O tema que trago à reflexão, caros leitores, não é inusitado ou propriamente novo. Todavia, seguramente, é sempre polêmico: o TPO[1]. Embora a sua existência formal no mundo do futebol se encontre banida por força dos artigos 18 bis e 18 ter do RSTP[2] da FIFA, desde 2015.
O banimento do TPO nunca foi bem assimilado por parte stakeholders, em especial da América do Sul, que já estavam acostumados com a (praticamente) inexistência de atletas formados exclusivamente no clube. Ao revés, tinham no investidor a oportunidade de conceber projetos e elencos que sozinhos se tornaria impossível para os clubes.
A justificativa formal para a segregação consistiu na preservação da integridade do jogo, bem como evitar que extraneus à família do futebol se aproveitem dele para lucrar e controlem-no (em relação às microrrealidades de clubes).
Recentemente, participei de dois eventos, ambos organizados pelo Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), que trataram do tema tangencialmente, no curso de seus debates. Aliás, desde que a questão econômica no mundo esportivo se agravou devido à pandemia, reavivou-se a ressureição do TPO no futebol.
Vocês, caros leitores, merecem uma breve explanação sobre o que significa e como teve termo em 2015.
A ideia do TPO é conceder a terceiros parcela dos direitos econômicos de atletas de futebol como contrapartida por seus investimentos num clube de futebol. Assim, ele poderá obter parte dos (futuros) ganhos com a venda[3] do mesmo para outro clube, na medida da sua percentagem.
É um negócio muito atrativo e permite que clubes possam amealhar boas quantias de dinheiro para promover investimentos nos planteis, mantendo os atletas mais valiosos e destacados por algumas temporadas a mais[4].
Como cediço, há uma distância muito grande entre o futebol da Sul América e o da Europa, o hiato econômico é similar à própria distância em quilômetros entre esses centros da bola. Aquela se notabiliza pela produção de verdadeiros artistas do futebol, tendo destaque, sobretudo, os brasileiros e os argentinos; enquanto, esta se destaca por ser o epicentro do futebol, tendo as ligas e os campeonatos mais fortes, sonhados e desejados. Numa linguagem empresarial, a América do Sul produz as commodities, enquanto a Europa às emprega, refinando-as.
Nesse diapasão surge a primeira questão a despeito do TPO, o atleta passa, aliás, segue coisificado e as decisões atinentes à sua locomoção profissional passariam a ser influenciadas diretamente pelos terceiros, os que investiram na sua manutenção e/ou contratação para o clube.
Com esse argumento como fundamental, a FIFA (respaldada pelos grandes da Europa), disse não ao TPO para o futebol através da Circular nº 1.464.
Naturalmente, discorreu-se, também, sobre a integridade do futebol, posto que, da forma enquanto concebida algures, havia sempre o risco de potencial burla à ética e moral do jogo. Um investidor poderia ter atletas em diversos clubes e quem garantiria se estes não poderia macular uma partida?
Inegável os esforços da FIFA em evitar, de qualquer forma de intervenção de terceiros, por meio da instituição do artigo 18 Bis do RSTP, na relação entre o clube proprietário, o clube adquirente e o atleta[5]. Apesar do que, penso tal qual Juan de Dios Crespo, que a habilidade de influenciar em assuntos relacionados a transferência é um conceito obscuro[6].
Não difere do atual momento vivido, pois clubes e atletas podem ser titulares direitos econômicos e a repartição destes permite, claramente, que se viva o que ocorreu tempos alhures, sem a presença dos chamados terceiros.
O que impede, no entanto, de que investidores influenciem na decisão dos clubes que são titulares destes direitos econômicos?
E agora que os atletas podem ser donos dos seus direitos, será que efetivamente são eles que adquirem tais percentuais mesmo ou seriam os antigos investidores de outrora que o fazem?
Será que, decorridos 5 anos, não existem mais quem invista no futebol como antigamente?
A verdade é que o TPO nunca deixou de existir.
Admitamos isso. Somente ele deixou de ser visto, os contratos que antes eram registrados nas entidades desportivas, agora são de gaveta ou têm outra formatação jurídica. Se os terceiros faziam questão de se exibir como sólidos e fortes grupos de investimento no futebol, agora laboram às ocultas e alguns até usam clubes como sua fachada. E, agora, teremos os atletas como tal embuste.
