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Racismo: E se o Vinicius Júnior jogasse no Brasil?

Arthur Belmont [1]

Eduardo Hissa[2]

É de saber geral, que o atacante Vinicius Júnior, do Real Madrid e da Seleção Brasileira, já sofreu inúmeros atos racistas desde que chegou a Espanha em 2018 e cada vez em proporções maiores e mais alarmantes, fato que entristece e estarrece todos nós amantes de futebol e ainda, aqueles que não são, causando surpresa até para aqueles alheios ao mundo da bola, visto que trata-se de um atleta renomado e aclamado publicamente, mas que, em razão da sua cor, não está livre da constantemente discriminação racial.

 Diante disso, é preciso compreender os mecanismos que o Brasil possui para inibir esses casos de racismo.

Assim, incialmente, podemos relembrar alguns casos que ocorreram no Brasil, como o fatídico caso do goleiro Aranha na partida contra o Grêmio, quando as câmeras de televisão flagraram o ato nas arquibancadas da Arena e, inclusive, as imagens foram capazes de apontar a torcedora gritando por duas vezes a palavra “macaco”. Naquela oportunidade o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) decidiu pela exclusão do Grêmio da Copa do Brasil, o clube ainda conseguiu recorrer e foi penalizado com a perda de 3 pontos e multado em RS 54.000,00 reais..

Outro caso relevante foi o do atleta Tinga, que atuava pelo Internacional, numa partida contra o Juventude, no ano de 2005. Na oportunidade foi relatado pelo juiz na súmula da partida que toda vez que o atleta pegava na bola a torcida do rival fazia som de macacos. O STJD então, aplicou multa de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e puniu com a perda do mando de campo de duas partidas, e assim o Juventude se tornou o primeiro clube brasileiro punido por racismo.

Já mais recente, em 2022, o Atlético Goianiense foi punido pela Segunda Comissão Disciplinar do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol após um torcedor ter cometido o crime de injúria racial contra o atleta Felipe Bastos, do Goiás. O clube de Goiás foi denunciado nos termos do artigo 243-G do CBJD que enquadra a prática de ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou pessoa com deficiência.

Este artigo que serviu de punição ao Atlético Goianiense é fruto da CNE nº 29, datada de 2009 e, além de atribuir a justiça desportiva, ou seja, ao modelo associativo esportivo, uma poderosa ferramenta ao combate contra atos discriminatórios, confere um artigo específico para a proteção das vítimas destas atitudes.

Além disso, demonstra como o esporte brasileiro está avançado em mecanismo capazes de reprimir tais atos, tendo, inclusive, no parágrafo 1º deste artigo, uma previsão bastante arrojada e singular, não comum quando comparada a outros países, vejam:

§ 1º Caso a infração prevista neste artigo seja praticada simultaneamente por considerável número de pessoas vinculadas a uma mesma entidade de pratica desportiva, esta também será punida com a perda do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente, e, na reincidência, com a perda do dobro do número de pontos atribuídos a uma vitória no regulamento da competição, independentemente do resultado da partida, prova ou equivalente; caso não haja atribuição de pontos pelo regulamento da competição, a entidade de pratica desportiva será excluída da competição, torneio ou equivalente.

Ou seja, o sistema desportivo brasileiro é incisivo no combate a estas atitudes, sendo capaz, até mesmo de permitir a alteração no ‘’resultado desportivo’’ obtidos pelas entidades de prática desportiva em campo de jogo.

Apresentado esses casos, e demonstrado a competência estatal em estipular mecanismos para reprimir o racismo e demais atos discriminatórios, resta ressaltar que o modelo privativo, ou seja, as entidades administradoras do desporto, nomeadamente a CBF, juntamente com as demais federações estaduais, também são pouco tolerantes com tais atos. Veja:

A CBF em seu Regulamento Geral das Competições, e logo §1º do artigo 1º, faz menção a respeito das questões raciais no esporte.

Art. 1º […]

§ 1º -As competições nacionais oficiais do futebol brasileiro exigem de todos os intervenientes colaborar de forma a prevenir comportamentos antidesportivos, bem como violência, dopagem, corrupção, manifestações político-religiosas, racismo, xenofobia ou qualquer outra forma de discriminação.

Ainda, outro exemplo da inquietação das entidades administradoras do futebol brasileiro, em 2017, foi publicado o Código de Ética e Conduta do Futebol Brasileiro, podemos ver que o documento fala sobre o debate racial em alguns artigos, como, por exemplo, o 2º e o 5º:

Art.  2º.  Constituem preceitos que orientam o futebol brasileiro e que devem ser observados por todos aqueles que dele participam, direta ou indiretamente:[…]II-Todos os segmentos do futebol devem estar profundamente comprometidos com   o   repúdio   ao   racismo, à   xenofobia   e   a   quaisquer   outras   formas   de discriminação e intolerância social, política, sexual, religiosa e socioeconômica.

 Art. 5º.  As pessoas descritas no Art. 1º que praticarem as condutas descritas abaixo estarão sujeitas às sanções que estabelece este Código.

