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Retorno do Talibã ao poder ameaça prática esportiva das mulheres afegãs

O retorno do Talibã ao poder do Afeganistão no último domingo (15), após 20 anos, marcou mais um capítulo triste para a história da humanidade. Isso por que a ascensão do grupo representa uma derrota das minorias, dos direitos humanos, das mulheres e de todos que buscam um mundo mais igualitário e livre.

“As cenas de Cabul entristecem qualquer um. Não apenas porque indicam o retorno de tempos de guerra, mas porque reafirmam o quão frágil são as conquistas em direitos das mulheres. A política talibã é de invisibilizar as mulheres completamente, sua condição de humanidade é negada institucionalmente, pelo Estado. Todos sofrem, mas elas ficam impossibilitadas de lutar por dias melhores. É mais do que violentar os direitos humanos, é desumanizar a figura da mulher. Muito triste e à comunidade internacional precisa se mobilizar para defender as mulheres e garantir seus direitos humanos”, afirma Mônica Sapucaia, advogada especializada em direitos humanos.

“Infelizmente isso que está acontecendo não é uma novidade, algo parecido ocorreu antes das Olímpiadas de Sidney, em 2000. Na época, o Comitê Olímpico do Afeganistão foi suspenso pelo movimento olímpico por conta da ascensão do regime Talibã e a discriminação que ele impunha sobre as mulheres. Acredito que isso pode ocorrer novamente, tendo em vista esse histórico do Comitê Olímpico Internacional (COI)”, avalia Vinícius Calixto, advogado especialista em direito desportivo.

A palavra Talebã significa “estudantes” em pashto (uma das línguas faladas no Afeganistão). Esse grupo de orientação sunita foi formado por ex-guerrilheiros conhecidos como mulahidins no início dos anos 90. Eles tinham participado do confronto contra forças soviéticas no país, com o apoio militar e financeiros dos Estados Unidos.

Tão recente assumiu novamente o poder do país, o grupo fundamentalista já trouxe consequências para o esporte, que na maioria das vezes reflete o que acontece na sociedade.

Atletas da seleção paralímpica do Afeganistão não irão participar dos Jogos de Tóquio, que terão início na semana que vem, devido à impossibilidade de viajar ao Japão por conta da situação de instabilidade do país após a tomada do poder pelos extremistas. Zakia Khudadadi, uma das competidoras, de apenas 23 anos, seria a primeira mulher a representar o país nos Jogos Paralímpicos.

“Ainda é tudo muito recente, a gente tem que observar a relação que vai se dar entre o Comitê Olímpico Internacional (COI), o movimento olímpico e o Comitê Paralímpico Internacional (CPI) junto ao governo Talibã para que os direitos humanos dos atletas sejam garantidos. Somente por meio da pressão dessas diferentes entidades, sejam elas do esporte ou de fora, que o direito fundamental da prática esportiva será garantido”, ressalta Vinícius Calixto.

A situação está tão tensa que Samira Asghari, representante do Comitê Olímpico do Afeganistão, decidiu usar suas redes sociais para pedir apoio para evacuar as atletas, treinadoras, e equipes de apoio do país.

“Por favor, as atletas femininas, as treinadoras e sua comitiva precisam de sua ajuda. Devemos tirá-las das mãos do Talibã, sair do Afeganistão, em particular Cabul. Por favor, façam algo antes que seja tarde demais”, pediu.

Na publicação, Asghari marcou as contas do diplomata dos Estados Unidos, Ross Wilson, da equipe americana de basquete 3×3 e do Comitê Olímpico e Paralímpico dos Estados Unidos.

Também nesta quarta-feira (18), em entrevista à agência ‘Associated Press’, a ex-capitã e atual diretora da federação nacional, Khalida Popal, revelou o medo e angústia das jogadoras da seleção feminina de futebol em relação a seus futuros após o Talibã retornar ao poder.

Popal contou que as jogadoras estão temendo pelas próprias vidas e que está aconselhando essas mulheres a abandonarem suas casas e apagarem seus históricos como futebolistas de todas as maneiras possíveis.

“Isso destrói o meu coração, porque durante todos esses anos nós trabalhamos para aumentar a visibilidade da mulher, e agora estou dizendo a uma mulher no Afeganistão para calar a boa e desaparecer. A vida delas está em perigo”, disse Popal, na entrevista para a agência, completando:

“Elas estão se escondendo. A maioria saiu de casa e agora está com parentes, para se esconder de vizinhos que sabiam que eram jogadoras de futebol. Elas estão com medo. O Talibã está por toda a parte, criando medo”.

A ex-capitã deixou o Afeganistão com sua família em 1996, quando o grupo extremista assumiu o comando do país pela primeira vez. Após viver em um campo de refugiados do Paquistão por anos, retornou para sua terra natal em 2001 quando o Talibã foi derrubado.

Na primeira vez que o Talibã assumiu o poder do país, as mulheres que não cumpriam as regras impostas eram humilhadas, espancadas e por vezes até mortas pela polícia religiosa do grupo fundamentalista que atuava sob uma interpretação rígida do que diz a lei islâmica, conhecida como sharia.

Popal, de 34 anos, é considerada um símbolo na luta pelos direitos das mulheres no Afeganistão, utilizando o esporte para criar iniciativas de igualdade. Ela atuou como jogadora da equipe nacional entre 2007 e 2011, e logo se tornou diretora da federação. No entanto, devido aos ataques verbais e ameaças de morte, a afegã teve que deixar o país e pedir asilo político na Dinamarca, onde mora desde 2016.

“Minha geração tinha a esperança de construir o país, desenvolver a situação para a próxima geração de mulheres e homens do Afeganistão. Nós sentíamos muito orgulho de vestir a camisa da seleção. Era a coisa mais bonita, o melhor sentimento possível”, disse Popal.

Por fim, a afegã fez críticas a decisão do governo dos Estados Unidos em retirar as tropas militares do país.

“As mulheres no Afeganistão acreditaram na promessa, mas eles nos abandonaram porque não há mais interesse nacional. Por que prometeram? É isso o que questionam as minhas garotas, que choram e mandam mensagens. Por que não disseram que não abandonariam assim? Pelo menos poderíamos ter nos protegido”, finalizou.

“Diante desse cenário uma coisa podemos afirmar: é fundamental que a ciência, a ONU, coletivos globais e o próprio movimento esportivo exerçam mecanismos de pressão internacional dando atenção especial a vigência, eficiência e vinculação dos direitos da pessoa humana não somente na proteção de Direitos Humanos, como também Direitos Fundamentais”, finaliza Andrei Kampff, jornalista e advogado especialista em direito desportivo.

Crédito imagem: AFP

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