A cada ano que passa observamos que todo o final de campeonato é marcado por intuito de clubes que estão na iminência de serem “degolado” da Série A para a B.
Não me refiro aqui aos clubes que nas derradeiras rodadas já perderam a esperança, que, inclusive, passam a refletir sobre o ano vindouro, mesmo na vigência do certame.
O que vemos, quase que sempre, é um clube buscando a “salvação” fora das quatros linhas!
Um verdadeiro samba de uma nota só…(E não se trata daquela declaração de amor que Tom Jobim e Newton Mendonça nos legaram[1]!)
Ao revés é um samba, que visa somente a permanência na Série A, à revelia, na maioria dos casos, de bom direito; porém, sempre pondo em risco a segurança jurídica da modalidade e das competições, inegavelmente.
Ultimamente, observa-se que se tem almejado o emprego de uma espécie de procedimento especial previsto no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), a ação de impugnação de partida, que é hipótese excepcional que tem força de promover a modificação do resultado de campo de jogo ou a anulação da partida realizada.
O campeonato brasileiro de 2020, que devido à pandemia foi concluído somente em fevereiro de 2021, nos demonstrou isso, quando o C.R. Vasco da Gama buscou o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) pugnando pela anulação de uma partida realizada contra o Internacional S.C., porque o VAR (Video Assistant Referee[2]) teria apresentado um erro na leitura de determinada jogada que resultou em gol, deixando-a a critério do árbitro central e de seus auxiliares.
Não obstante respeitar deveras o direito de livre acesso aos órgãos judicantes do Vasco da Gama (ou qualquer outro clube) de buscar provimento judicante salvador (ou um alívio imediato) perante a Justiça Desportiva, no entanto, força convir que o uso inadequado desta via pode desembocar em sérios problemas para o ordenamento jusdesportivo, cabendo a sua guarda ao STJD.
A ação de impugnação de partida é medida extrema quando se constatar que se evidencia o erro de direito e não apenas de fato[3], cuja produção de prova deve ser antecipada e apontar deveras verossimilhança para que o Tribunal Desportivo possa desconstituir a partida realizada, modificando o resultado ou determinando uma nova realização do certame.
Mister se ponderar que o recente histórico da jurisprudência do STJD traz à lume o caso Aparecidense x Ponte Preta onde se determinou a anulação da partida válida pela Copa do Brasil de 2019, sendo que identificada pela Corte Desportiva interferência externa que teria violado a Regra do Jogo.
Inegavelmente, esse precedente trouxe esperanças (falsas) em todo o país, para muitos que derrotados em campos se agarram a quaisquer hipóteses para tentar esticar a disputa desportiva para além do gramado[4].
Lembrou-me até aquele excerto do samba de Paulinho da Viola sobre a Portela, apesar de descontextualizado, como diria o sambista: foi um rio que passou em minha vida e me deixou levar…
Fato é que não se viu quase nenhuma outra decisão na mesmo toada, porém, serviu de incentivo para se tentar de tudo.
A despeito disso, sempre se nota na reta final de campeonato brasileiro aquela ansiedade e busca de erro alheio, que possa resultar em benesse para alguma agremiação. A boataria sempre ronda noticiários esportivos e – agora – as redes sociais. Antes, era muito comum se mencionar um atleta irregular, atualmente a novela ganhou outros contornos, com o debate sobre o VAR e a possível anulação de partidas em virtude de erros que ali tenham origem.
Diria até um pouco mais, em muitas recentes medidas de impugnação de partida recentemente interpostas, tem-se que desnaturam a sua conformação, distanciam-se do mens legis, ao permitir que seja verdadeiro processo de conhecimento. Ou seja, ao revés de encaminhar-se ao Tribunal as provas previamente, estas têm sido produzidas ali, o que revela maior grau de risco para o Esporte, ao meu sentir.
Com efeito, algumas evidências, pontuais somente, deveriam ali ter nascedouro, caso contrário haverá um risco imenso de dar ao Tribunal papel de protagonismo que não lhe cabe. Aliás, não é este o discurso da imprensa e torcidas toda vez que se afora uma impugnação de partida?
Logicamente que tanto a imprensa, como as torcidas, não são oráculos que se deva seguir cegamente, nem mesmo o Tribunal deles necessita para tomar suas decisões, afinal rege-se pela Constituição e CBJD; todavia, apenas ilustro que não se deve flexibilizar por demais a disciplina do Código para essa espécie de ação.