No Brasil, após modificação em 2012, da Lei Federal nº 9.613/98, atou-se, em definitivo expressamente, às atividades submetidas a estritas obrigações legais de prestar informações da sua atividade ao Estado, as “pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais” (art. 9°, parágrafo único, inciso XIV, alínea f) e de “pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares” (art. 9°, parágrafo único, inciso XV).
Ou seja, existe um aparato legal – antigo- que determina que as atividades dos clubes e dos terceiros (TPO), acaso obnubiladas, possam até dar azo à eventual persecução penal pela prática de lavagem de capitais[7]. Tal hipótese é comum em outras partes do mundo, considerando que essa legislação foi construída pautada no esforço global conjunto nascido na Convenção contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, ocorrida em Viena, em 1988[8].
Portanto, não se fala de atividade que pode macular o mundo da bola, sem que este possa reagir a tempo. A proibição somente fortalece ainda mais que terceiros, de forma oculta, se apropriem do futebol para outras finalidades, além da simples injeção financeira, quiçá, até mesmo mesclando-a com potencial burla à integridade do jogo.
O dilema é o seguinte: proibir ou controlar?
É plenamente viável (e pode ser deveras sadio) conviver com terceiros (extraneus à família do futebol), desde que as regras para sua admissão sejam bem estabelecidas. Limitações devem existir, desde que não impeçam plenamente o desenvolvimento do mercado.
Saliento que limitar não é engessar.
A preocupação com a manipulação de partidas é uma realidade que não se pode desmerecer. Aliás, mesmo sem TPO, são crescentes os casos de jogos manipulados, em todo o globo, não apenas nos mercados periféricos. Todo dia surge uma notícia que nos revela o elevado mal que se enfrenta.
O outro temor (quiçá, o maior) ao derredor deste tema é a possibilidade que esse extraneus possa influenciar na relação esportiva que resulte em transferências de atletas ocorridas por sua exclusiva vontade. Tal hipótese é uma realidade, até hoje. Quem garante de todas as movimentações ocorrem de forma pura e pautadas pelo desejo do atleta?
Este, lamentavelmente, só é mesmo livre na expressão free agent, posto que a realidade do business, em diversas oportunidades, suplanta a pureza que a FIFA quer conferir ao jogo.
E, ainda, trago outra questão: seria o TPO uma ofensa ao gozo pleno da liberdade econômica? Poderia uma entidade privada regular tal atividade em detrimento de legislação estatal?
Não há razões sérias, senão aparentes, a justificar o pretenso malefício que provém da sua inclusão no ordenamento jusdesportivo[9].
A grande questão residirá, enfim, na criação de regras que permitam aos clubes contar com esses investidores sem que a sua presença possa significar um desequilíbrio nas relações esportivas, nem mesmo uma afronta à integridade do jogo.
O tema, minimamente, reclama uma revisita, não apenas devido aos efeitos que provocará a pandemia, porém, sobretudo, para legitimar qualquer nova decisão que adote a FIFA, sendo ouvido – antes – aqueles que reclamam a sua reinserção no ordenamento normativo.
Assim sendo, indaga-se quem AINDA tem medo do TPO?
……….
[1] A sigla para Trhid-party ownership, expressão em língua inglesa que se destina àqueles terceiros que investem nos clubes de futebol em troca de aquisição de percentuais dos chamados direitos econômicos de atletas.
[2] Regulations on the Status and Transfer of Players.
[3] Quando do encerramento prematuro do seu contrato de trabalho e/ou da cessão dos seus direitos federativos a outro clube.
[4] Talvez, o caso mais emblemático foi do atleta Neymar Júnior no Santos F.C., antes da sua ida em definitivo para o Barcelona.
[5] A FIFA
[6] Disponível em: < http://www.ruizcrespo.com/wp-content/uploads/2015/07/ruizcrespo-football-legal-02-01-abogado.pdf> Acessado em 17 ago 2020.
[7] Ver com mais detalhes em: < https://www.conjur.com.br/2012-jul-25/milton-jordao-impacto-lei-lavagem-dinheiro-futebol> Acessado em 17 ago 2020.
[8] O Estado Brasileiro recepcionou este diploma através do Decreto nº 154, em 26 de junho de 1991.
[9] Convém proceder à leitura do artigo de Pedro Mendonça que aborda a proibição do TPO na perspectiva da ofensa a valores admitidos pelo direito comunitário europeu. Disponível em: < https://leiemcampo.com.br/a-proibicao-do-tpo-no-futebol-e-o-direito-da-uniao-europeia/> Acessado em 17 ago 2020.