[…]III-Tolerar ou praticar tratamento discriminatório em função de etnia, origem, gênero, orientação sexual, crença religiosa, condição de sindicalização, convicção política ou ideológica, condição social, deficiência física ou mental, estado civil ou idade.

Mais recentemente, para além do âmbito desportivo, a Nova Lei Geral do Esporte (Lei n.º 14.597, de 14 de junho de 2023) traz em alguns dispositivos o combate à discriminação racial, como em seu artigo 148, XVII.

Art.  148º. O controle e a fiscalização do acesso do público a arena esportiva com capacidade para mais de 20.000 (vinte mil) pessoas deverão contar com meio de monitoramento por imagem das catracas e com identificação biométrica dos espectadores, assim como deverá haver central técnica de informações, com infraestrutura suficiente para viabilizar o monitoramento por imagem do público presente e o cadastramento biométrico dos espectadores.

Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo deverá ser implementado no prazo máximo de até 2 (dois) anos a contar da entrada em vigor desta Lei.

Outro dispositivo que essa nova Lei traz é o que trata sobre as ações das torcidas organizadas em casos de práticas discriminatórias, incluindo o racismo, ela vem na forma do Artigo 183 § 2°.

§ 2º A torcida organizada que em evento esportivo promover tumulto, praticar ou incitar a violência, praticar   condutas   discriminatórias, racistas, xenófobas, homofóbicas ou transfóbicas, ou invadir local restrito aos competidores, aos árbitros, aos fiscais, aos dirigentes, aos organizadores ou aos jornalistas será impedida, bem como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 5 (cinco) anos

Sendo assim, mais uma vez a Lei Geral do Esporte, através do seu artigo 201, § 7º, que trata de crimes contra a paz no esporte, prevê a pena em dobro quando se tratar de casos de discriminação racial, visando claramente uma extinção dos casos com penas mais duras.

Art. 201. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência ou invadir local restrito aos competidores ou aos árbitros e seus auxiliares em eventos esportivos:

Pena -reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa.

[…]

§ 7º As penalidades previstas neste artigo serão aplicadas em dobro quando se tratar de casos de racismo no esporte brasileiro ou de infrações cometidas contra as mulheres.

É bem verdade que a La Liga possui diretrizes e planeamentos, voltados, principalmente, para a arbitragem, tendo em vista a prevenção contra atos racistas, no entanto, esbarra em um problema de competência que nós não convivemos no Brasil.

A La Liga é uma organização privada sediada pelos próprios clubes de futebol, assim como os principais campeonatos nacionais na Europa, sendo assim, existe uma dificuldade em agir efetivamente e diretamente contra os infratores, já que na justiça comum, fica a cargo do Ministério Público Espanhol e desportivamente, a competência para agir contra as entidades de prática desportiva fica a cargo da Real Federação Espanhola (RFEF).

Assim, diante de todo o exposto e dos mecanismo que temos em vigor no nosso país, é bem verdade que o Brasil encontra-se muito avançado em mecanismo impositivos contra qualquer manifestação discriminatório, seja por um stakeholder do esporte ou ainda qualquer torcedor, no entanto, faz-se importante ressaltar a necessidade de discutirmos e atenção a ser dada para estar causas no momento em que estamos perto da fundação e uma nova Liga no futebol brasileiro, que esse processo não se perca no caminho e a repressão contra estas barbáries continue sendo efetiva e presente.

Ademais, é importante dizer que o case Vinicius Júnior faz-se, hoje, muito emblemático já que se trata de um dos principais talentos no mundo futebolístico e um expoente no combate ao racismo, visto que não se calou após sofrer diversos ataques, gerando o debate e escancarando para o mundo do esporte a necessidade de medidas repressivas contra estes agressores, e mais, para as entidades clubísticas responsáveis por estes infratores.

O debate é prato cheio para amantes do esporte, atletas, clubes, curiosos e principalmente para aqueles que se propõe a militar no direito do esporte no seio deste assunto tão delicado que demanda uma dose generosa de sensibilidade e responsabilidade.

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https://leiemcampo.com.br/cbf-envia-carta-a-fifa-apos-recentes-casos-de-racismo-contra-brasileiros/

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https://www.poder360.com.br/esportes/vini-jr-foi-alvo-de-10-ataques-racistas-de-2021-a-2023-relembre/#:~:text=Ap%C3%B3s%206%20ataques%20a%20Vini,no%20domingo%20(21.

https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/L14597.htm

https://cev.org.br/biblioteca/lei-geral-do-esporte-uma-analise-preliminar-dos-vetos/

[1] Bacharel em Direito pela Universidade do Minho; Pós graduação em Direito Desportivo e Negócios do Esporte pelo CEDIN; Defensor Dativo no STJD do Futebol de Salão e advogado do Figueirense Futebol Clube S.A.F

[2] Graduando em direito pelo IBMEC-RJ (9º período) e membro coordenador do Grupo de Estudos em Direito Desportivo do Ibmec RJ (GEDD Ibmec).

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