A bem da verdade é que essa espécie de procedimento especial do CBJD não foi concebida para ser empregada de forma indevida ou constantemente, posto que fere a essência do esporte e atinge a segurança jurídica das competições.
Por isso, conforme se depreende da leitura do próprio artigo 84 do CBJD, outorga-se ao Presidente do Tribunal Desportivo o poder e dever de ser o filtro de demandas desnecessárias e descabidas.
E voltando olhares ao caso do Vasco da Gama, andou bem o Presidente do STJD do Futebol ao indeferir a pretensão cruzmaltina, afastando a almejada impugnação de partida, senão vejamos excerto do bem lançado despacho:
Veja-se que a peça Exordial bem como a manifestação subsequente à apresentação dos arquivos de vídeo foram muito cuidadosamente elaboradas, mas o imenso esforço retórico exercitado por seus talentosos Subscritores, não foi suficiente por certo, para esconder o indefectível fato de que a pretensão do Clube Requerente, ao fim e ao cabo, é debater, nesta via estreita, de fundamentação vinculada, a existência de supostos erros de interpretação pela Equipe de arbitragem, no sentido de questionar, se estava ou não o Jogador Rodrigo Dourado, do Internacional, em condição de impedimento no momento em que, aos 9 minutos do primeiro tempo da partida, marcou o primeiro gol da Equipe Colorada.[5]
Cediço que o VAR integra a arbitragem, sendo, como o próprio nome sugere, mais um assistente do árbitro central, a quem incumbe, pelo comando estatuído na Regra do Jogo, dar a palavra final. E ela foi dada. Nada mais haveria que se discutir.
Aliás, friso que o Pleno do STJD firmou entendimento sobre essa matéria em processo envolvendo uma partida entre Botafogo x Palmeiras (Campeonato Brasileiro de 2019), e quis o destino que o palco deste julgado fosse na minha Salvador, na Bahia.
Ali se construiu o leading case que sepultou (melhor dizendo, tinha sepultado) os questionamentos sobre o VAR enquanto parte acessória (e não principal) da arbitragem e suas implicações em eventual anulação da partida.
Esporte não vive sem segurança jurídica. Em especial, no desporto de alto rendimento são indissociáveis.
É preciso filtrar sempre que tais reclames (que são justos na essência, porque o direito de livre acesso aos órgãos judicantes deve sempre ser garantido), para que não se fustigue e banalize o instituto previsto no artigo 84 e seguintes do CBJD (impugnação de partida).
Apesar dos pesares, a questão jurídica que ventilei aqui não transitou em julgado ainda, posto que o Vasco da Gama interpôs medida inominada contra o aludido despacho do Presidente do STJD[6].
Para encerrar esse samba de uma nota só, me lembrei de outro Martinho além do Miranda – craque do direito e aqui já lembrado -, e sim o sambista, o Martinho da Vila, que nos dá um recado altivo, otimista e sempre útil:
Canta, canta minha gente
Deixa a tristeza pra lá
Canta forte, canta alto
Que a vida vai melhorar!
……….
[1] Inclusive, essa canção foi interpretada por Frank Sinatra e Ella Fitzgerald, dentre outros grandes intérpretes.
[2] Árbitro Assistente de Vídeo (tradução livre).
[3] Não pretendo aqui discorrer sobre erro de direito e de fato, deixando tal debate a cargo do meu caro amigo e mestre Martinho Miranda, que, nesse mesmo Lei em Campo, já o fez, com peculiar maestria: Erro de fato, Erro de direito e o VAR. Disponível em: < https://leiemcampo.com.br/erro-de-fato-erro-de-direito-e-o-var/> Acessado em 22 mar 2021.
[4] Logo após este precedente, atuei na defesa do A.O. Itabaiana, em Sergipe, em feito perante o TJD/SE que uma ação de impugnação foi proposta pelo Dorense/SE por suposta interferência externa, fruto de uma marcação de gol feita pelo auxiliar e acolhida pelo árbitro central. A ação foi processada pelo Pleno daquela corte, sendo, ao fim, preservado o resultado original.
[5] Disponível em: <https://www.stjd.org.br/noticias/presidente-indefere-impugnacao-do-vasco-1> Acessado em 22 mar 2021.
[6] O feito irá julgamento na sessão do Pleno aprazada para o dia 25 de março de 2021.