismo/injúria racial é uma conduta criminosa que precisa ser combatida. Vejo essa ideia como uma excelente iniciativa da CBF, uma vez que além de todas as responsabilidades criminais, atrapalhará o time que aceita esse tipo de conduta de seus torcedores”, diz Mônica Sapucaia, advogada especialista em Direitos Humanos.
“Eu acho a medida correta e eficaz, resguardado sempre a ampla defesa e o contraditório, e está punição não ser aplicada administrativamente e sim pela Justiça Desportiva”, avaliou Paulo Feuz, advogado especialista em direito desportivo e auditor do Pleno do STJD.
“Gostei dessa proposta, principalmente porque ela vai abrir um debate e colocar as autoridades na mesa para discutir como punir esses clubes. É preciso cobrar ações desses times, como campanhas de conscientização e de envolvimento no combate ao racismo, para depois irmos para punições, como a perda de pontos, portões fechados e até a exclusão do campeonato”, afirma Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol.
A advogada Ana Mizutori, especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, conta que o CBJD (Código Brasileiro de Justiça Desportiva) já prevê punições para infrações de cunho discriminatório.
“No art. 243-G do CBJD, o atleta, membro da comissão técnica, equipe médica, representantes do clube ou outras pessoas naturais que praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, em razão da raça, seco, idade, entre outras características pode ser punido com suspensão de partidas de cinco a dez partidas, ou a depender do sujeito ativo da infração, a suspensão pelo prazo de 120 a 360 dias, além de multa que pode ser de cem a cem mil reais, a qual pode ser aplicada em desfavor do clube, por atos cometidos por seus torcedores, e no caso destes, ainda podem ter seu acesso ao estádio restrito. No parágrafo primeiro, há ainda a previsão de punição com perdas de pontos”, detalha.
Andrei Kampff, jornalista, advogado especialista em direito desportivo e colunista do Lei em Campo, afirma que medidas dessa natureza são importantes.
“A autorregulação também serve para reforçar o compromisso institucional e jurídico de proteção de direitos humanos. Está na hora de se avançar, ir além do combate ao racismo com campanhas institucionais. O poder coercitivo do direito tem esse papel. Agora, fundamental vai ser que esses tribunais esportivos trabalhem com essas questões definindo uma régua, tendo sempre a equidade como pilar punitivo. Isso vai gerar uma unidade jurisprudencial, dando mais legitimidade ao movimento jurídico privado esportivo e trazendo mais segurança jurídica”, analisa.
Para Ana Mizutori, a proposta apresentada pelo presidente da CBF é eficaz, pois quando se afeta a performance do clube em uma competição, é uma forma mais direta de atingir o torcedor.
“A autonomia constitucionalmente conferida às entidades de administração e de prática desportiva, se deve à necessária observância às especificidades que cada modalidade esportiva demanda. Enrijecer as punições de forma a afetar a performance do clube em uma competição, é uma forma mais direta de atingir o torcedor, e por isso, se apresenta como uma medida eficaz de refrear esse tipo de prática. A previsão de suspensão do atleta, ou punição de multa ao clube, não afeta o torcedor, que continua protagonizando insultos por origem racial. Esperar que uma quantidade “considerável” de torcedores pratiquem tal ato discriminatório “simultaneamente” para então punir uma agremiação de forma mais vigorosa, não tem surtido o efeito esperado para tutelar o bem jurídico protegido no art. 243-G do CBJD. Desta forma, referida medida se apresenta de forma competente, para então, haver uma mudança no comportamento do público que ainda insisti em incorrer em atos discriminatórios durante as partidas”, analisa.
No documento que será enviado à entidade sul-americana, Rodrigues vai solicitar uma reunião com a Comissão de Competições da Conmebol para debater a proposta.
“Não concordo com apenas multa financeira ao clube que tiver um torcedor racista. Não se combate a discriminação apenas aumentando a multa. Tem que ser de forma mais dura. O clube precisa sofrer uma punição esportiva. Quero que o time do torcedor identificado cometendo um ato racista perca pelo menos um ponto na tabela do campeonato. Só assim acredito que vamos pacificar os estádios”, disse o presidente da CBF em entrevista ao ‘ge’.
“O clube tem que ser punido por não ter conseguido educar o torcedor que entra no seu estádio. Com a punição esportiva ao clube, conseguimos envolver o torcedor nesta luta antitracista. O torcedor seria um fiscal contra o preconceito na arquibancada”, acrescentou.
Na semana passada, quatro casos de racismo foram noticiados durante partidas da Libertadores. Em comum, todos eles aconteceram em jogos envolvendo clubes brasileiros: Corinthians x Boca Juniors, em São Paulo; Estudiantes x Bragantino, em La Plata; Emelec x Palmeiras, em Guaiaquil; e Universidad Católica x Flamengo, em Santiago.
Também na semana passada, a Conmebol prometeu aumentar as punições aos clubes cujo os torcedores praticarem atos racistas nas partidas organizadas pela entidade. O Lei em Campo ouviu especialistas sobre a necessidade de medidas mais rígidas.
O Código Disciplinar da Conmebol possui punições muito brandas para casos de racismo. Na maioria das vezes, a entidade sul-americana aplica uma multa mínima de US$ 30 mil (R$ 150 mil) aos clubes, como foi feito com o River Plate no episódio envolvendo o Fortaleza.
O valor, porém, pode ser maior. Isso porque os integrantes do Comitê Disciplinar da entidade têm competência para aumentar a punição financeira. Um exemplo é o caso do Olimpia, do Paraguai, que foi multado em US$ 45 mil (R$ 225 mil) pelos atos racistas de seus torcedores durante a partida contra o Fluminense, ainda na fase de Pré-Libertadores, no começo deste ano.
Punições mais rígidas em competições da CBF
O presidente da entidade brasileira ainda disse que vai propor a sentença mais dura também nas competições organizadas pela CBF, como o Campeonato Brasileiro e Copa do Brasil, a partir do ano que vem, uma vez que os regulamentos dos torneios desta temporada já foram aprovados.
“Quero propor uma ampla discussão aqui no Brasil para a próxima temporada. Vou pedir a perda de pelo menos um ponto a partir do ano que vem. Essa discussão vai ser boa para ver quem realmente quer combater o racismo no futebol”, disse.
Em junho, a CBF realizará um seminário de combate ao racismo. O evento terá a participação de representantes da FIFA, da Conmebol, dirigentes de federações, do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), Ministério Público e dos clubes que disputam os torneios organizados pela entidade.
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