Desde maio do ano passado, quando a Fifa apresentou em seu Congresso pela primeira vez a proposta de realizar a Copa do Mundo masculina e feminina a cada dois anos e não mais aos tradicionais quatro anos, as discussões sobre o assunto só aumentaram. A ideia não foi bem vista pela maioria das federações nacionais e entidades desportivas, que citam um possível impacto destruidor e prejudicial para o futebol atual, uma vez que provocaria mudanças radicais principalmente no calendário e na qualidade desse esporte.
“As mudanças em razão de uma Copa do Mundo bienal prometem impactar o calendário e a qualidade do esporte, afetando todos os membros”, afirma João Paulo Di Carlo, advogado especialista em direito desportivo que falou sobre o tema em sua coluna no Lei em Campo.
“A realização da Copa do Mundo a cada dois anos demandaria uma alteração estrutural no calendário do futebol (até porque, nos anos em que não haverá Copa, serão realizadas as tradicionais competições continentais), de maneira que os clubes, que pagam os salários das estrelas que representam os seus países naquelas competições, não sejam os grandes prejudicados, pois não poderiam contar com seus craques por ao menos dois meses por ano. Se a mudança ocorrer, certamente esses clubes exigirão maiores garantias e compensações pela ‘perda’ de seus melhores jogadores, ao passo que as federações nacionais teriam que rever por completo o formato de suas competições de clubes”, avalia o advogado especializado em direito desportivo Marcel Belfiore.
Ainda sobre o calendário, João Paulo Di Carlo cita que uma possível mudança poderia desencadear na perda de interesse e desenvolvimento do futebol em grande parte dos países.
“As Eliminatórias seriam reduzidas em mais da metade das datas, sendo destinado um ou dois meses ao ano exclusivamente para as seleções. Ocorre que, entretanto, somente 48 equipes das 211 associações que compõem a FIFA participarão do Mundial, gerando uma inatividade para o restante e, consequentemente, perda do interesse e do desenvolvimento da modalidade em quase 75% dos países. Para as ligas nacionais, pode gerar supressão de datas, perdas de receitas e do interesse do público e dos patrocinadores, em geral. As pequenas e médias ligas devem ser as mais prejudicadas”, analisa.
Um dos principais defensores do projeto da Copa do Mundo bienal é o francês Arsène Wenger, ex-treinador do Arsenal e atual Chefe Global de Desenvolvimento de Futebol da Fifa. Em entrevista ao ‘ge’, ele disse que pretende “deixar o calendário mais simples e claro” e “focar em competições que sejam realmente significativas”, ao respeitar a proporção de “80% da temporada para competições de clubes e 20% para competições de seleções”.
Para João Paulo Di Carlo, a mudança no calendário exigiria ainda mais dos jogadores, o que poderia prejudicar o surgimento de jovens atletas.
“Por seu turno, os jogadores selecionados serão exigidos ao extremo, tanto a parte mental, quanto a física, ao final de todas as temporadas de clubes, seja pela Copa do Mundo, como também pelas Copas Continentais e Eliminatórias. Por outro lado, os futebolistas não convocados, que são a maioria, terão um maior período de inatividade. Da mesma forma, com menos datas e mais inatividade, pode prejudicar o desenvolvimento e a aparição de jovens atletas”, reforça.
Fora a questão da visibilidade, a Fifa considera o projeto como uma boa oportunidade financeira. Segundo um estudo apresentado pela própria entidade, em dezembro do ano passado, a realização da Copa do Mundo a cada dois anos geraria uma renda extra de US$ 4,4 bilhões em cada edição.
Diante dos padrões de qualidades exigidos pela Fifa, Marcel Belfiore cita como um dos pontos negativos os investimentos em infraestrutura nos países escolhidos para sediariam a competição.
“Como bem sabemos, a realização de uma Copa do Mundo demanda massivos investimentos dos países-sede em estruturas básicas e em construção de estádios, seguindo-se padrões nem sempre compatíveis com as suas possibilidades. A FIFA, como se sabe, exige inclusive alterações nas leis do país sede para beneficiar seus interesses comerciais, o que gera uma cadeia extremamente complexa de obrigações, mobilizando autoridades que deveriam estar empenhadas em outras prioridades, gerando descontentamento popular”, acrescenta.
Até o momento, diferentes entidades do futebol mundial se posicionaram contra o projeto apresentado pela Fifa, entre elas, a Uefa e a Conmebol. Exposto esses pontos, além de não ter escutado todos as partes, podemos dizer que a proposta de uma Copa do Mundo bienal traria mais malefícios do que benefícios para a maioria dos membros da Fifa, seja jogadores, excluídos ou não das convocações, sobretudo os jovens, aos clubes, as pequenas e médias ligas e até outros esportes.
É preciso lembrar que o futebol vai além das quatro linhas e precisa cumprir à risca o título de esporte mais democrático do planeta, para que ninguém seja prejudicado por uma medida que visa proporcionar um desenvolvimento questionável para poucos, excluindo o restante.
“Essa mudança pode agradar parte do público, pode gerar mais receitas à FIFA e, indiretamente, maiores investimentos ao futebol, mas certamente propiciará uma cadeia de mudanças no futebol de clubes que pode, por outro lado, desagradar outra boa parcela dos amantes do futebol”, finaliza Marcel Belfiore.
Crédito imagem: Getty Images
Nos siga nas redes sociais: @leiemcampo
Nossa seleção de especialistas prepara você para o mercado de trabalho: pós-graduação CERS/Lei em Campo de Direito Desportivo. Inscreva-se!